Centro vende quadros psicografados de Van Gogh e Picasso por até R$ 400
Comprar um quadro inédito de pintores como Van Gogh, Da Vinci e Picasso pode sair tão em conta quanto adquirir um pôster impresso de obras em papel couchê. Basta ter fé –ou querer realizar uma boa ação.
Com preços que vão de R$ 250 a R$ 400 —os "originais" podem sair por 87 mil vezes mais—, 15 obras psicografadas em sessões espíritas vêm sendo vendidas pelo centro Tenda dos Irmãos do Oriente, localizado no bairro de Botafogo, zona sul do Rio.
O propósito é nobre. Segundo a diretoria da instituição, os cerca de R$ 3.500 arrecadados até o momento serão revertidos para o Hospital Pedro de Alcântara, de Rio Comprido (RJ), que é mantido pela associação espírita Obreiros do Bem. Também ajudarão a custear parte de uma reforma no auditório do centro.
Realizadas recentemente pelo médium kardecista Giovanni D' Andrea, as sessões deram luz a quadros atribuídos a diversas escolas. Do impressionismo de Monet e Lautrec ao modernismo de Mondrian e Modigliani. Os brasileiros foram representados oir Di Cavalcanti e Tarsila do Amaral. Até Walt Disney chegou a dar as caras —ou os ectoplasmas.
Diferentemente de um processo tradicional de pintura, que pode durar meses dependendo da quantidade de correções, as reuniões geralmente são rápidas. No caso de D' Andrea, cada quadro costuma levar quatro, cinco minutos para ser feito.
Segundo o médium, tudo depende do ambiente, que precisa ser devidamente “energizado para a manipulação”, no jargão espírita. Sob olhares de centenas de espectadores, o médium entra, se concentra e, por instantes, incorpora traços, formas e até a assinatura do falecido.
Muitas vezes, o estilo é assustadoramente fiel. Em outras, nem tanto.
“Não se trata de inspiração. Eu fico igual uma marionete. Solto os braços, os pés. Segundo Kardec, o espírito pode até querer não se manifestar, mas, graças a Deus, nunca passei por essa vergonha”, diz Giovanni.
Com duas décadas de pinturas mediúnicas, Giovanni tem o hábito de usar tinta acrílica, não o tradicional óleo sobre tela. No caso do expressionista Paul Jackson Pollock, por exemplo, teve de respingá-la em uma tela no chão, exatamente como fazia o artista americano, que tornou conhecida a técnica criada pelo alemão Max Ernst.
“Nunca estudei arte na minha vida, mas sempre tive o hábito de rabiscar algumas coisas. A impressão que eu tinha era que os desenhos não passavam pelo meu cérebro. Era estranho. Quando descobri, fiquei uma semana perturbado.”
Popularizada nos anos 1980 no Brasil pelo psicólogo Luiz Antonio Gasparetto, a pintura mediúnica, ou psicopictografia, é promovida em vários centros do país. Segundo os centros, ela serve tanto para evocar a arte de gênios da pintura quando para manifestar desenhos atribuídos à vida de qualquer pessoa morta, além de servir como ferramenta de arteterapia.
Nem todos acreditam, claro. Mas o trabalho costuma ser respeitado pela classe artística —principalmente quando a finalidade é filantrópica.
“A falange dos pintores foi chefiada por Renoir. Ele se manifesta para praticar a caridade e despertar um interesse maior. Eles aparecem para mostrar a continuidade da nossa existência”, diz o diretor do centro Humberto Afonso.
O que diz a legislação
Conforme resguarda a lei de direito autoral (9.6010/98), o direito sobre a obra psicografada cabe apenas ao médium e não pode não ser transferido aos herdeiros do morto. Apenas nos casos de vendas com fins estritamente comerciais existe a recomendação de um consenso com a família.
“Isso começou com um caso famoso do Chico Xavier, nos anos 1940, sobre o escritor Humberto de Campos. Até aquele momento, não havia entendimento sobre o assunto. A família entrou na justiça para obter os direitos e acabou perdendo. Aquilo foi tomado como precedente”, diz a advogada Deborah Sztajnberg, especialista em direitos autorais.
Segundo Deborah, o único impeditivo legal ocorre quando a obra é comercializada sem o aviso de que se trata de um trabalho mediúnico, o que configuraria publicidade enganosa, prevista no artigo 3 do Código de Defesa do Consumidor.
Aval da família Mabe
Uma das três obras ainda à venda na Tenda dos Irmãos do Oriente, junto de uma de Pollock e outra do alemão Mondrian, é do nipo-brasileiro Manabu Abe (1924-1997). O UOL mostrou uma reprodução do quadro a uma representante do instituto do artista, que preferiu não se identificar.
Segundo ela, no entanto, a família respeita a prática. “Isso não prejudica o mercado de arte”, entende a funcionária, que já se deparou com um desses quadros em um processo de catalogação.
“Logo percebi que não era dele. Tenho que me limitar a responder que o instituto não reconhece. É um assunto delicado. Mas não convém discutir a questão da semelhança. O que vale é o benefício que vem em prol da comunidade, e quando é feito de forma sincera.”
O caráter social, aliado ao eventual acuro estético, é capaz de seduzir almas céticas, como a do produtor cultural Marcelo Bravo, de Barra Mansa (RJ), que há dois anos pagou R$ 300 por um suposto e azulado Van Gogh.
“Não faço muito essas comparações com as originais não. O quadro é dominado pelo azul. E, se você pensar que ele teve várias fases, ele está na fase mediúnica aqui”, releva ele, que se diz "agnosta".
“Acho bonita a paisagem do campo, o céu, a casinha. Isso só desperta coisas legais, me agrada. E tudo foi pintado na minha frente. Me tocou.”
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