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Inspirado em Tim Maia, grupo de rap esotérico anuncia chegada de óvnis

O grupo de rap Filhos do Racional Superior - Divulgação
O grupo de rap Filhos do Racional Superior Imagem: Divulgação

Carlos Minuano

Colaboração para o UOL, em São Paulo

03/12/2015 07h00

Depois do samba-soul de Tim Maia, a batida rap é que entra na onda sideral da seita mais pop da música brasileira, a Cultura Racional. Com três anos de estrada, o grupo carioca Filhos do Racional Superior faz um hip-hop temperado com metais e uma pegada anos 70 cheia de suingue, assumidamente inspirada no som do saudoso síndico do Brasil. Mas o que chama mesmo a atenção são as letras: em vez de reclamar da polícia ou da dura realidade das quebradas, anunciam a chegada de discos voadores e alienígenas, cheios de mensagens cósmicas de transformação.

Foi na década de 1970 que Tim Maia abandonou tudo, inclusive as drogas, para seguir a doutrina da Cultura Racional após ler "Universo em Desencanto", composta por mais de 1.000 volumes. A seita já arrebanhou muita gente famosa, como Procópio Ferreira, Jackson do Pandeiro, Zé Ketty e Orlando Dias.

No caso do jornalista carioca Luiz Rodrigues, um dos criadores do grupo Filhos do Racional Superior, ele sequer pensava em uma carreira musical quando leu a "bíblia" da seita, criada no Rio de Janeiro em meados da década de 1930 pelo então umbandista Manoel Jacintho Coelho (1903-1991). Rodrigues decidiu, então, mergulhar fundo na história e colocou a sonoridade marginal das periferias a serviço de óvnis e campos magnéticos celestiais de esferas distantes.

A entrega do grupo à doutrina é total. Apesar dos três CDs lançados, não ganharam até hoje nenhum centavo pelo trabalho. "Desde o lançamento do nosso primeiro disco, distribuímos pessoalmente e gratuitamente mais de 9.000 cópias em divulgações que fazemos aos domingos com centenas de estudantes da Cultura Racional, sobretudo em São Paulo e no Rio", diz o rapper Luiz Rodrigues ao UOL. E ele garante que continuará assim, em nome da salvação da humanidade por meio da imunização racional. "Não cobramos e nunca cobraremos para divulgar a Cultura Racional. Esse é um trabalho voluntário de fraternidade e amor ao próximo".

Chama o síndico!

Os dois anos nos quais Tim Maia ficou na seita renderam duas obras antológicas, "Tim Maia Racional" volumes 1 e 2. O rapper conta que Tim é ainda a sua maior inspiração e, mesmo entre os seguidores da doutrina racional, apesar de o "síndico do Brasil" ter saído da seita chutando o balde, seguidores continuam gratos pelos serviços prestados pelo músico. "Ele continua sendo um grande divulgador da Cultura Racional", comenta Rodrigues. "O Tim Maia foi um grande artista, me motiva a fazer rap quando ouço aquele funk-soul com jeitão brasileiro".

Mas Tim não apenas saiu da seita. Segundo Nelson Motta descreve na biografia "Vale Tudo", ele botou fogo na roupa branca e, nu e furioso, gritou da janela em volume máximo que o mestre do grupo religioso era um "pilantra, tarado, que praticava baixo espiritismo". O rapper racional defende seu guru. "Somos mais de 1 milhão de estudantes de Cultura Racional no Brasil e no mundo, e a única pessoa que fez esse tipo de comentário em relação ao Sr. Manoel Jacintho Coelho foi ele", arremata.

Além de Tim Maia, Rodrigues busca inspiração diretamente no mundo do rap. "Gosto muito do Criolo, sobretudo o rap 'Duas de Cinco' e 'Convoque seu Buda'. Ele tem uma postura que admiro. Também ouço muito Racionais, Marechal, Marcelo D2, Black Alien e Thaíde e DJ Hum, com certeza são grandes referências". Outro ídolo, Chorão, do Charlie Brown, ganhou até homenagem após a morte, no rap "Salve Chorão".

O fundador do grupo Filhos do Racional Superior garante que o mundo do rap tem sido simpático com sua música, apesar de um aparente excesso de discos voadores e dos muitos campos magnéticos que povoam as letras. Segundo ele, a fase racional chegou ao hip-hop. "Respeito muito o rap como instrumento de transformação social, milhares de pessoas encontram um sentido maior para entender a vida através dele, e isso também me motiva a compor porque quero mostrar a todos que o sofrimento acabou."

Rodrigues diz que a música fala que os discos voadores virão trazer à humanidade uma lembrança de paz, concórdia e amor. "O ser humano vive perdido como um barco sem rumo, desconhecido de si mesmo e por isso comete crimes hediondos contra as leis naturais. Falamos deste amor maior, feito da essência pura, limpa e perfeita; da harmonia e concórdia que precisamos para viver em paz". A canção é uma das faixas do quarto CD, no qual o grupo está trabalhando.

Imunização

A viagem que culminou na cultura racional, segundo Rodrigues, começou durante uma fase atribulada de sua vida, há cerca de dez anos, quando, após a morte do pai, abandonou o trabalho em uma emissora de TV para fazer um documentário em Alto Paraíso, cidade hippie-esotérica em Goiás. Lá, ele conheceu o livro que acredita ter mudado sua vida --ele relata a saga com detalhes na canção "Quem és Tu", do primeiro CD, "Rap" (2012).

Mas a história da banda, segundo ele, começou em 2011. "Eu ouvi um rap do Marcão Racional, cantor de rap com longa carreira na cena paulista, sobre a Cultura Racional, e falei: 'Quero fazer rap também'". Desde então, o cancioneiro da banda já tem 34 músicas. "Estamos crescendo", comemora. Para o novo disco, pretendem fazer um mix de rap e rock. Também estão nos planos um disco acústico e um DVD, com uma seleção de músicas dos CDs anteriores. Tudo no padrão racional: independente e gratuito.

O ganha-pão, de acordo com Rodrigues, vem de um trabalho com audiovisual. E todos os outros membros da banda também trabalham em outras atividades. "Tem advogado, professor e por aí vai". O músico garante que não tem tempo ruim, porque está totalmente imunizado. "Já li todos os livros, e posso dizer que encontrei paz interior e equilíbrio".