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Preso com 108 pés de maconha, jornalista transforma história em romance

O jornalista e tradutor Gustavo Grossi - Divulgação/Arquivo Pessoal
O jornalista e tradutor Gustavo Grossi Imagem: Divulgação/Arquivo Pessoal

Leonardo Rodrigues

Do UOL, em São Paulo

06/05/2016 06h00

O dia 21 de setembro de 2010 começou quente para o jornalista e tradutor Gustavo Grossi, à época com 33 anos. Após a polícia invadir a cobertura em que vivia com o pai no bairro carioca do Recreio, ambos acabaram presos em flagrante por tráfico de drogas. No local, brotavam 108 saudáveis pés de maconha, utilizados para consumo próprio.

Foram três meses encarcerados no presídio Bangu 8 até conseguirem marcar um julgamento, no qual foram inocentados da acusação. Insólita, a história ganhou repercussão nacional e agora pode ser lida em detalhes no romance “Jardim em Chamas”, recém-lançado por Grossi via editora portuguesa Chiado.

“Não optei por lançar fora. Fui procurando editoras no Brasil, com Rocco, Record, mas o livro foi sistematicamente negado”, disse ao UOL o jornalista. O país europeu foi um dos pioneiros na descriminalização de qualquer tipo de droga, ainda em 2001. “Na Europa, é tudo mais direto e com menos burocracia. Eles querem é ganhar dinheiro.”

Inspirado em distópicas clássicas como “Admirável Mundo Novo” e “1984”, o livro é escrito parte em relato, parte em tom de desabafo: “50% é verídico, e 50% é ficção”, revela Gustavo. "Escrevi assim porque há muitos livros sobre a cannabis focados na realidade, que já é muita dura por si só. As pessoas gostam desse formato. Tem um apelo maior.”

Capa do romance "Jardim em Chamas" - Divulgação - Divulgação
Capa do romance "Jardim em Chamas"
Imagem: Divulgação

No livro, os personagens/ater egos são Togz (Gustavo) e Frankz (o pai, o engenheiro Francisco Grossi), que vão da “emboscada” até o tribunal. Em mais de 500 páginas, além das passagens na prisão de segurança máxima “Xangu X”, chama a atenção o momento em que Gustavo e o pai são enquadrados pela polícia. O texto relata agressão física e ameaça de tortura por parte de um policial munido de uma raquete de frescobol.

“Isso é verdade. Eles ficaram batendo na porta, e a gente demorou a responder. Achamos que era o porteiro. Quando começaram a gritar que era a polícia, deixamos entrar, franqueando a entrada deles. Quando entraram, vieram com pistolas engatilhadas nas nossas cabeças. Até fiquei tonto”.

A tese central de “Jardim em Chamas”, referência ao fatídico destino da plantação, é categórica. A chamada "guerras às drogas" seria inútil e fruto de relações espúrias entre Estado, capitalismo e os meios de comunicação. Na opinião do autor, trata-se de um combate quixotesco e que estoura sempre sobre o elo mais frágil: o adolescente pobre que começa a se envolver no tráfico.

“Sou a favor da descriminalização de todas as drogas, não só para uso medicinal. Gastamos um dinheiro enorme armando a polícia de forma militar. Enquanto os barões da droga continuam lindos, leves e soltos e moleque com cinco, três ‘mutucas’, é preso e fica cinco anos num bueiro”, afirma o jornalista.

Imagem de plantação de Gustavo Grossi, autor de "Jardim em Chamas" - Divulgação/Arquivo Pessoal - Divulgação/Arquivo Pessoal
Imagem de plantação de Gustavo Grossi, autor de "Jardim em Chamas"
Imagem: Divulgação/Arquivo Pessoal

Mudança na legislação

Inocentados no tribunal, Gustavo e Francisco ainda tiveram de pagar 12 cestas básicas ao Inca (Instituto Nacional do Câncer) no Rio, por serem usuários da droga. Desde 2006, consumir entorpecentes não é mais passível de prisão no Brasil. Foi nessa época, motivado pela nova legislação, que Gustavo e o pai começaram a plantar e soltar suas bolinhas no recanto do lar.

O avanço no debate da questão, no entanto, ainda tira o sono do jornalista, que faz da liberação uma bandeira pessoal. Inclusive para eventuais novos projetos. “Acho que a gente precisaria se ater à sociologia, à antropologia e à ciência política para comprovar cientificamente que esse modelo de combate às drogas não está funcionando para ninguém”, desabafa Grossi, que perdeu o pai na semana passada, vítima de câncer no intestino.

Segundo Gustavo, Francisco, que participou do processo de leitura e revisão de "Jardim em Chamas", não só compartilhava, mas era um grande incentivador de seus ideais. “É uma questão de a gente saber se unir. Sei que é quase impossível, ainda mais nesse momento político. Mas tínhamos que chegar a um consenso debatendo os argumentos prós e contra a descriminalização. Desse jeito, vamos ficar batendo a cabeça na parede sem chegar a lugar nenhum.”