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Atores profissionais denunciam exploração no mercado publicitário

Atores registrados acusam agências de usar "pessoas reais" para baratear custos - Beatriz Toledo/Folha Imagem
Atores registrados acusam agências de usar "pessoas reais" para baratear custos Imagem: Beatriz Toledo/Folha Imagem

Miguel Arcanjo Prado

Colaboração para o UOL, em São Paulo

21/03/2016 19h06

"Grave um vídeo, tire uma selfie e envie tudo por e-mail." Assim tem sido a busca de algumas agências por candidatos para estrelarem filmes publicitários, segundo denúncia da classe artística. Os profissionais reclamam que as agências estão buscando cada vez mais "pessoas reais" e substituindo os atores registrados com DRT (sigla de Delegacia Regional do Trabalho) numa tentativa de baratear os custos.

Um ator entrevistado pelo UOL, que não quis se identificar por medo de represália, disse que a prática de gravação dos próprios testes existe para que as agências não lhes pague o cachê-teste, como exige o acordo entre representantes de artistas, técnicos e produtoras, atualmente no valor de R$ 80 por teste.

Outra reclamação é sobre o prolongamento de contratos de trabalho, que geralmente são de até um ano. Segundo o ator, muitas vezes os contratos são prolongados para dois anos, possibilitando o anunciante de utilizar o mesmo filme publicitário por mais tempo sem que o ator receba adicional pela utilização de sua imagem e ainda impedindo o profissional de realizar novos trabalhos para produtos concorrentes.

Prática ilegal e imoral

Um grupo de atores procurou o Sated-SP (Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões no Estado de São Paulo) para registrar as denúncias. Ligia de Paula, presidente do Sated-SP, disse ao UOL que o uso de "pessoas reais" no lugar de atores "é uma prática ilegal e imoral" e trata-se de "exercício ilegal da profissão de ator". "Até para alguém que não seja ator, dar um depoimento em filme publicitário precisa de autorização do Sated", afirmou.

Ela lembrou que as práticas denunciadas contrariam o acordado. "Foi feito um acordo no Fórum com todo o mercado publicitário. Fico espantada com esse desrespeito. Vamos notificar agências, empresas e até os anunciantes. Se for preciso, vamos à delegacia fazer boletim de ocorrência, porque tudo que estão fazendo é crime".

Para a presidente do Sated, os atores precisam se unir e denunciar as agências e produtoras que fizerem as propostas. "Precisamos de provas. Quero print dessas propostas e e-mails com estes pedidos, porque precisamos de nomes da agência e dos responsáveis para notificar todos eles e denunciar no Ministério do Trabalho e no Ministério Público. É preciso que os atores estejam para que tenhamos força".

Paula reiterou que os atores têm direito de receber o cachê-teste também pelos vídeos gravados em suas casas e enviados às agências. "Tem de ganhar da mesma forma, não importa onde o teste aconteça, a remuneração é obrigatória". Segundo ela, o contrato de trabalho precisa ser de um ano e, caso seja renovado, o ator tem direito a receber novamente e com o valor corrigido.

Procurado pela reportagem, o Sindcine (Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Cinematográfica e no Audiovisual) afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que seus profissionais também estão sofrendo com as recentes práticas do mercado publicitário.

De acordo com o órgão, seus trabalhadores são obrigados ainda a fazer jornada de trabalho de até 20 horas e é frequente os atrasos nos pagamentos. Para o Sindcine, os autotestes feitos pelos atores deixam de movimentar o trabalho de profissionais técnicos como câmera, roteirista, maquiadores, figurinistas, contrarregras, diretores, continuístas e assistentes, entre outros. "Nossos profissionais também estão no limite", disse em nota o Sindcine.

"Quero nomes"

Sonia Regina Piassa, diretora-executiva da Apro (Associação Brasileira da Produção de Obras Audiovisuais), negou que as produtoras filiadas no órgão peçam aos atores que gravem seus próprios testes e que a utilização de "pessoas reais" só acontece em "figuração ou para depoimentos".

Piassa disse que gostaria de ser informada caso alguma produtora filiada à Apro faça algum tipo de ilegalidade. "A Apro apoia todas as normas e que tudo seja feito na maior correção possível. Agora, não posso pedir DRT para 5.000 figurantes em uma cena de torcida de estádio de futebol".

Ela disse que não concorda com práticas ilegais. "Se alguém por aí está pedindo aos atores para gravarem seus próprios testes isso está muito errado. Eu quero nomes. Não podemos generalizar o mercado por quem faz práticas erradas".

Sobre o cachê-teste, disse: "Quando um ator chega num set, ele está usando o talento dele e toda capacidade criativa. Merece ser remunerado e receber o cachê combinado por sua presença. Agora, acho humilhante o ator precisar viver de cachê-teste para sobreviver".

Complexo de vira-latas

Segundo Piassa, é comum que produtoras de casting enviem atores fora do perfil combinado para os testes e que muitos profissionais vão por conta própria, sem terem sido confirmados, não se adequando ao que o anunciante busca e exigindo o cachê mesmo assim. "Nem todos os atores são bonzinhos, mas acho que esse movimento de lutar pelos direitos deles é legítimo".

Sobre os contratos de trabalho com mais de um ano, Piassa confirmou que isso ocorre, mas disse que trata-se de uma livre negociação entre agência e ator, na qual não pode interferir. "O ator pode ou não aceitar a proposta e exigir ganhar mais por um contrato mais longo".

"Falta a mentalidade de ver a publicidade não como gasto, mas como investimento", disse Piassa. "Nos Estados Unidos, ninguém sai de casa para trabalhar se metade do cachê não for paga na hora. No Reino Unido, esse valor é de 60%. Aqui no Brasil existe essa prática de se pagar muito tempo depois. Por que temos de aceitar isso? Não tenho complexo de vira-latas e acho que temos de lutar, sim, para mudar esse cenário".