Empoderar e questionar: O que as mulheres querem cantar em 2018?
Empoderar mulheres. Cantar o cotidiano. Questionar o padrão estruturado por homens. Investigar seu passado para se conhecer no presente. Neste 8 de março, o UOL convidou 14 cantoras brasileiras para uma reflexão: O que as fazem compor e soltar a voz em 2018?
A diversidade circula não apenas na sonoridade e no tempo de carreira, mas também no que as movem artisticamente. Com visões de mundo distintas e bandeiras das mais plurais, algo em comum une veteranas, como Elza Soares, revelações, como Luedji Luna, e as populares coleguinhas Simone e Simaria: Cantar é pura fonte de (auto) conhecimento. “Cantar dói, mas também me alimenta muito”, resume Letrux, destaque em 2017 com o dançante e irônico “Em Noite de Climão”.
Maria Rita conta que não passou ilesa pelo movimento empoderado das mulheres “De certa forma, subir no palco hoje está um pouco diferente para mim do que era há quatro anos.”, conta. “[Me fez] identificar que muitas das coisas que eu sempre senti em relação a sociedade como um todo, no fim, eu não estava louca, eu não estava sozinha."
“Você não tem ideia da quantidade de mulheres que recebemos em nosso camarim, falando que superou isso ou aquilo por conta das nossas músicas, da nossa história”, conta Simaria, da dupla com Simone.
Para celebrar essa força que nunca seca na música, cada uma escolheu um grande disco feito por uma mulher para se ouvir hoje -- e sempre.
Elza Soares
Uma das grandes vozes do Brasil, Elza tem cantado mais forte do que nunca. Após "A Mulher do Fim do Mundo" entrar nas listas dos melhores do ano, inclusive no "New York Times", a carioca prepara o disco "Deus é Mulher" para maio.
Cara, o que me faz cantar é o público que acredita em mim, é o que me inspira e me faz seguir em frente para cumprir a minha missão. Enquanto eu tiver força e houver alguém para me ouvir, vou usar meu canto para denunciar as injustiças, o preconceito racial, a violência contra a mulher, a homofobia e a transfobia... Enquanto respirar lutarei por causas que acredito.
Disco essencial: Todos da Billie Holiday
Iza
Agradável surpresa no pop brasileiro, a carioca chegou com vozeirão e fez todo mundo dançar em 2017 com o hit "Pesadão".
O que me faz cantar é tudo que acontece na minha vida. As mulheres que eu encontro na minha vida me inspiram muito. Cantar só me trouxe coisas boas. É uma coisa necessária para mim. A minha vida, as experiências dos meus amigos, minha história, meus relacionamentos, meus amores, meus rompimentos, tudo isso me faz ter vontade de preparar um projeto e contar um pouco da minha vida para as pessoas que me escutam.
Disco essencial: “Anti”, Rihanna
Simone e Simaria
Dupla feminina de maior sucesso da atualidade, as irmãs baianas têm misturado sertanejo, arrocha e funk, e acabaram de gravar um dueto com Laura Pausini.
Nossa maior alegria é poder entreter e animar as pessoas. Temos muita preocupação com as músicas que escrevemos, em transmitir uma mensagem legal - seja superação, amor, diversão. Acho que essa é nossa responsabilidade com o nosso público. Você não tem ideia da quantidade de mulheres que recebemos em nosso camarim, falando que superou "isso ou aquilo" por conta das nossas músicas, da nossa história. É muito gratificante.
Disco essencial: Qualquer um da Roberta Miranda
Maria Rita
Filha de Elis Regina, a paulista lança seu sexto disco, “Amor e Música”, mais uma vez dedicado ao samba, no próximo dia 16, em São Paulo.
A música me salva, me mata, me leva e me explica. Eu me entendo melhor cantando. O que tem rolado na minha cabeça ultimamente, e isso tem muito a ver com o fato de ter completado 40 anos e com as vozes que vêm surgindo com mais força, é esse universo do feminino. Eu tenho muita vontade de ser compreendida, de fazer parte desse movimento, tanto como ouvinte, mas também como um ponto de luz para outras mulheres. E isso de repente tomou uma força dentro de mim muito grande, mais do que qualquer outro movimento de intenção política e cultural. Essa questão da identidade, da soberania do feminino. Identificar que muitas das coisas que eu sempre senti em relação com a sociedade como um todo, no fim, eu não estava louca, eu não estava sozinha. De certa forma, subir no palco hoje está um pouco diferente para mim do que era há quatro anos.
Disco essencial: Elis Regina, “Essa Mulher”
Teresa Cristina
Intérprete das mais celebradas, ela lança na sexta (9) o segundo disco da trilogia em que revisita a obra de grandes sambistas, “Teresa canta Noel – Batuque é um privilégio”.
Eu me senti motivada a cantar Noel Rosa com o Brasil do jeito que está hoje. O Brasil do Noel voltou do pior jeito, o Brasil atrasado, o Brasil digno de deboche, o Brasil da demagogia, da mentira, do esnobismo, do político corrupto e sem escrúpulos. Uma classe média querendo ser estrangeira, virando as costas para o que é nacional.
Disco essencial: "A Mulher do Fim do Mundo", Elza Soares
Letrux
Carioca, ex-Letuce, lançou primeiro disco solo, “Letrux em Noite de Climão”, em 2017, eleito melhor disco no Superjuri do prêmio Multishow.
Não sei o que me faz cantar, é muito antigo e misterioso ainda para mim. Eu não canto o tempo inteiro, pelo contrário, passo horas no silêncio. Quando eu canto é uma necessidade de me expressar, e coisas que não sei dizer saem melódicas. Cantar me dá nervoso, me dá alegria, me faz chorar, me faz sorrir. Tem dias que acho que mandei bem, tem dias que me julgo a pior. E tudo bem ser assim, não queria ter uma relação fechada com o canto "ai, amo cantar", pronto. Não. Não é bem assim comigo. Mas sinto um imã no microfone, no palco, e invento mundos para estar ali. Gosto de fazer letras sobre o cotidiano, às vezes parece banal, mas adoro usar lupa e microscópio e naquela simplicidade, enxergar o diamante da vida, a poesia de matar um leão por dia. Enfim, cantar dói, mas também me alimenta muito.
Disco essencial: "Uh Huh Her", PJ Harvey
Lurdez da Luz
Uma das pioneiras do hip-hop, a paulista lança seu novo disco “Acrux” no Sesc Pompeia, em São Paulo, no próximo dia 24.
Tenho necessidade de colocar minha voz para fora. Só as palavras não fazem jus a tudo que eu tenho guardado em mim, tudo que já experimentei, todo meu amor, meu ódio, minhas indignações com o mundo. Além de tudo, existe a ideia de se conectar com o universo, com as pessoas a minha volta, com algo maior que nós. Nisso a gente vai se conhecendo mais também. A experiência de ser mulher nesse sistema tem aparecido muito na minha poesia. Não sou uma pessoa que escreve de forma panfletária, porém existe uma constatação óbvia quanto ao sistema que os homens criaram. Na minha própria história tem violência, desrespeito, mas tem alegrias, tem porres. Tem dias bons e dias ruins.
Disco essencial: "Tocar na banda", Comadre Fulozinha
Gaby Amarantos
Paraense que ajudou a difundir o tecnomelody em todo o Brasil. Ela passou a integrar o elenco do programa "Saia Justa" e prepara um novo disco para 2018.
Cantar me deixa feliz em um grau máximo. O que eu gosto de passar na minha música são mensagens simples que sutilmente trazem autoestima para as pessoas. Tratar de assuntos para que as pessoas se sintam mais fortes, com mensagens muito diretas e que atinjam a mulher ribeirinha que está no interior do Pará, a mulher nordestina que está que está lá no sertão ouvindo no radinho. Quero que chegue nos lugares mais longínquos desse Brasil.
Disco essencial: “A Mulher do Fim do Mundo”, Elza Soares
Anelis Assumpção
Filha de Itamar Assumpção, a paulista é uma das artistas mais instigantes da MPB e lança seu terceiro trabalho, “Taurina”, no Sesc Pompeia no próximo dia 16.
Quero poder me comunicar livremente, me desprender de amarras e rótulos pré estabelecidos para mulheres que cantam. Quero ter tempo e espaço para exercitar minha poesia e minha musicalidade e quem sabe derrubar alguns pilares do padrão estruturado do mercado em relação as compositoras.
Disco essencial: "Corte", Alzira E.
Luedji Luna
Baiana de Salvador, ela tem nome de rainha angolana e foi uma das revelações de 2017 com seu disco de estreia, “Um Corpo no Mundo”.
Meu primeiro disco nasceu da minha mudança de Salvador para São Paulo, que mobilizou dentro de mim uma série de questões sobre as dinâmicas raciais na cidade, sobre meu encontro com a ancestralidade a partir do contato com a imigração africana e sobre qual é o lugar que ocupa o corpo negro da diáspora no Brasil.
Disco essencial: “The Miseducation of Lauryn Hill”, Lauryn Hill
Raquel Virgínia
Vocalista de As Bahias e a Cozinha Mineira, ao lado de Assucena Assucena, ela tomou de assalto a MPB em 2015 trazendo a tona a discussão sobre a participação da mulher trans na música brasileira.
Nos últimos tempos eu canto em busca da essência ancestral que existe em mim. Tudo que forma a substância da minha expressão no palco, da minha voz. Somos muitas. Existe numa expressão sensível e genuína como o canto, o passado e o presente. A captação dos frutos que geram o afago da arte é um caminho profundo e você vai se encontrar com suas avós, bisavós, tataravós, as bruxas queimadas na fogueira e as rainhas negras africanas. Eu quero cantar sobre isso. Sobre o sensível e imponderável, quero transcender e ao mesmo tempo manter no chão minha existência firme e de luta, fazer da minha voz um canto de luta e de novos tempos, assim como minhas ancestrais fizeram.
Disco essencial: “Sorriso Aberto”, Jovelina Pérola Negra
Drik Barbosa
Rapper das mais promissoras, a paulista integra o coletivo Rimas e Melodias e lança seu primeiro EP solo, “Espelho”, no dia 16.
Sendo mulher preta sei que as oportunidades para nós é menor, que as portas não estão abertas e nós que temos que construir novos caminhos pra que possamos seguir com a nossa vida e arte. Sei bem da luta e resistência que é ser mulher e negra no Brasil e atento a isso na minha música também. É necessário combater os preconceitos e buscar por nossos direitos, para que possamos viver em harmonia e criar um espaço seguro e de boa energia para as nossas crianças se desenvolverem. Minha forma de contribuir para que essas questões se transformem é fazendo música.
Disco essencial: "Baduizm", Erykah Badu
Claudette Soares
Coroada “princesinha do Baião” por Luiz Gonzaga, a carioca de 80 anos acaba de lançar “Canção de Amor”, dedicado ao samba-canção
Eu canto desde garota e minha discografia é pequena pelo meu tempo de carreira. Lançar esse disco é a maior realização da minha vida. No início da carreira achavam que eu não tinha maturidade para cantar samba-canção só pelo meu tamanho. Sou pequena. Mais tarde, quando gravei “Gil, Chico e Veloso por Claudette Soares” (1968), o cara da gravadora dizia: “Você vai ter o maior prejuízo e você vai pagar tudo porque a censura não vai deixar”. Tinha essa coisa da política e da censura. E agora é mais um sonho: Vou refazer esse disco com o repertório deles. Só para mostrar que, sim, eu posso. Adoro estar viva e ainda podendo cantar. Então, por que não?
Disco essencial: Elis Regina e Tom Jobim, "Elis & Tom"
Paula Mattos
Campo-grandense foi de backing vocal a revelação sertaneja. Lança nesta sexta (9) a musica “Matéria de Amor”, com participação de Matheus e Kauan.
Quando vou lançar uma música eu sempre penso no meu público. Gosto muito de falar de amor, sendo uma música mais dançante ou romântica. O mais importante para mim é a identificação. ‘Poxa, eu já vivi aquilo’ ou ‘estou vivendo isso’. Isso é o mais importante.
Disco essencial: "Paula Fernandes Ao Vivo"
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