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Inglês lança romance sobre Paraisópolis: "Para elite, a favela pode sumir"

O escritor inglês Joe Thomas  - Divulgação
O escritor inglês Joe Thomas Imagem: Divulgação

Leonardo Rodrigues

Do UOL, em São Paulo

10/03/2017 04h00

O professor inglês Joe Thomas tinha Londres e o mundo à sua janela para definir o cenário de seu primeiro romance. Mas acabou parando mesmo em São Paulo. Mais especificamente, na favela de Paraisópolis, zona sul da capital.

Recém-lançado no Reino Unido e inédito no Brasil, o livro "Paradise City" conta a história de Mário, um detetive da Polícia Civil que investiga por conta própria a morte trágica da mulher, vítima de bala perdida ou não. A trama policial vai se costurando a um enredo de mentiras, violência e corrupção generalizada. Como epígrafe, há uma citação à "O Tempo Não Para", sucesso de Cazuza: "Transformam o país inteiro num puteiro/ Pois assim se ganha mais dinheiro".

Capa do livro "Paradise City", do autor Joe Thomas - Divulgação - Divulgação
Capa do livro "Paradise City", do autor Joe Thomas
Imagem: Divulgação

"[O livro] é o filho bastardo do crime organizado, da indústria da construção civil e de Cazuza", diz Thomas. Hoje ele está de volta a Londres, depois de ter sido casado com uma brasileira e passado quase dez anos na capital paulista. Acompanhou incrédulo pela TV e jornais a onda de ataques do PCC em 2006, que acendeu a fagulha para o romance, cuja temática guarda suas semelhanças com os filmes "Tropa de Elite".

Em fevereiro deste ano, Joe fez barulho nas redes sociais ao publicar um artigo no jornal "The Guardian" que sua Londres não passa de uma vila perto do ritmo frenético de São Paulo, cidade que classifica como "incomparável".

Os próximos capítulos desse relacionamento literário já têm título: "Gringa", romance centrado na Cracolândia de São Paulo, antes da Copa do Mundo e dos Jogos Olimpícos, e previsto para 2018; e "Playboy", que mostrará em seguida o que virou nosso país em tempos de polarização ideológica.

"Eu me interesso pela ideia de que, para a elite, as favelas e seus moradores podem ser apagados", afirma Joe, que não sabe quando lançará seus livros no Brasil. "Preciso perguntar ao meu agente."

UOL - Por que você quis mostrar especificamente a favela de Paraisópolis? Como ela te seduziu?

Joe Thomas - Ela absolutamente não me seduziu. Eu morava ao lado, no Morumbi, e ia lá tarde da noite algumas vezes para beber com amigos que conheciam pessoas de lá. Também costumava pegar um atalho pela favela no meu caminho para o trabalho quando o trânsito estava pesado.

O que a favela significa para você?

Me disseram várias vezes que 99% das pessoas que vivem nas favelas são trabalhadoras, honestas e pobres. E parece ser um lugar onde a exploração pode acontecer, mas também onde cidadãos bem-intencionados podem ajudar qualquer um. As duas primeiras cenas do romance captam, eu espero, algo disso, com as perguntas que surgem quando um garoto rico visita a favela. Eu me inspirei em experiências que eu tive conversando com "playboys" e em um incidente em particular, quando um jovem que conheci morreu tragicamente em um acidente de carro.

A favela é um lugar-comum no olhar do estrangeiro sobre o Brasil. Como lidar com críticas nesse sentido?

Eu entendo que essa é uma questão delicada. Espero ter mostrado muito mais de São Paulo no livro, mas também que as favelas fazem parte da cidade, uma parte que pode ser esquecida por aqueles que estão no poder, com moradores que muitas vezes são privados de direitos. Os europeus têm fetiche pelas favelas até certo ponto, já que não vemos nada parecido com elas aqui. Fisicamente, pelo menos.

Espero que minha representação mostre que, embora existam pontos críticos de violência, ali estão comunidades baseadas em trabalho árduo e valores compartilhados. No romance, eu exploro o Cingapura [projeto malsucedido de verticalização de favelas implantado em São Paulo nos anos 1990] e a corrupção da indústria da construção civil. Eu me interessado por esse lado político da cidade e na ideia de que, para a elite, as favelas e seus moradores podem ser apagados.

Você escreveu em um artigo no “Guardian” que São Paulo faz Londres parecer uma vila. O que quis dizer?

Eu me referia à vida cotidiana. Ir para o trabalho, sair do trabalho, ir ao supermercado, jogar tênis (para mim), praticar esportes, ir ao teatro, shows, galerias. Londres é uma cidade incrível eu nasci e cresci em Hackney, e passei um ano em Nova York, mas o ritmo e a emoção de São Paulo é incomparável.

No mesmo texto, você recomenda o sofisticado restaurante Figueira Rubaiyat, mas, ao mesmo tempo, lembra que o personagem do seu livro está sempre com um pastel na mão. Qual desses dois lados de São Paulo você prefere?

Eu gosto de ambos, mas só até certo ponto. É por isso que eu amo a cidade. Mas eu prefiro um pastel e uma cerveja.