Coral formado por moradores de rua se apresenta no Theatro Municipal do Rio
Pela primeira vez em sua história, o Theatro Municipal do Rio de Janeiro abriu as portas para artistas da população de rua. Para comemorar seu primeiro ano de existência, o coral Uma só Voz se apresentou no início da noite de hoje (5), com entrada grátis, no "foyer" do teatro, com um repertório que incluiu canções de grandes compositores da música popular brasileira, como Tom Jobim, Luiz Gonzaga, Gilberto Gil, Gonzaguinha, Sivuca e Renato Teixeira. Como a capacidade do foyer é limitada a 120 pessoas, o grupo fez em seguida mais uma performance na escadaria principal do teatro.
Iniciativa inédita no país, o Uma só Voz reúne seis corais criados para se apresentarem nos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016, por iniciativa das organizações não governamentais (ONGs) inglesas Streetwise Opera e People's Palace Projects, em parceria com a Prefeitura do Rio de Janeiro, além da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, do Movimento Nacional de População de Rua e da Pastoral da Rua. A ação tem com o apoio internacional do British Council, Calouste Gulbenkian Foundation e Macquarie.
O começo de tudo foi a iniciativa With One Voice, que a ONG Streetwise Opera comandou durante a Olimpíada de Londres, em 2012. Naquele ano, pela primeira vez na história, a população de rua da cidade foi incluída na programação oficial de um evento olímpico, com apresentações na tradicionalíssima Royal Opera House.
"A iniciativa em Londres foi um sucesso e aí eles decidiram vir ao Brasil para fazer o mesmo nos Jogos de 2016. O trabalho aqui começou em 2013", contou o regente dos corais, Ricardo Vasconcellos. Foram três anos pesquisando, promovendo intercâmbios internacionais e buscando parceiros brasileiros até a criação do Uma Só Voz, em maio de 2016.
Desde então, os grupos já fizeram mais de 40 apresentações, incluindo a programação oficial dos Jogos do Rio - em que cantaram em cerimônias como o do acendimento da tocha e na casa olímpica da Inglaterra -, o aniversário da cidade e performances em espaços como o Museu do Amanhã, Museu de Arte Moderna (MAM) e Biblioteca Parque Estadual. Neste primeiro ano de existência, cerca de 500 moradores de rua passaram pelo projeto, segundo Ricardo Vasconcellos.
Visibilidade
Atualmente são 120 pessoas atuando nos seis corais que formam o Uma Só Voz, mas não há integrantes fixos. "Trabalhar com população de rua é um pouco complexo. As pessoas são itinerantes. De repente um integrante volta para sua cidade de origem e deixa de participar ou não aparece mais nos ensaios", explicou o regente.
Para Vasconcellos, uma palavra define o que representa para um morador de rua participar dos corais: dignidade. "Quando a pessoa começa um trabalho artístico, passa a se expressar, começa a se sentir participante de algo, a construir vínculos com outras pessoas. Quando se apresenta e é aplaudido, o morador de rua olha para dentro de si mesmo e diz: se eu fiz isso, o que mais eu não posso fazer?"
Parte dos integrantes dos corais ainda mora nas ruas da cidade e outros são acolhidos por programas da prefeitura, como o Rio Acolhedor e o Abrigo Plínio Marcos. Há 12 anos morando sob marquises na cidade, Dona Valéria participa do coral desde a criação do grupo. "A gente é invisível sempre, né? Somos muito maltratados. Agora quando eu canto, as pessoas vêm apertar minha mão, dizer que me viram cantando. Eu sinto que a minha estrelinha está brilhando", disse.
Até o final deste ano, a iniciativa tem verba para manter seus ensaios, mas para garantir a sobrevivência e as atividades a partir de 2018 espera contar com o apoio da população em geral. Para isto, foi lançada nesta sexta a campanha crowdfunding Amigos dos Corais Uma só Voz. A proposta é incentivar doadores a apoiar a continuação dos corais, doando valores a partir de R$ 10. Os interessados podem acessar o link www.catarse.me/amigosdoscoraisumasovoz.
*Colaborou Joana Moscatelli, repórter do Radiojornalismo da EBC
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