Espetáculos teatrais oferecem comida ao público em São Paulo
A saída para o teatro sempre foi uma boa desculpa para emendar, depois, uma ida a um restaurante. Só que, nos últimos tempos, é cada vez mais comum espetáculos em São Paulo que misturaram as duas coisas e oferecem comida a seus espectadores durante as encenações. Este é o caso de duas apresentações em cartaz na cidade: as peças "O Santo Dialético" e "Salamaleque".
Em "O Santo Dialético", que a Cia. Teatro do Incêndio estreou em fevereiro, o diretor Marcelo Marcus Fonseca cozinha pratos típicos brasileiros que dialogam com a montagem. A peça fala da perda da conexão com a ancestralidade em um ambiente caótico urbano, com inspiração na obra do antropólogo Darcy Ribeiro. "Comida é memória. Teatro é memória. Ambos são essenciais à vida", discursa o diretor.
Somando 170 minutos e feita em dois atos, a peça tem um intervalo de 25 minutos entre eles, chamado de "Marcelo Marcus Fonsecacozinha", no qual o público pode comer, se quiser. "A pessoa escolhe se quer comer ou não no intervalo e paga um valor pelo prato oferecido no dia, de acordo com o cardápio", explica.
Fonseca escolheu colocar a comida integrada à cena porque "a alimentação é um ato ritual". Ele lembra que, hoje em dia, a maioria das pessoas "engole porções de qualquer coisa" sem qualquer parcimônia. "O alimento é unidade com a natureza, com a terra, com os bichos", filosofa ele, que teve a ideia ao pensar em um "intervalo orgânico", que fosse "um momento de relaxamento dentro da peça, com o público podendo conversar, mas de certa forma ainda em cena".
No cardápio de "O Santo Dialético" estão "pratos brasileiros de herança negra ou indígena", como acarajé, feijoada e frango com polenta, entre outros. "É uma ideia mais de comunhão do que jantar em si", define Fonseca.
Gostosuras árabes
A mesma iniciativa está na peça "Salamaleque", em cartaz aos fins de semana no Instituto Cultural Capobianco, e que fala da troca de cartas de amor entre um casal sírio. Nela, o público é convidado a um pequeno banquete árabe com a atriz Valéria Arbex.
Ao fim do monólogo, os espectadores adentram a cozinha-cenário para degustar comidas e bebidas. O cardápio é árabe, assim como a temática da peça, tendo gostosuras como pão com azeite e zatar, hommus, coalhada seca, babaganush, água aromatizada e a goma árabe, a raha.
"Chamamos de ceia, onde compartilhamos as nossas memórias familiares vinculadas à comida, o que é comum a todos os povos", define a atriz.
Arbex conta que a ideia partiu da pesquisa de campo com imigrantes árabes. "Constatei que a comida é a principal resistência de costumes do imigrante. É sinônimo de afeto, não apenas um consumo fugaz", afirma. "Desde o início do processo soube que o cenário seria uma cozinha, que haveria comida e que o público participaria do encontro", afirma. Para a atriz, "os aromas, as cores e os sabores enaltecem a identidade árabe" da história que conta. E lembra: "O povo árabe adora receber".
Jantar orgânico
A performance, que tem relação antiga entre comida e a cena, também embarcou na onda de alimentar o público. A encenação "nomes", realizada em fevereiro, convidou o público para um jantar completo, com direito a entrada, prato principal e sobremesa na Oficina Cultural Oswald de Andrade, no bairro paulistano do Bom Retiro.
A história autobiográfica de um amor a três surgia entre a bebida e a comida na apresentação feita pelo coletivo artístico italiano Biloura Intercultural Theatre Collective dentro do projeto "Effimeria", que começou em 2015, em Piemonte, na Itália, fez parte da Ocupação Intercultural Biloura no espaço paulistano.
No jantar, com ingredientes orgânicos, foRAM servidos como entrada chapati com creme amargo de jiló e cream cheese com wasabi. De prato principal, ovos de codorna; chaufa vegetariana (arroz com abobrinha, cenoura, milho, cogumelos, cebola caramelizada e omelete). E, de sobremesa, maçã assada com açúcar e canela. Além de vinho para acompanhar, é claro.
Tiago Viudes Barboza, dramaturgo e performer brasileiro integrante do grupo italiano, diz que o jantar foi criado para expor a ideia de família presente na trupe. "Quando comemos na casa de uma família entendemos muitas coisas, coisas que não são ditas. Tínhamos o desejo que nossos convidados entendessem essas coisas", explica.
O grupo se inspirou no ritual de Páscoa judaico, o Pessach, "como uma forma de narrativa na qual a comida transita do amargo ao doce, conduzindo a narrativa também através do paladar". Barboza conta que o público entra na proposta.
"As expressões são muito positivas e geram um envolvimento muito grande no encontro. No final, normalmente não somos aplaudidos ou recebemos parabéns e tem sido muito precioso ouvir de nossos convidados: 'muito obrigado pelo jantar!', 'me senti em família' e vão embora", revela.
Para o artista, o teatro contemporâneo, "mais do que se reinventar, tem olhado muito para suas raízes", recuperando elementos "que foram perdidos no caminho", reinventando-os. "A comida proporciona uma das mais belas e eficientes formas de encontro entre as pessoas. O teatro tem muito a reaprender com estes encontros", conclui.
Serviço:
"O Santo Dialético", da Cia. Teatro do Incêndio
Quando: sáb., 20h; dom., 19h. 170 min. Até 17/4/2016
Onde: Teatro do Incêndio - rua Treze de Maio, 53, Bela Vista, São Paulo
Informações: 0/xx/11/2609-8561
Quanto: R$ 5 (preço único, apenas a peça; comida em um cardápio à parte)
Classificação indicativa: não recomendado para menores de 14 anos
"Salamaleque", da Cia. Teatral Damasco
Quando: sáb., 16h e 20h, dom., 16h. 60 min. Até 12/3/2016
Onde: Instituto Cutlural Capobianco - rua Álvaro de Carvalho, 97, Anhangabaú, São Paulo
Informações: 0/xx/11/3237-1187
Quanto: Grátis (distribuição uma hora antes)
Classificação indicativa: não recomendado para menores de 12 anos
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.