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Como as mudanças na Lei Rouanet impactam grandes e pequenos produtores

Ministro da Cultura Roberto Freire critica veto de Chico Buarque a música no "Roda Viva" - Newton Menezes/Futura Press/Folhapress
Ministro da Cultura Roberto Freire critica veto de Chico Buarque a música no "Roda Viva" Imagem: Newton Menezes/Futura Press/Folhapress

Jotabê Medeiros

Colaboração para o UOL

24/03/2017 05h00

A instrução normativa que mudou as regras da Lei Rouanet, publicada na quarta-feira (22) no Diário Oficial da União pelo Ministério da Cultura, teve repercussão quase nula entre os maiores proponentes e incentivadores do sistema, mas causou apreensão entre os pequenos e médios produtores.

Os pequenos, ainda examinando as implicações da medida, convocaram reunião na Assembleia Legislativa de São Paulo para a próxima terça-feira (28). Mais de 40 artistas e produtores e 20 entidades estão confirmados das áreas de teatro, música, circo, dança, artes visuais e audiovisual.

Os grandes também vão debater a lei. O Fórum Brasileiro pelos Direitos Culturais, que reúne mais de cem instituições do país todo (incluindo o Itaú Cultural, a Fundação Roberto Marinho e a Fundação Bienal de São Paulo) anunciou a realização de um seminário de debates das mudanças (das quais participou ativamente com sugestões) em abril.

Prestação em tempo real

O proponente com maior captação de recursos em 2016 foi o Instituto Tomie Ohtake, de São Paulo, que utilizou R$ 19 milhões de verbas incentivadas para montar mostras como as de Salvador Dalí e Frida Kahlo --cada uma reuniu mais de 500 mil pessoas. Segundo Ricardo Ohtake, presidente do instituto, a primeira repercussão das mudanças vai ser a exigência de um maior preparo técnico das equipes de gestão do Tomie Ohtake, por causa da prestação de contas em tempo real, uma das novidades da legislação.

Ohtake acredita que, em um primeiro momento, por demandar mais rigor, pode ser que as novas regras causem uma contração dos investidores, diminuindo as verbas destinadas ao incentivo cultural. Para 2017, a renúncia fiscal aprovada pelo governo para o incentivo da Lei Rouanet é de R$ 1.357.912.134,00 (em 2016, foi de R$ 1.304.971.001,00).

Ricardo Ohtake crê que as medidas são uma tentativa de recuperar a credibilidade da lei, abalada por casos como o do produtor Antonio Carlos Bellini, preso em julho do ano passado na Operação Boca-Livre da Polícia Federal sob acusação de fraudar a lei.

Planos anuais e manutenção

Ficaram de fora do teto estabelecido pela instrução normativa do MinC os planos anuais e os projetos de restauro ou manutenção de museus. "No caso do Inhotim, além do acervo museológico, aprovamos anualmente o Plano Anual de Atividades no MinC, e podemos eventualmente ter projetos de restauro. Por isso, a modificação da lei não se aplica no nosso caso", disse Malu Gonçalves, do Instituto Inhotim (MG), sétimo maior proponente de 2016, com R$ 10 milhões.

O Museu do Amanhã emitiu nota sintética, informando que sua condução financeira também não sofrerá nenhuma correção de rumo: "As mudanças na Lei Rouanet não se aplicam a planos anuais de gestão de equipamentos públicos".

Eduardo Saron, do Itaú Cultural, disse que a instrução normativa traz avanços significativos, entre eles a prestação de contas em tempo real, que permite um controle social do gasto público. "De qualquer modo, há uma curva de aprendizado, porque a mudança é estruturante. O ministério deverá ter a compreensão de que deverá aprimorar em 4, 5, 6 meses, e o mundo da cultura terá que se reorganizar", afirmou Saron.

Há uma crítica recorrente no mundo cultural de que os Planos Anuais beneficiam equipamentos de grandes grupos financeiros, que poderiam perfeitamente arcar com suas despesas de manutenção. A assessoria de comunicação do Ministério da Cultura informou que os planos anuais foram mantidos porque estão previstos no texto original da Lei Rouanet e atendem a organizações sem fins lucrativos.

"O incentivo fiscal previsto na Lei destina-se às despesas necessárias para a produção cultural, o que abrange despesas administrativas. As contrapartidas apresentadas pelo projetos são o cumprimento do objeto cultural e o atendimento das regras previstas (como a democratização do acesso), além da divulgação do papel do Governo no incentivo à cultura”, informou o MinC, em nota.

Novas exigências

A reunião dos pequenos produtores e artistas para debater a mudança, que será realizada em São Paulo na próxima semana, foi convocada pelo Conselho Brasileiro de Entidades Culturais. Eles ainda não quiseram se posicionar sobre temas específicos do texto, mas os pontos que causam maior apreensão são a exigência de que cada novo proponente às verbas do incentivo demonstrem 24 meses de atuação anterior na área cultural, além da decisão de o Mecenato privilegiar aqueles produtores que já têm em vista um patrocinador.

O ministério, que tirou do ar a página SalicNet para atualização tecnológica (a página só volta em abril), informou por nota que pode acatar modificações no texto, "sempre levando em consideração as contribuições de produtores culturais e demais grupos diretamente envolvidos" e que, "por ser instrução normativa, há a possibilidade de produzir quaisquer alterações sem atropelo naquilo que será apresentado como resultado para a cultura brasileira".