Aos 50 anos de carreira, Beth Carvalho é homenageada com musical
Mais do que a biografia de uma de nossas maiores sambistas, uma deliciosa viagem pela história da música brasileira. Essa é a principal marca de “Andança – Beth Carvalho, o musical”, que iniciou, nessa quinta-feira (10), uma temporada que se estenderá até o dia 31 de janeiro no Teatro Maison de France, no Rio de Janeiro. Em suas mais de duas horas de duração, o espetáculo leva o público a conhecer, através da figura da cantora que comemora 50 anos de carreira, um vastíssimo repertório que foi trilha sonora de momentos fundamentais da história do samba e – por que não? - da política do país.
O espetáculo conta com um elenco de 23 atores e nove músicos e apresenta 60 números. E grande parte destas músicas não são do repertório de Beth, mas marcaram a sua vida e ajudaram a moldar seu estilo. O espetáculo apresenta pérolas de cantoras do rádio que encantaram a menina Beth, como Aracy de Almeida, Nora Ney, Emilinha Borba e Marlene, passa pela bossa nova de João Gilberto e desemboca em nomes como Maria Bethânia, Milton Nascimento e Clementina de Jesus, que com seu canto único e ancestral, fez Beth Carvalho se definir, de uma vez por todas, pelo samba.
A narrativa, ágil e leve, faz a costura entre estes momentos em um ritmo quase de videoclipe – méritos da direção de Ernesto Piccolo e do competente texto de Rômulo Rodrigues. As transições são rápidas e favorecidas pelo cenário minimalista, em que as cenas são alternadas rapidamente graças ao uso de pequenos adereços cenográficos. Em poucos segundos, o público é capaz de viajar da sala de estar do apartamento de classe média em que Beth foi criada, na Zona Sul carioca, e desembocar numa roda de samba na quadra do bloco Bafo da Onça. A parte musical, sob a batuta do maestro Rildo Hora, produtor de Beth há quatro décadas, defende o repertório com muita competência e entrosamento.
Um dos destaques é a atuação do trio que dá vida à Beth Carvalho em suas diferentes fases de vida. Jamilly Mariano interpreta, com muita doçura, a menina que sonhava em ser bailarina, mas que amava também cantar os sucessos do rádio ao lado de sua mãe, Nair. Stephanie Serrat, com grande presença de palco e um timbre de voz muito semelhante ao da homenageada, vive toda a fase da juventude e encarna a Beth Carvalho da fase dos festivais, quando arrebatou o Maracanãzinho interpretando “Andanças” e, logo depois, abraçou o samba. Eduarda Fadini encarna a cantora em sua fase mais madura com muita segurança e emociona com passagens relativas à vida pessoal de Beth, como a maternidade, os amores perdidos e os problemas de saúde que a cantora passou nos últimos anos.
Em uma das sequências mais emocionantes do espetáculo, as três atrizes cantam, em conjunto, “As Rosas Não Falam”, de Cartola, que Beth gravou sob o impacto da perda da mãe. O toque de humor fica por conta da personagem Isaura, interpretado por Ana Berttines, uma fã da cantora que, através de telefonemas para uma amiga, interage com as cenas e pontua com comentários momentos da carreira de Beth.
Como não poderia deixar de ser, o lado combativo de Beth Carvalho não foi deixado de lado. Esquerdista desde a infância, herdou a militância política do pai, João, que foi perseguido pelos militares após o golpe de 1964. Ao longo do espetáculo, são frequentes as referências às opiniões ideológicas de Beth e os momentos em que ela atuou decisivamente na vida política do país, como a campanha pelas eleições diretas, em 1984. Suas grandes paixões, o Botafogo e a Estação Primeira de Mangueira não poderiam ficar de fora. Muito menos o episódio ocorrido no Carnaval de 2007, quando a cantora, já com problemas na coluna, teve negado seu pedido de desfilar em um carro alegórico da verde e rosa.
Ao fim do espetáculo, fica a sensação de que uma sambista do quilate de Beth Carvalho recebe uma homenagem, ainda em vida, extremamente sensível e respeitosa, especialmente, à sua importância para a consolidação do samba como um produto fonográfico. Certamente, a história teria sido bem diferente se aquela jovem de Zona Sul não tivesse abandonado os festivais universitários, subido os morros e percorrido os subúrbios para beber na fonte dos grandes compositores. Talvez Cartola e Nelson Cavaquinho não tivessem eternizado clássicos tardios como “O mundo é um moinho” e “Folhas secas”. E a turma boa do Cacique de Ramos (Fundo de Quintal, Jorge Aragão, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, dentre outros) teria tido muito mais dificuldade para sair da sombra da tamarineira localizada na quadra do mítico bloco e conquistar as rádios de todo o país.
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