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Mercado literário: Os booktubers vão substituir os críticos especializados?

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  • A crítica consagrada é uma chancela importante, que dá prestígio ao livro. A crítica dos blogs e booktubers é uma leitura não especializada, mas que serve de referência para grande parte dos leitores, especialmente os mais jovens

    Cíntia Borges, gerente de comunicação da Rocco

Rodrigo Casarin

Do UOL, em São Paulo

15/08/2015 06h00

Com a câmera ligada, jovens apresentam livros no YouTube e compartilham opiniões das mais diversas a respeito do que estão lendo em uma linguagem informal e despojada. E seus vídeos são vistos por milhares de pessoas. Chamados de "booktubers", eles estão ajudando a transformar o mercado editorial tanto no Brasil quanto lá fora e a perpetuar o hábito da leitura.

"Com o enxugamento das redações [de jornalismo] e publicações específicas sobre literatura sumindo das bancas, o nosso principal meio de divulgação dos livros são os blogueiros e booktubers, que têm um diferencial por falarem na mesma língua do nosso público-alvo leitor. Portanto, consideramos o trabalho deles fundamental na repercussão dos nossos livros", considera Silvia Tocci Masini, editora da Gutemberg.

As resenhas em vídeos abordam desde clássicos literários até os best-sellers do momento, mas se há um gênero mais discutido por eles são os destinados aos jovens adultos. "A questão do formato de vídeo informal, sem grandes produções, é típica dos adolescentes e jovens, que entendem isso como um meio de expressão corriqueiro. Então obras que dialogam com esse público também tendem a ter mais repercussão", aponta João Varella, editor da Lote 42.

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  • A questão do formato de vídeo informal, sem grandes produções, é típica dos adolescentes e jovens, que entendem isso como um meio de expressão corriqueiro

    João Varella, editor da Lote 42

Quem são eles
Um desses booktubers brasileiros é Eduardo Cilto, do canal Perdido nos Livros, que tem mais de 140 mil seguidores e episódios que chegam a mais de 200 mil visualizações. Ele explica que começou a comentar livros neste formato apostando na dinâmica dos vídeos, que permitem que se expresse melhor e atinja mais leitores, explica o jovem, fã de nomes como John Green, Lemony Snicket e Carlos Ruiz Zafón.

Ao ler uma obra, Cilto diz que já pensa no que irá falar sobre ela. "Anoto tudo o que acho que será importante mencionar na hora da gravação, desde coisas sobre a personalidade do personagem até meus empecilhos com a narrativa. Quando termino de ler, analiso o que anotei e escrevo um roteiro resumindo tudo de uma maneira que ficará legal em vídeo".

Tatiana Feltrin, também com mais de 140 mil assinantes em seu canal, o Tiny Little Things, causou furor ao participar da Bienal do Livro de São Paulo, no ano passado, junto com Pâm Gonçalves, do Garota It, que tem mais de 112 mil seguidores. Já Bruno Miranda, do Minha Estante, ultrapassa a marca de cem mil fãs e seu vídeo sobre "Destrua Esse Diário", de Keri Smith, beira o meio milhão de visualizações.

"Eu sempre tive vários blogs desde que comecei a usar a internet. Com 13 anos fiquei viciado em livros e decidi criar, em 2010, um blog para falar sobre isso. No final de 2011 queria criar um conteúdo em vídeo para o blog e comecei o canal. Ele bombou muito mais que o blog, então passei a me dedicar apenas aos vídeos. Acho que a motivação principal foi ter descoberto uma coisa nova para mim e querer espalhar para todo mundo. Como não tinha ninguém com quem falar sobre livros, fui para a internet", lembra Miranda, que tem dentre os escritores favoritos nomes tão díspares como J. K. Rowling, Clarice Lispector, John Green e Franz Kafka.

Importância para as editoras
Números tão expressivos quanto os que esses jovens acumulam acabam impactando na divulgação dos livros. Ana Lima, editora-executiva da Galera, selo da Record com obras destinadas ao público jovem, lembra que um vídeo de Melina Souza, do canal Serendipity, sobre "À Procura de Audrey", de Sophie Kinsella, ajudou a criar uma expectativa em cima do título, que se esgotou assim que chegou às livrarias. "O impacto pode ser significativo. Como a competição é grande, aquele livro indicado com certeza vai se sobressair. Eles [os booktubers] são parceiros e mensalmente enviamos alguns lançamentos para que leiam e deem sua opinião".

Cíntia Borges, gerente de comunicação da Rocco, segue a mesma linha. "Especialmente na literatura jovem, alguns canais podem influenciar de forma bastante intensa, pois são formadores de opinião e ajudam muito no boca a boca. Com o crescimento do mercado editorial brasileiro nos últimos anos e, particularmente, com o boom da literatura juvenil e young adult após 'Harry Potter', são muitos os lançamentos para este público. A mídia tradicional não consegue abrir espaço para todos. Daí a importância dos blogs, canais de Youtube e redes sociais voltados para este universo, que abriram um novo canal de comunicação entre as editoras e os leitores".

A Rocco aposta na parceria com canais como o ÍndiceX e o Tríplice Literária e permite que eles escolham até dois lançamentos por mês para resenhar em vídeo. "Acompanhamos a publicação das resenhas regularmente, mas não há qualquer compromisso dos blogueiros e booktubers quanto ao teor, eles têm total liberdade para avaliar os livros. A parceria também é fortalecida pela divulgação das resenhas publicadas, dando visibilidade aos blogs e canais literários nas redes sociais da editora".

Outra editora que aposta nesse tipo de divulgação é a Aleph. "Os booktubers são fortes parceiros na divulgação de livros. Eles são fáceis de lidar justamente por serem jovens, com ideias frescas e uma empolgação ímpar. Aquela formalidade convencional é deixada de lado e nossas trocas de e-mail costumam ser bem divertidas. Fizemos uma ação de lançamento com o livro 'Eu, Robô', enviando kits especiais para os blogueiros. Coincidência ou não, o livro esgotou em menos de dois meses", lembra Felipe Bellaparte, assistente de marketing da editora.

Críticos literários?
E esses formadores de opinião substituem a crítica convencional? A resposta dos editores é uma só: não. "São duas coisas diferentes e cada uma tem a sua importância. A crítica consagrada é uma chancela importante, que dá prestígio ao livro. A crítica dos blogs e booktubers é uma leitura não especializada, mas que serve de referência para grande parte dos leitores, especialmente os mais jovens, que preferem buscar na internet a opinião de alguém com quem se identifique para, então, decidir a compra do livro", considera Cíntia, da Rocco.

Silvia, por sua vez, explica que "o livro tem que estar onde o leitor está", por isso os booktubers acabam sendo importantes para que as publicações da Gutemberg tenham um bom alcance nas redes sociais. Por outro lado, para se trabalhar os títulos da Autêntica, grupo do qual a Gutemberg faz parte, as críticas em veículos tradicionais são mais efetivas para atingir potenciais leitores, além de dar credibilidade à editora.

Algo que os profissionais apontam como grande diferencial desses jovens comentaristas é a linguagem que usam, bem diferente da adotada pela crítica tradicional, e, consequentemente, a proximidade que criam com o seu público. "Pelo fato de os seguidores se sentirem mais próximos dos booktubers, acreditam fielmente no que eles dizem. Essa aproximação gera um sentimento de amizade e ninguém melhor que um amigo para indicar alguma coisa. Dessa forma, o marketing boca a boca é certeiro", aponta Bellaparte, da Aleph.

"O crítico tem a bagagem acadêmica, o respaldo de grandes veículos de comunicação e o reconhecimento de livreiros e de leitores mais tradicionais. Mas acho que nunca veremos um crítico mencionando que o cheiro de um livro é bom e que, além de merecer ser lido, o livro está lindo e deve enfeitar sua estante. No papo dos booktubers com seus seguidores isso acontece muito. Esse diferencial, essa relação de fã com o livro, dele sendo um objeto de desejo, uma paixão, atrai os mais jovens", diz Ana Lima, da Galera.

Os próprios booktubers parecem não querer ocupar o papel do crítico. "Eu tinha medo que, conforme o canal fosse crescendo, as pessoas fossem me vendo como crítico, que eu deveria ter um compromisso em analisar todos os aspectos profissionalmente. Mas isso não aconteceu, todo mundo entende que o meu papel não é esse. Eu só encontrei um monte de gente que gosta de ler para conversarmos juntos, sem pressão de nenhum dos lados", diz Bruno, do Minha Estante. "Acima de tudo, sou apenas um leitor voraz que gosta de falar sobre suas leituras", enfatiza Eduardo, do Perdido nos Livros.