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Reconhecimento no exterior dá nova vida à obra de Clarice Lispector

A escritora Clarice Lispector - Folhapress
A escritora Clarice Lispector Imagem: Folhapress

Rodrigo Casarin

Colaboração para o UOL, em São Paulo

23/04/2016 07h00

Há 12 anos, depois de Clarice Lispector ser homenageada pela Flip, o escritor e historiador norte-americano Benjamin Moser começou a se interessar pela vida e pela obra da autora de “A Hora da Estrela”. Primeiro debruçou-se sobre sua existência para escrever sua biografia “Clarice”, publicada tanto no Brasil quanto no exterior e que começou a chamar atenção de seu nome para leitores estrangeiros.

Mas o trabalho de Moser ainda não tinha se encerrado. Precisava levar a prosa da biografada àqueles que não dominam o português. Imergiu, então, nos textos breves de Lispector e organizou a coletânea “Todos os Contos”, apontada pelo jornal "The New York Times" como um dos melhores livros lançados em 2015 nos Estados Unidos. Assim, Clarice começa, de fato, a ser reconhecida internacionalmente como o grande nome da literatura que é.

“Quando publiquei minha biografia, Clarice era totalmente desconhecida fora do Brasil, a não ser em alguns meios universitários especializados. A minha ambição era mudar este panorama e colocá-la entre os grandes escritores modernos, lida por um grande público, e agora, depois da biografia e desse projeto de tradução dos seus contos para o inglês, vem aparecendo cada dia mais traduções no mundo inteiro”, diz Moser, um dos convidados da Flip deste ano, onde falará sobre a trajetória que começou na própria Festa há mais de uma década.

Como aponta Moser, outros trabalhos e traduções começam a aparecer em países como Alemanha, Itália e Holanda. E nos Estados Unidos não foi apenas o "The New York Times" que reconheceu a qualidade de “Todos os Contos”, obra que está para sair no Brasil pela Rocco. Clarice foi a primeira brasileira a ser capa da revista “New York Review of Books”, o “Wall Street Journal" a comparou a Virginia Woolf e, em Nova York, criou-se a Clarice Week, uma semana com diversos eventos em homenagens à autora.

Capa do livro "Todos os Contos", coletânea da obra de Clarice Lispector - Divulgação - Divulgação
Capa do livro "Todos os Contos", coletânea da obra de Clarice Lispector
Imagem: Divulgação

Ao falar sobre a coletânea, Moser diz que ela também revela uma Clarice que poucos podiam ou conseguiam enxergar: a escritora em toda sua trajetória. “Vemos em um só livro a menina genial esboçando seus primeiros contos a partir dos 19 anos, e também vemos a grande escritora que Clarice se tornou no final de sua vida, com os últimos contos, ainda incompletos”. Segundo o historiador, entre esses dois extremos da existência da autora é possível perceber como ela encarava distintos momentos do universo ao seu redor.

Após todos esses anos se debruçado sobre a obra de Clarice, Moser disse ter se surpreendido quando descobriu algo inédito. “Enquanto estava trabalhando no volume dos contos, pensei: será que cabe mais alguma coisa para dizer sobre ela? Já vão mais de 12 anos de trabalho neste projeto e às vezes fico pensando: já falei tudo. Mas descobri uma coisa importantíssima quando estava reunindo os contos: ela é a primeira mulher na história --não no Brasil, mas em qualquer país do mundo-- que escreve durante toda a sua vida sobre a vida de uma mulher. É a descoberta que descrevo no prefácio do livro. E isso é uma constatação histórica. Na obra da Clarice, no que ela nos faz entrever da vida, da morte e de Deus, tem descobertas incontáveis”.

Síndrome de vira-lata?

Ainda sobre “Todos os Contos”, Moser garante que “todos que o leram nos Estados Unidos e na Inglaterra ficaram deslumbrados, e para os brasileiros, até para quem conhece Clarice bastante, este livro é simplesmente um presente”.

E esse presente deverá fazer com que o nome da autora –que já passou a estar mais em evidência depois de sua biografia– ganhe ainda mais força por aqui após a publicação da coletânea. Seria mais uma prova da eterna síndrome nacional do vira-lata, a necessidade que o brasileiro tem de que alguém dos Estados Unidos ou na Europa reconheça que há algo de bom aqui para somente depois, de fato, valorizá-lo?

Moser acredita que sim, mas lembra que o Brasil não é o único a padecer desse mal. “O tango só foi valorizado em Buenos Aires depois de fazer sucesso em Paris. Então, acho natural, de certa forma: quando uma pessoa fica famosa internacionalmente os conterrâneos vão olhar novamente para ela. Fico feliz em ter contribuído ao renome dela no país, mas do outro lado, Clarice sempre foi muito amada no Brasil. Mesmo assim, é preciso muito trabalho para manter viva até a mais ilustre obra”.