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Expoente das artes em Nova York, brasileiro bomba nas selfies do Coachella

"Lamp Beside The Golden Door", obra do artista paulistano Gustavo Prado no festival Coachella, na Califórnia - Andrew Jorgenson/Divulgação
"Lamp Beside The Golden Door", obra do artista paulistano Gustavo Prado no festival Coachella, na Califórnia
Imagem: Andrew Jorgenson/Divulgação

Eduardo Graça

Colaboração para o UOL, em Nova York

24/04/2017 11h33

Uma das atrações mais interessantes do Coachella --festival de música pop mais importante dos Estados Unidos, que terminou neste domingo (23)-- não estava nos palcos, não tocava qualquer instrumento e, embora baseado em Nova York há seis anos, é brasileiro da gema e atende por um nome desconhecido dos frequentadores de shows: Gustavo Prado.

Nas duas semanas do evento, que acontece em Indio, na Califórnia, era obrigatória a parada na obra “Lamp Beside The Golden Door”, de preferência dupla --uma durante o dia, outra quando o sol já tivesse encerrado seu espetáculo no deserto. 

Basta ver a quantidade de selfies e posts no Instagram com cabeças, mãos, olhos e beijos brincando com o jogo de espelhos e reflexos proposto por Prado. O artista paulistano de 35 anos, com formação no Rio, e que este ano foi selecionado para a prestigiosa residência AIM (Artist in the Market Place), do Bronx Museum, em Nova York, iniciou no começo do mês a complicada montagem da peça interativa, desde já um dos marcos do espaço do Coachella dedicado às artes plásticas, uma tradição no festival, que este ano teve seu espaço ampliado.

"O pessoal do Coachella entrou em contato comigo em janeiro e, depois de uma simulação feita por engenheiros de como o vento do deserto iria influir na minha obra, iniciamos no começo de abril a montagem, que durou 16 dias", conta o artista.

Há dois anos, um dos olheiros responsáveis pela curadoria de artes plásticas do Coachella, Danny Baez, visitou o estúdio que Prado tem no Harlem em uma festa de artistas vizinhos, entre eles o carioca Raul Mourão. Baez se encantou por um trabalho com espelhos que estava em uma mesa.

"Mesmo sendo uma escultura relativamente pequena, ele perguntou se eu gostaria de reinventá-la, de alguma maneira, para o festival. Confesso que achei tudo meio inusitado, mas topei na mesma hora. Era uma seletiva de artistas, com pagamento oferecido pelo festival, e só em janeiro deste ano tive o o.k. final. Desta vez não foi um investimento meu em troca de visibilidade, embora, claro, ela tenha sido enorme. Foi o melhor dos mundos", diz Prado.

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O artista paulistano Gustavo Prado exibe sua obra de espelhos no festival Coachella, na Califórnia
Imagem: Arquivo pessoal

Imigrantes

“Lâmpada por detrás da porta dourada”, em tradução livre, é, nas palavras do artista plástico, algo como um “anti-muro”, em uma citação direta à ideia do presidente dos EUA Donald Trump de erguer quilômetros de muro na fronteira com o México, com o objetivo de deter a imigração ilegal. Uma das inspirações diretas da obra é o célebre poema “The New Colossus”, de Emma Lazarus (1849-1897), gravado na Estátua da Liberdade, em que a escritora americana busca sintetizar o nascimento de uma nação a partir da chegada de imigrantes --“desabrigados, que enfrentaram as tempestades para aqui chegar”--  aos EUA, oriundos de todos os cantos do planeta.

Gustavo, ele próprio um imigrante brasileiro, ergueu uma estrutura que poderia figurar com tranquilidade em produções futurísticas de Hollywood, uma reação aos tempos bicudos do ultra nacionalismo e da exacerbação individualista. A peça não bateu cabeça com o espírito comunitário do festival de rock.

"Meu interesse é justamente refletir sobre o que está em torno e não vemos de imediato, para abraçar a distorção, possibilitada, entre outras coisas, pelo efeito da luz e dos espelhos. É possível para o espectador olhar o seu próprio corpo de maneira diferente", diz Prado, que segue: "E isso, no festival, se intensificou de uma forma impressionante, tanto pela beleza da paisagem, quanto pelo número de pessoas capturadas pela instalação, tanto de perto quanto de longe".

Selfies

O artista aproximou o vaivém dos roqueiros dos blocos de rua do Carnaval carioca, com pessoas fantasiadas, já predispostas à exposição, à brincadeira e à interação. Os espelhos menores, na parte de baixo da obra, acabaram servindo de local ideal para quem queria fazer alguma inveja aos amigos que não puderam ir ao Coachella. As filas para as selfies chamaram a atenção de quem passou por lá.

"Não vou mentir, eu mesmo fiz dezenas de registros, mas para um projeto futuro. Mas o que me interessou mais foi o fato de os espelhos côncavos e convexos não serem ideais para este tipo de fotos, já que não são 'obedientes' em relação ao plano, eles forçosamente incluem quem está ao lado. Mesmo que você tente sair sozinho, acaba refletindo os outros, o grupo. E isto foi um dos melhores resultados inesperados deste trabalho: a vaidade egoísta transformada em convívio, em experiência compartilhada", acredita.

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"Lamp Beside The Golden Door" atraiu o público do Coachella, que posou para muitas selfies com a obra
Imagem: Lance Gerber/Divulgação

A instalação também acompanhou a vida do festival de forma dinâmica. Um dos espelhos maiores refletia o gramado e a entrada e saída das multidões entre uma apresentação e outra no palco principal. Outra registrava o sol inclemente e belo do deserto no meio da tarde, multiplicando-o em até dezesseis reflexos contínuos. E o pôr do sol e a lua mudavam a cor da obra por conta das alterações da iluminação natural em Indio.

"Mas o motor mesmo foi a galera, o que eles vestiam, os abraços dados para caber no reflexo dos espelhos maiores, as pessoas dançando 'com os espelhos' e caindo na gargalhada", conta Prado.

O artista, que trabalha normalmente em seu estúdio em Manhattan, conta ter se emocionado especialmente no segundo dia de festival, quando o público ainda estava descobrindo seu trabalho: "Duas mulheres se aproximaram de uma das concentrações de espelhos e se beijaram. O fato de elas terem escolhido estar ali juntas para compartilhar o tanto que se gostam com o trabalho me comoveu imensamente. E trouxe um enorme sentimento de gratidão e missão cumprida. Naquele momento percebi que o trabalho estava pronto, e como tem que ser com toda arte que se presta, ele já não era mais só meu".

O artista começa agora o trabalho árduo de “embrulhar” a instalação e transportá-la para Nova York, onde deverá ser exposta, em local ainda indefinido, a partir do fim de maio. "Tive muita sorte em minha adaptação na cidade. Em março participei pelo segundo ano consecutivo da feira Spring Break, que se tornou referência para novos talentos e curadorias mais experimentais, um dos eventos de arte mais importantes da cidade. Também trabalho com o site artspace.com, que me permite vender obras para locais onde não tenho galerias me reapresentando, como Milão, por exemplo", diz.

Prado também estabeleceu uma parceria com o americano Alex Friedman, que tem uma série de espaços na cidade e seleciona artistas para ocupá-los em troca de um desconto em obras que ele eventualmente deseje incluir em sua coleção de arte contemporânea. Pós-Coachella, ele acaba de entrar para o elenco da Luxiris, onde terá ainda este ano uma individual na nova unidade do Leblon, no Rio. A galeria é comandada por Ricardo Rego, que coleciona obras de Prado e é um de seus maiores incentivadores.

Ainda este ano, o artista deve expor em individuais em galerias de Nova York e Boston. E o Coachella foi apenas o primeiro passo para novas empreitadas em grande escala. "Já estou conversando sobre uma instalação na Carolina do Norte e outro em um parque de esculturas e centro experimental de arquitetura, o Omi International Arts Center, que fica no estado de Nova York, com curadoria de Jennie Lamensdorf [celebrada em Nova York pela série “Art-in-Buildings”, voltada para a exposição de artistas emergentes em diversos edifícios e espaços públicos da cidade].

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"Lamp Beside The Golden Door" se transformava de acordo com a luz do deserto californiano
Imagem: Greg Noire/Divulgação