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Valesca já queimou pênis de assediador: as histórias do livro da funkeira

Leonardo Rodrigues

Do UOL, em São Paulo

31/08/2016 06h00

Ela foi figurante na Globo. Foi atacada por uma chuva de latinhas no palco e teve a roupa arrancada por fãs. Também já se fingiu de moradora do Complexo do Alemão só para conhecer o ex-presidente Lula e não teve dúvidas na hora de apertar uma chapinha ardente no pênis de um assediador que invadiu seu camarim. Hoje, não bastasse tudo isso, Valesca Popozuda virou escritora.

Seu primeiro livro, “Sou Dessas – Pronta pro Combate”, foi lançado esta semana em uma concorrida sessão de autógrafos na Bienal de São Paulo. Redigido em primeira pessoa por Valesca, que dispensou a figura do “ghost-writer", a obra traz relatos pessoais e de bastidores do submundo do showbiz funkeiro. Mas o formato autobiografia, ela frisa, não cabe aqui. Está mais para uma coleção de conselhos vida para os “popofãs”.

“Esse livro é uma autoajuda para aquelas mulheres e todas as pessoas que sofrem preconceito, racismo, abusos e até estupro. É uma maneira de conversar com as pessoas mostrando o que eu penso. Tento mostrar que, para tudo, basta você querer”, diz Valesca ao UOL, que não utiliza o apelido Popozuda no livro. “Mas é só porque não coube na capa mesmo.”

Capa do livro "Sou Dessas: Pronta para o Combate" (Record), de Valesca - Reprodução - Reprodução
Capa de "Sou Dessas" (Ed. Best Seller)
Imagem: Reprodução

A foto da capa traz Valesca reproduzindo a clássica propaganda de guerra americana que virou um ícone do feminismo. Abraçar essa causa, segundo relata no livro, era uma ideia que inicialmente a assustava, mas que agora parece fazer sentido, ainda que não defenda todas as pautas do movimento, como o aborto.

“Comecei a cantar falando sobre o que acontece com a mulher, e elas começaram a se identificar. Então me intitularam de feminista. Achei ótimo, porque sempre fui e serei assim. A mulher tem que lutar pela mulher, jamais contra”, brada Valesca, fã do best-seller americano “A Menina que Roubava Livros” e, agora, da sensação de virar autora.

“Eu já fiquei muito emocionada quando recebi o livro na minha casa e abri a caixa. Um prazer incrível. Na Bienal também. Todo mundo gritava meu nome e dava tchau por onde eu passava. Fico muito grata. Eu me senti a mulher mais realizada do mundo naquele dia.”

Veja a seguir cinco histórias reais de perrengues e polêmicas narradas pela escritora Valesca Popozuda.

Relacionamento abusivo aos 17 anos

Valesca antes da fama - Reprodução - Reprodução
Valesca antes da fama
Imagem: Reprodução

“Convivi com ele por um ano e alguns meses (...) Como eu era novinha, acreditava que o ciúme era normal, que era um jeitinho fofo de mostrar que me amava. Nunca enxerguei problema nisso. Até que o ciúme foi aumentando e ele me proibiu de ter amigos homens (...)

A gota d’água aconteceu em uma festa. Eu estava me divertindo muito e dançando bem próximo dele quando um rapaz se aproximou de mim e, sem que eu visse, pegou no meu cabelo. Pronto.

Meu namorado foi dominado pela fúria e saiu me arrastando pelo braço na frente de todo mundo. Eu tentava me desvencilhar, mas ele, por ser bem mais forte, me arrastou até o canto e disse que eu estava me oferecendo para todo mundo. Nós discutimos e eu disse que não aguentava mais.

Quando cheguei em casa e fui arrumar minhas coisas, ele gritava e batia na porta, dizendo que dali eu não sairia. Se eu insistisse na ideia, sairia dali morta.

Fiquei gelada, acuada pela situação, que acabava de chegar a um ponto insuportável e incontrolável (...) Então, pensei muito e tomei uma decisão: um dia esperei ele sair para trabalhar e fugi para a casa de uma conhecida.”

Alvo de latas do público

“Eu me virei para o público, totalmente insegura, e comecei a cantar um sucesso da época chamado ‘Descontroladas’. Era um funk light que estava bombando nas rádios. Quando comecei a cantar, talvez pelo meu nervosismo, algumas pessoas se irritaram e jogaram latas na gente. Outras não... Foram muitas latadas enquanto os caras gritavam ‘dança aí!'.

Fiquei apavorada. Eu só queria sair correndo e abandonar tudo, mas, como eu tinha a dona Regina Célia como exemplo, pensei em toda a sua luta e garra e me conscientizei de que não havia nada melhor para me fazer seguir adiante do que um desafio como aquele.

Então, firmei meu pensamento no sucesso e comecei a cantar um funk proibidão, aqueles cheios de palavrões, um que eu mesma havia escrito, que se chamava ‘Vai Mamada’. Eu nunca havia pensado em cantar aquele funk em público, porque a letra era forte, mas o público começou a reagir de maneira positiva. Para minha total surpresa, a plateia mudou de comportamento.

Os machões começaram a curtir e a mulherada descia até o chão. Naquele momento, olhei para as meninas do grupo, que dançavam e diziam: “É isso aí!”, e para o Pardal, que gritava: ‘Você é foda!’”

Se fingindo de moradora do Alemão para conhecer Lula

Valesca em encontro com Lula em 2008   - Wallace Barbosa/AgNews - Wallace Barbosa/AgNews
Valesca encontra Lula em 2008, após se fingir de moradora para furar cerco
Imagem: Wallace Barbosa/AgNews

"Teve uma vez, por exemplo, que soubemos que o então presidente Lula e o governador do Rio, Sérgio Cabral, estariam no Complexo do Alemão. Enxergamos aquele acontecimento como uma oportunidade de fazer o funk ser notado e ganhar uma mídia ampla (...)  

Eu morava em Irajá, mas sempre frequentei o Complexo. Tinha muitas amigas lá, e foi através de uma dessas amigas que consegui me infiltrar na comunidade no dia anterior ao evento, me fazendo passar por moradora para ter livre acesso (...)

Neuroses à parte, fiquei dentro da casa da minha amiga, que era bem perto do palco. Assim que o presidente e o governador subiram, eu entrei e fiz aquela performance, deixei todos sem ação e me declarei para os dois, que me deram a maior atenção (...)

O presidente babou quando me viu e o governador não sabia para onde olhar, mas ambos me trataram super-bem. Eu tive o meu momento de fama, que resultou em uma mídia espetacular e, consequentemente, em um convite para fazer a capa da Playboy. Depois disso, fui procurada por programas de TV, rádios e jornais e acabei criando o “Funk do Lula”, que na época gerou o maior rebuliço."

Ligando para fã que queria se matar

“Em 2013 recebi um e-mail de um rapaz com uma história parecida [de um jovem gay que, por não ser aceito na família, queria cometer suicídio].

Novamente a apreensão apertou o meu peito e não perdi tempo: liguei e, enquanto o telefone chamava, eu rezava e pedia a Deus que as coisas fossem diferentes daquela vez. Quando atenderam e tive certeza de que era ele, chorei de emoção.

Talvez ele nem tenha entendido o motivo do meu choro, mas naquelas duas poucas horas em que ficamos ao telefone eu consegui fazê-lo perceber que ele não era pior do que ninguém.

Embora não tivesse o apoio da família, ele tinha o apoio de muita gente que o amava. Graças a Deus, a história desse garoto teve um desfecho feliz. Por causa da nossa conversa, a mãe passou a acompanhá-lo de perto. Eu ligava toda semana para saber como ele estava e acabei criando um laço de amizade com uma pessoa que hoje em dia mora com o namorado e a mãe.”

Valesca com as dançarinas do grupo Gaiola das Popozudas  - JPLIMA/Divulgação - JPLIMA/Divulgação
Valesca com as dançarinas do grupo Gaiola das Popozudas
Imagem: JPLIMA/Divulgação

Queimando contratante

"Uma vez eu estava em um camarim improvisado e precisei fazer um babyliss no cabelo. Só tinha espelho na sala do diretor do clube, então peguei o meu nécessaire e fui sozinha até lá. Estava me arrumando, só de lingerie, sabe aquele momento em que você se descontrai e fica cantarolando? Pois aí a porta se abriu e eu me assustei. Era o contratante, o cara que tinha alugado o clube para fazer o show (...)

Daí o senhor muito escroto, que já tinha pra lá dos seus 60 anos, se atreveu a colocar o pênis pra fora da calça e me pedir para pegar no seu instrumento (de pequeno porte, por sinal). A fúria me invadiu, e rodei a baiana.

Não perdi mais tempo. Respirei bem fundo, sorri, olhei bem nos olhos dele e sensualmente me aproximei do canalha. Sussurrando, perguntei: ‘Você quer que eu pegue?’ E o babão respondeu: ‘Adoraria!’ Ah, pra quê? Encostei o babyliss quentíssimo no pau dele. O idiota começou a gritar ‘Você me queimou! Você me queimou!’ (...)"

De uma coisa eu sei: deve ter sido a foda mais quente e marcante que ele já deu na vida. Para ele, sou uma mulher inesquecível.”