Juca Ferreira critica "criminalização" da Lei Rouanet: "Não tem privilégio"
O ministro da Cultura, Juca Ferreira, criticou o que chama de tentativas de criminalizar o uso da Lei Rouanet, manifestadas em ataques verbais a artistas que, recentemente, se declararam contra o impeachment da presidente Dilma, como Letícia Sabatella, Anna Muylaert e Chico Buarque.
Em entrevista ao UOL, Ferreira diz que nunca houve conotação política na Lei Rouanet, e mencionou o caso do produtor Claudio Botelho (que atacou o governo federal durante apresentação em Belo Horizonte), um dos grandes captadores de incentivo – mais de R$ 30 milhões, segundo o ministro.
"Os conservadores captam muito mais que as pessoas engajadas. Os mais militantes, emergentes, não são os maiores captadores", afirma, lembrando ainda episódio em que a atriz Cristiane Torloni teria chamado o ex-ministro Gilberto Gil de canalha e, um mês depois, teve aprovado um vultoso projeto na Lei Rouanet.
"Não tem privilégio. Se o cara apoia o governo, tem acesso; se não apoia, tem acesso. O Botelho, é um grande captador. O Itaú Cultural é um grande captador, as fundações da Rede Globo são grandes captadoras. E a gente não questiona. O modelo de avaliação dos projetos é para que seja respeitado o espírito republicano", defende.
UOL - A decisão do TCU (Tribunal de Contas da União) de proibir a Lei Rouanet de aprovar projetos com grande probabilidade de lucro criou uma expectativa...
Juca Ferreira - Criou uma dificuldade. Como você vai definir o que tem potencial econômico e de captação? Na indústria cinematográfica americana, que talvez seja a economia cultural mais desenvolvida, não chega a 20% o total de filmes que bombam, e os que se pagam não chegam à metade. Mesmo lá, que tem toda uma estrutura, institutos de pesquisas etc., eles não conseguem ter esse nível de precisão, então como é que nós vamos ter? Eu digo que se criou uma dificuldade porque a decisão induz a uma gestão subjetiva, que é a coisa mais execrável na administração pública, quando você não tem regras objetivas para gerir o processo. Involuntariamente, acaba dando em injustiças, porque as avaliações vão ser precárias. O que salva é que o projeto do Procultura já vai para o Senado. Foi aprovado na Câmara, modificaram algumas coisas, criando uma certa confusão. Mas nós falamos com o relator e o projeto está muito bom.
Está pronto para ser votado?
Sim. E já vai entrar na dinâmica do Senado. As comissões estão trabalhando conjuntamente. É unânime, todo mundo quer. Isso acontece porque caiu a ficha para a grande maioria dos artistas e produtores culturais que a Lei Rouanet é imperfeita e precisa ser modernizada. Nós estamos discutindo isso há dez anos, o projeto passou por avaliação direta de mais de 100 mil pessoas nesses dez anos. A gente assimilou tudo de interessante. No fundamental, tem a renúncia fiscal, mas agora não mais como mecanismo principal. E o projeto cria várias modalidades de colaboração, para que não seja somente o dinheiro gerado pela renúncia. Tem até co-produção, cria vários mecanismos viáveis. A Lei Rouanet também tinha, mas somente um funcionava. E o Procultura não tem nenhum preconceito contra o grande artista que move uma indústria cultural, nem contra o médio, nem contra o pequeno. É uma lei muito generosa e um passo adiante.
Em entrevista ao UOL, o diretor do Itaú Cultural, Eduardo Saron, propôs um novo debate, a substituição do Ministério da Cultura...
A essa altura, tenho um certo cansaço dos debates. A proposta dele de transferir o Ministério da Cultura para uma agência é um escândalo.
Por quê?
Porque você reduz tudo a repasse de recursos, a financiamento, quando na verdade o Estado tem uma responsabilidade ampla.
Mas a Agência Nacional de Cinema também faz política cultural, não?
Mas a Ancine é um "delta X" do sistema MinC. A gente cuida do patrimônio, dos museus, de estimular a parte da cultura que não é economicamente viável e nunca será lucrativa. A gente cuida de uma complexidade e tem agências também. Por exemplo: estamos de acordo com a ideia de se criar uma Agência Nacional de Música. Mas transformar o MinC em uma agência não é nem neoliberalismo, porque nos países onde o neoliberalismo predominou os institutos continuam funcionando, os centros culturais públicos continuam funcionando. A parte do incentivo é um aspecto de um todo. Eu acho que foi impensada essa proposta. O Saron é um cara inteligente, eu guardo uma certa expectativa que ele tenha se expressado mal.
Pelo que entendi, a proposta dele parte da ideia de que o MinC vive à míngua, com recursos contingenciados ano sim ano sim...
É o Brasil, é isso mesmo. Quanto você tem um problema, a solução não é mimetizar a avestruz, que mete a cabeça num buraco no chão e não quer saber do problema. Tem que enfrentar. No governo do presidente Lula, nós chegamos a mais de 1% do orçamento da República, coisa de R$ 1,3 bilhão. É o problema do Brasil, de um País que ainda não compreendeu que não é um entreposto comercial e que não há qualquer possibilidade de ser bem-sucedido no século 21 se não investir em educação e cultura e deixá-los ao acesso de todos, tanto para quem maneja a economia quanto as novas tecnologias. Para que essas pessoas compreendam o mundo, que se tornem cidadãos exemplares, que aprendam a convivência com o outro, o diferente, a importância da democracia. Tudo isso exige base cultural, não dá para um país da importância do Brasil funcionar só com a perspectiva de entreposto comercial. Não dá para transformar a cultura num agenciamento de iniciativas privadas.
O momento político não parece muito propício a esse debate, não?
Sim e não. São Paulo e Rio de Janeiro hoje estão com um posicionamento muito contrário ao governo. Mas se você vai no Nordeste é diferente. Não apenas as instituições, mas também os governantes, estão defendendo a democracia. Nesses dez anos, a gente acumulou conhecimentos. Os estados que não têm acesso à lei de incentivo querem ter; os produtores e os artistas querem ter. Porque a concentração é escandalosa, e todo mundo quer mudar. E quem vai aprovar a nova lei é o Senado, que é uma casa que representa a federação. Um dos piores aspectos da Lei Rouanet é justamente não ser capaz de atender ao conjunto da federação.
Mas o governo, nesse momento de recomposição da base política, tem força para aprovar uma lei?
A cultura corre um pouco por fora, a base da cultura é mais ampla do que a da política. Na democracia, a política é o exercício do dissenso e tem uma base consensual. A escala de tempo da cultura é outra, a temática não se dá necessariamente pelo dissenso, é outra complexidade. Isso não está afetado, o Brasil não está vivendo uma guerra da secessão, pelo contrário. Todos se sentem brasileiros dentro dessa diversidade, querem que o Brasil cresça, que progrida, que tenha um ambiente melhor. É claro que, se o ambiente parlamentar estiver um inferno, isso afeta, porque no inferno é queimar a tudo e a todos. Mas eu tenho ido ao Congresso e tenho sido bem recebido, porque o MinC é republicano. Desde 2003 a gente tem demonstrado respeito pela complexidade cultural brasileira, pelas diferenças. Lá não há nenhum privilégio. Isso foi uma coisa que surgiu aí nessa disputa política, uma tentativa de criminalizar a Lei Rouanet pelo lado que ela é correta. Não tem privilégio. Se o cara apoia o governo, tem acesso; se não apoia, tem acesso. Aquele cara que criou a maior confusão em Belo Horizonte, o Botelho, é um grande captador. O Itaú Cultural é um grande captador, as fundações da Rede Globo são grandes captadoras. E a gente não questiona, o modelo de avaliação dos projetos é para que seja respeitado o espírito republicano.
A saída do senador Walter Pinheiro do PT, na Bahia, colocou o sr. dentro da disputa da prefeitura de Salvador, não?
Colocou. Ainda é uma escolha que virá, mas agora é evidente que meu nome tem uma certa importância. Mas eu só irei com o consentimento da presidenta, para que o Ministério da Cultura seja preservado dentro desse processo evolutivo. Eu jamais colaboraria para uma segunda desestruturação do ministério. A primeira eu não colaborei.
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