Topo

"Terroristas são humanos e têm consciência", diz Padilha sobre novo filme

José Padilha participa de entrevista coletiva no Festival de Berlim - Markus Schreiber/AP
José Padilha participa de entrevista coletiva no Festival de Berlim Imagem: Markus Schreiber/AP

Bruno Ghetti

Colaboração para o UOL, em Berlim (Alemanha)

19/02/2018 14h35

Há 20 anos, o Brasil ganhava seu primeiro Urso de Ouro no Festival de Berlim, com “Central do Brasil” (de Walter Salles). Uma década mais tarde, repetiu a dose, com “Tropa de Elite”, de José Padilha. Em 2018, a tradição do prêmio máximo berlinense a cada dez anos será interrompida, já que o país não tem longas na briga pelo prêmio, mas Padilha está de volta ao tapete vermelho, na competição oficial com o longa “7 Dias em Entebbe”, que teve sua estreia no domingo na capital alemã.

Recebido com indiferença em suas primeiras sessões oficiais, o longa é a terceira produção internacional consecutiva do cineasta carioca, após “Robocop” (2014) e episódios da série “Narcos” (2015). O filme foi financiado por capital americano e britânico.

Estrelado pela inglesa Rosamund Pike (de “Garota Exemplar”) e pelo alemão Daniel Brühl (de “Adeus, Lênin”), o longa se passa em junho de 1976, quando jovens de grupos revolucionários pró causa Palestina sequestraram um avião da Air France, que fazia o trajeto Tel-Aviv – Paris. Entraram na aeronave durante uma conexão em Atenas e renderam os pilotos, fazendo mais de 200 reféns. Queriam negociar a libertação de 52 prisioneiros pró-Palestina e desviaram a rota para o aeroporto de Entebbe, em Uganda, na época comandada com pulso firme pelo ditador Idi Amin, simpatizante da causa palestina.

O filme se dedica a mostrar o tenso processo de negociação, que terminou com forças israelenses conseguindo libertar os passageiros. “Não comecei o projeto por conta própria: o roteiro chegou até mim. Li e achei incrivelmente bem escrito. Contava duas histórias: dos sequestradores e sua relação com os passageiros e, de outra parte, como se dava a relação entre as autoridades israelenses”, disse Padilha, em conversa com a imprensa. “Os produtores pensavam que havia uma narrativa que não havia sido contada”, explicou o cineasta, referindo-se ao fato de que a versão militar entrou para a história como a definitiva dos acontecimentos. 

No filme, Padilha se esforça em não tomar partidos: procura explicar as razões dos sequestradores (que, segundo o filme explica, se autointitulavam “humanitários”, embora fossem chamados pelos israelenses de “terroristas”), mas também reserva espaço para apresentar as motivações dos políticos de Israel. Os dois lados, aliás, possuem membros que demonstram preocupações humanistas – embora também haja pessoas mais adeptas de um certo radicalismo.

“Terroristas são humanos e têm consciência. São seres errados que fazem coisas erradas, imperdoáveis, mas são humanos. Se os mostro sem serem pessoas, então sou meio maluco, não é mesmo?”, disse o diretor.

Padilha comentou também sobre a maneira como observou o lado israelense da questão. “Quando você vê a dinâmica entre políticos em Israel para negociar... O que você aprende é que mesmo que aquela operação de resgate fosse arriscada demais, de resultados duvidosos, se as autoridades não a aprovasse seria problemático para eles. Ainda hoje é assim que as coisas funcionam no mundo todo”, disse o diretor.

7 dias em Entebbe - Divulgação - Divulgação
Cena do filme "7 Dias em Entebbe", dirigido por José Padilha
Imagem: Divulgação
O cineasta disse que fez pesquisas extensas sobre os acontecimentos de 1976. “Fui a Israel e fiz mais pesquisa, conheci muita gente, alguns passageiros e reféns e militares. Falamos com muitas pessoas para fazer a pesquisa, foi muito importante, sobretudo porque a história oficial é uma versão militar”.

O filme busca sempre um certo didatismo: já no início, letreiros explicam a origem do atual Estado de Israel e a razão pela qual os palestinos se sentiram injustiçados com sua criação. Padilha explica que tentou filmar as diversas situações o mais próximas possível das versões relatadas por quem esteve no avião. “A verdade não precisam de defesa; as mentiras é que precisam. Respeito as versões de quem presenciou os eventos”.

Uma das testemunhas, Jacques Lemoine, engenheiro do avião, esteve presente na entrevista coletiva e confirmou a autenticidade do roteiro. “O filme foi bastante fiel ao que aconteceu na vida real”, disse o veterano. 

O ator Daniel Brühl comentou sobre como é trabalhar com o brasileiro. “José é um diretor enérgico, diante dele eu não precisava nunca de café pela manhã”, disse. “Sabia que o filme estava em boas mãos. Conversamos muito e senti que o diretor é um homem de grande consciência política.” Rosamund Pike também elogiou. “Gosto porque ele corre riscos. E logo que o conheci eu vi que o filme teria um caráter questionador e que tornaria resultado mais interessante.”

Indagado sobre o motivo de seu filme ser majoritariamente falado em inglês, apesar de personagens de diferentes nacionalidades, Padilha foi direto: “É uma realidade conservadora, mas o fato é que quanto menos falas em inglês tenha seu filme, menos comercial ele será”. 

Em breve, Padilha irá lançar no serviço de streaming Netflix um novo material em português, a série “O Mecanismo”, inspirada na Operação Lava Jato – Selton Mello será o protagonista. Mas o público brasileiro poderá conferir “7 Dias em Entebbe” ainda uma semana antes da atração televisiva: o longa tem previsão de estreia no Brasil para 16 de março, enquanto “O Mecanismo” deve estrear em 23 do mesmo mês.