Ele já foi soldado do tráfico e garoto de programa; agora virou escritor
Criado no Morro da Serrinha (RJ) com mais seis irmãos, Alan Souza tem uma história de vida movimentada. Gerenciou uma boca do tráfico de drogas, levou quatro tiros em um baile funk, virou garoto de programa de sucesso, agora é poeta e escritor e mora com sua noiva (uma oficial do exército) em Israel. Toda essa trajetória conturbada será contada no documentário "Vidas Paralelas", que está em produção e deve sair no ano que vem.
"[Quando ainda era jovem] 90% dos traficantes do morro de onde eu morava eram irmãos, primos ou amigos de infância. Quando meu irmão morreu, meses depois fui falar com um dos donos do morro que queria entrar para o tráfico e gerenciar umas das bocas [ele tinha 18 anos]. O dono mandou eu escolher as armas e montar a equipe qual eu ia gerenciar. E assim foi um longo período de um ano", relembra Alan em entrevista ao UOL.
Filho de caminhoneiro e lavadeira, o jovem ingressou no sistema criminoso e após um roubo malsucedido acabou parando em uma instituição de menor infrator. Depois de ser solto, a mãe de Alan pediu para que ele desistisse da vida no tráfico e mudasse o rumo. Só que uma infelicidade o deixou no hospital por 40 dias.
"Fui num baile funk com a minha namorada e, para minha surpresa, a facção havia mudado. Alguns soldados de outro comando, achando que eu ainda era soldado da Serrinha, tentaram me executar com quatro tiros: no rosto, dedo, perna e barriga".
O garoto se recuperou e com 20 anos foi tentar a sorte na Bahia, terra natal da mãe. Primeiro foi para o interior e não conseguiu arranjar nada. O destino seguinte acabou sendo a capital, Salvador, onde trabalhou como faxineiro no mercado, vendedor de CD pirata e até em barraquinha na praia. Durante uma época de vacas magras, morando na rua há duas semanas, encontrou um emprego de caseiro em um estabelecimento. Mas não era só isso.
Casa de massagem e fetiche com Serginho Malandro
"Depois de ter sido contratado, percebi que se tratava de casa de massagem, frequentada por políticos, juizes, jogadores de futebol entre outras pessoas de alto nível [social], era a casa mais famosa de Salvador", disse Alan.
Foram nove meses nos serviços gerais até que surgiu a primeira proposta de programa sexual. Outros casos foram pintando e Alan decidiu se inscrever em um site de acompanhante de luxo, além de começar um blog contando suas experiências como garoto de programa.
"Comecei a relatar histórias com meus clientes, a maioria [era formada por] homens casados, mas tinham muitos casais e mulheres também. A demanda era grande, tive que alugar um apartamento de luxo e comecei a ter sucesso na profissão".
Alan fez um curso de massagem para oferecer algo mais do que a concorrência e gostava de conversar com os clientes para entender o que queriam ou se tinham alguma fantasia sexual. E um desses casos foi o de Serginho Malandro.
"Teve uma cliente que me pediu para eu atendê-la vestido como ele: boné virado para trás, bermudão, camisa e sapatos. Ela pediu para que eu chegar na suíte do motel zoando e tudo, falando 'rá, pegadinha do Malandro' e 'Glu -Glu ié ié'. Já atendi também um rapaz que estava fantasiado de Homem-Aranha com uma fenda na parte de bunda", conta Alan, dando risada.
Poeta sem querer
Depois de ajudar uma senhora que o maridão não a satisfazia na cama, Alan foi pensar na vida e bolou um poema, justamente sobre a importância instantânea que ele tinha na vida dos clientes e das saudades que deixava. Gostou do resultado e decidiu se arriscar ainda mais. Hoje tem mais de 50 poesias feitas e um livro publicado, "Mentiras e Farsas: Diário de um Garoto de Programa".
Trecho do poema "Mentiras e farsas"
Daqui a pouco escurece e tudo fica claro
a máscara cai, farda fica de lado
e o desespero toma conta
Parece que o mundo vai acabar
Tá tudo escuro, mas a noite é clara
Pra quem tem o dom de exergar
Mentiras e farsas, cama mal quebrada
Prazer sem prazer, prazer sem prazer
O próximo passo seria partir para as produções visuais. "A minha história de vida no Rio de Janeiro já dava para se transformar em livro. A prostituição foi um complemento para que eu pudesse concluir esse processo, e, assim, fazer um documentário para passar mensagem de que podemos interromper uma história de vida e construir outra".
O sonho de Alan é que sua história vire um filme, mas enquanto isso ele trabalha com o que tem em mãos. Parte dos lucros arrecadados com a venda dos livros e das poesias são revertidos para o Grupo de Apoio à Criança com Câncer, uma forma de homenagear a mãe, que morreu da doença há alguns anos.
Alan volta ao Brasil nos próximos meses para dar continuidade ao documentário dirigido por Luiz Carlos Lucena sobre sua vida. Ele se mudou para Israel para acompanhar a noiva, que é oficial do exército local. Além disso, ele trabalha como faxineiro em mansões de luxo e bares para sobreviver, inclusive continua fazendo massagem Tuiná -- dessa vez sem segundas intenções.
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