Com 180 mil pessoas, Festival de Curitiba chega perto dos Rolling Stones
O 25º Festival de Teatro de Curitiba termina neste domingo (3) após 13 dias de 350 espetáculos em 65 espaços da capital paranaense. Segundo a organização, 180 mil pessoas assistiram às peças apresentadas na Mostra Oficial e no Fringe, a mostra paralela. O número faz do evento o maior do Brasil nas artes cênicas.
Apesar de 10% menor do que o público de 2015, de 200 mil pessoas, o público de 2016, de 180 mil, corresponde, por exemplo, a 78% do público que teve a recente turnê da banda inglesa The Rolling Stones no Brasil, que levou cerca de 230 mil pessoas aos shows no Rio, São Paulo e Porto Alegre em fevereiro último.
Em tempos de crise política e econômica no Brasil, Leandro Knopfholz, idealizador e diretor geral do Festival de Curitiba, comemora o resultado de 2016 em entrevista ao UOL.
“O teatro é guerrilheiro e sobrevivente. É coletivo, feito de gente, de encontro. Curitiba abraça o Festival, ele envolve a cidade. Por isso, considero este número de 180 mil pessoas um exemplo da resistência do teatro, sobretudo em época de crise”, afirma Knopfholz.
Ele lembra que, em tempos de vacas magras, “o teatro é o primeiro da lista de cortes para muita gente, que ainda mantém o cineminha e o jantar fora”. Por isso, considera “um fenômeno 180 mil pessoas irem ao teatro neste ano tão difícil para todos”.
Mais experimental
Com muitas peças já vistas no eixo Rio-São Paulo e com grande número de peças experimentais, o evento “chamou a atenção das pessoas pelo teatro em si”, na opinião de Knopfholz: “Acreditamos em propostas e ideias, essa é nossa essência. O principal em 2016 foi o próprio teatro. E o Festival de Curitiba catapulta artistas, reverbera”.
Neste ano, Curitiba deu uma guinada em sua curadoria, com a entrada de Marcio Abreu e Guilherme Weber, que selecionaram maior quantidade de espetáculos experimentais e performativos, que marcaram esta edição.
“Saímos do palco mais tradicional e fomos mais perto da plateia, em encontros mais íntimos e informais. E o público se envolveu”, define Knopfholz.
Artistas performáticos
O público curitibano viu coisas impactantes, como artistas se mordendo ferozmente no palco em “Mordedores”, de Marcela Levi e Lucía Russo, ou batuqueiros nus em ritmo percussivo em “Batucada”, de Marcelo Evelin.
Ainda houve espaço para o transe “desbundado” de André Masseno em “O Confete da Índia”, com direito a nudez, urina, cuspidas sob a trilha de “Índia” na voz de Gal Costa.
Artistas também expuseram seus dramas no palco, caso de Paulo Betti, contando sua vida em “Autobiografia Autorizada”, Mateus Nachtergaele, reencontrando sua mãe que morreu quando ele era bebê em “Processo de Conscerto do Desejo”, e Álamo Facó, expondo a relação materna em “Mamãe”.
A ousadia do espetáculo cearense “Quem Tem Medo de Travesti” discutiu a sexualidade no palco sob direção de Jezebel De Carli e Silvero Pereira, assim como “Orgía ou de Como os Corpos Podem Substituir as Ideias”, que levou para a praça Osório as aventuras sexuais do escritor argentino Tulio Carella com o Teatro Kunyn, de São Paulo.
Mas também houve espaço para montagens mais tradicionais, como o “Repertório Shakespeare” por Ron Daniels com Giulia Gam, Thiago Lacerda e Marco Antônio Pâmio, “O Bonde Chamado Desejo”, dirigida por Rafael Gomes e com a premiada Maria Luísa Mendonça como protagonista, e “Urinal, o Musical”, sucesso paulista que aportou na Ópera de Arame e conquistou o público com seu forte discurso político.
Destaques do Fringe
As mais de 312 peças do Fringe também buscaram seu lugar ao sol na disputa pelo público. E muitas conseguiram, caso de “O Açougueiro”, de Recife, que revelou o talento do ator Alexandre Guimarães, “Algumas Histórias”, peça-homenagem a Paulo José com o santista Bruno Fracchia, e “Hermanas Son las Tetas”, escrita e dirigida pelo argentino Juan Manuel Tellategui e com as atrizes potentes Liza Caetano e Lauanda Varone unidas à irreverência performáticas dos curitibanos Stéfano Belo, Simone Magalhães e Patricia Cipriano, da Selvática, em participações especiais.
Nas ruas, praças e terminais de ônibus, o público também ficou tocado com a sensibilidade de Márcia Costa na peça “Tempos de Cléo”, sob direção de Gabi Fregoneis, e se divertiu com Rafael Orsi de Melo e Rodolfo Lemos na peça catarinense “Homem Pedal”, sob direção de André Carreira, entre outras.
Curitibanos em foco
Outro sucesso da edição de 2016 foi a Curitiba Mostra, que uniu os grupos paranaenses Espaço Cênico, companhia brasileira de teatro, Selvática Ações Artísticas, CiaSenhas de Teatro, que homenagearam autores paranaenses nos espetáculos “Dalton Cabaré”, “A Cidade sem Mar”, “Pinheiros e Precipícios”, “O Bafo da Gralha” e “Paranã”, todos sucesso de público. “Mostramos a força do teatro de Curitiba”, define a atriz Giovana Soar.
A Curitiba Mostra ainda fez o ponto de encontro mais agitado do evento, o bar montado pelos artistas no Guairacá Cultural, na movimentada e charmosa Rua São Francisco, no centro curitibano.
“Esse sucesso mostra que o Festival é de Curitiba e para Curitiba também. Abraçamos a Curitiba Mostra e o retorno junto a o público foi enorme. Também destaco o projeto ‘Ilíadahomero’, que trouxe de volta à cidade a geração dos anos 1990, como Letícia Sabatella e Guta Stresser”, diz Knopfholz.
A diversidade ainda esteve presente na mostra de stand-up Risorama, na feira de comidas Gastronomix, no show de variedades Mish Mash, e nas peças infantis do Guritiba.
Segurança
Sobre a falta de segurança nas ruas curitibanas sentida por muitos dos 3.000 profissionais que participaram do evento, Knopfholz, que assim com outros artistas também foi vítima de assalto durante o Festival, diz que espera que os casos sensibilizem a Polícia Militar do Paraná a intensificar o policiamento na próxima edição. “Espero que na edição de 2017 Curitiba esteja mais segura”.
E lembra que o teatro e sua movimentação ajudam a reinventar o espaço urbano. “Veja o que aconteceu em São Paulo com a praça Roosevelt ou agora em Curitiba com a rua São Francisco. Quando tem a barbárie urbana, a arte é o melhor que existe para criar novas propostas de políticas urbanas”.
Espectador cativo do Festival desde a primeira edição, da qual foi uma espécie de padrinho, o arquiteto e urbanista Jaime Lerner, ex-prefeito de Curitiba e ex-governador do Paraná, diz que “o Festival de Curitiba é um patrimônio das artes no Brasil”.
Lerner lamenta que mais políticos não frequentem o teatro. “Político deveria frequentar o ambiente artístico como qualquer pessoa. Eu me lembro de quando o Festival começou, com o Leandro, ainda um adolescente de suspensórios, veio me procurar. Fico feliz que o Festival tenha crescido tanto e seja esta festa tão linda e importante para o teatro brasileiro”, conclui.
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