Museu de Paris faz campanha: "Tragam seus filhos para ver gente nua"

Uma bem-sucedida campanha para atrair mais famílias no Museu d’Orsay e no Museu da Orangerie será retomada este mês em Paris. Enquanto no Brasil grupos conservadores têm pedido o fechamento de mostras e exposições que envolvem nudez, um dos cartazes da campanha francesa toca diretamente no assunto: “Tragam seus filhos para ver gente nua”.
O cartaz utiliza a tela “Femme Nue Couchée” (Mulher Nua Deitada), realizada em 1907, pelo pintor francês Auguste Renoir, em que uma jovem é retratada na cama, com seios à mostra, e o sexo coberto com um lençol.
Exibido nas ruas e metrôs de Paris, os cartazes criados pela agência parisiense Madame Bovary, com a coordenação da diretora de comunicação do Museu d’Orsay e da Orangerie, Amélie Hardivillier, tem chamado atenção. “A campanha foi muito bem recebida pelo público, apreciada e reproduzida. Não houve nenhuma polêmica em relação a ela”, diz.
Em entrevista a agência RFI, ela explica que o objetivo da campanha era se colocar no lugar das crianças quando elas vão aos museus, decifrar suas reações e a compreensão que têm das obras, brincando com a inversão de valores: “Queríamos mostrar que são as crianças que levam os pais aos museus”.
A campanha também faz relação com outros temas da atualidade. Com uma escultura de um guerreiro – também nu --, um dos cartazes pede: “Tragam seus filhos para ver super-heróis em 3D”. Outro utiliza uma tela com uma charrete: “Tragam seus filhos para ver Velozes e Furiosos”.
Diante do desafio em atrair diferentes públicos em museus, ela defende um contexto mais atual para obras históricas. “São Sebastião é um santo. Mas pode se tornar um ícone gay se você o observar nas pinturas com o com o olhar de hoje”, ressalta.
A diretora de comunicação salienta que nenhuma obra do museu tem censura de idade, nem mesmo a emblemática “L’Origine du Monde” (A Origem do Mundo”, tela de realizada por Gustave Courbet em 1866). Isso não exclui por exemplo, o debate em torno da pintura adquirida pelo museu em 1995, que é protegida por um vidro e fica em uma sala especial do museu. “Há a relação com a nudez que leva ao debate, sobretudo sobre essa obra, que é tão sensível. Mas essa também é a função da arte: incomodar, questionar”, reitera.
Para diretora, Brasil vive "situação grave"
À RFI, Hardivillier disse que ficou surpresa ao saber dos episódios do fechamento da exposição “Queer Museum”, no Santander Cultural de Porto Alegre, e a polêmica que gerou a performance “La Bête”, do artista carioca Wagner Schwartz, no Museu de Arte Moderna de São Paulo. “Sei que São Paulo é palco de belas exposições. É muito grave essa situação. Fico triste com essa notícia.”
Artistas e curadores brasileiros que vivem na França também manifestam sua indignação, como Fabrícia Martins. Radicada em Paris, a artista é amiga de longa data de Schwartz, alvo das críticas pela performance no MAM. Segundo ela, o carioca está “abaladíssimo, em estado de choque e é alvo de ameaças”.
“A liberdade artística está virando moeda das próximas eleições. A performance de Wagner Schwartz viralizou na internet devido a um vídeo descontextualizado. Pessoas que nunca foram ao museu o viram e se chocaram. Os políticos estão tirando proveito disso. A extrema-direita está encabeçando essa espécie de caça às bruxas na classe artística”, diz.
Para ela, o problema está na sociedade brasileira, condicionada ao erotismo. “A sociedade brasileira é extremamente erotizada. O Brasil é o quarto país no mundo onde mais são realizados casamentos com menores de idade. E a gente sabe que a pedofilia no Brasil acontece sobretudo nas famílias. Então, trabalhos como os de Wagner Schwartz são potentes porque trazem à tona esse imaginário camuflado.”
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