Ator conta por que "A Hora do Pesadelo 2" é um dos filmes mais gays
A história de que o filme “A Hora do Pesadelo 2” é um dos filmes mais gays da história passou de boato a fato quando seu roteirista David Chaskin admitiu no documentário “Never Sleep Again”, que narra os bastidores da franquia, ter escrito uma história sobre homofobia.
E embora no Brasil este subtexto nada discreto tenha passado batido, nos Estados Unidos e na Europa as inclinações sexuais de Jesse, protagonista vítima de Freddy Krueger que no longa é interpretado pelo ator Mark Patton foram, objeto de muita crítica nos anos 1980, quando o mundo atravessava a pior fase da epidemia de aids.
Em uma época que Hollywood passou de liberal a conservador, a controvérsia foi tão grande que Patton chegou a abandonar a carreira, pois os estúdios exigiam que ele, que na vida real também é homossexual, se mantivesse no armário.
No próximo Festival de Cinema de São Francisco, Patton vai lançar um documentário chamado “Scream Queen: My Nightmare in Elm Street”, em que ele narra como essa epidemia, associada à polêmica em torno de seu personagem, acabaram afastando-o do mundo do cinema.
Presente à San Diego Comic Con, onde participou de um debate sobre o subtexto gay em filmes de terror, o ator conversou com a reportagem do UOL e contou alguns detalhes sobre essa história. Leia a entrevista:
UOL - Por que você diz que este filme foi um pesadelo para sua carreira de ator?
Mark Patton - A razão é que este filme nos Estados Unidos e na Europa foi muito controverso. Porque eu interpretei o papel que normalmente deveria ser de uma mulher. Rapazes, especialmente nos Estados Unidos, não aceitaram o filme porque caras deveriam ser durões e garotas deveriam ser as vítimas. E eu era a vítima. E as pessoas começaram a dizer que era um filme gay. O diretor disse que não tinha ideia de que seria um filme gay. O roteirista dizia que filme não era gay, mas que eu era tão gay que acabei fazendo dele um filme gay, como se eu tivesse uma agenda ideológica. Mas o script era aquele mesmo. E por isso se tornou um pesadelo para mim, porque eu era gay, Hollywood era muito homofóbica nesta época e então veio esse documentário “Never Sleep Again” [“Não Durma Nunca Mais”, em tradução livre] e eu sabia que o roteirista, David Chaskin, o tinha escrito desse jeito. Então o confrontei. E 30 anos depois ele admitiu que tinha feito um filme gay. Perguntaram se ele tinha feito um filme homoerótico e ele respondeu que tinha feito um filme homofóbico. Que ele tentou enojar o público hétero com isso e que qualquer subtexto que ele tinha colocado no texto foi arruinado por mim, porque eu era super gay.
Então ele pôs a culpa em você?
Sim, e eu fui agredido por esse filme por muito tempo. Apenas nos últimos cinco anos que a opinião do público sobre ele mudou e eu voltei a trabalhar como ator. Agora me chamam de “scream queen” [trocadilho que pode ser traduzido como bicha escandalosa ou bicha louca, mas que também se refere às personagens femininas que gritam muito em filmes de terror]. E eu o uso como um exemplo de bullying. Então eu resolvi fazer esse documentário que fala sobre o impacto da aids na Hollywood dos anos 1980 e de como as portas se fecharam para atores gays. Por isso foi um pesadelo para mim.
Que aspectos do seu personagem e da história fizeram o público crer que se tratava de um filme gay?
No roteiro, em um dos meus pesadelos, eu acabo indo parar em um bar cheio de gays usando couro. E meu treinador está neste bar. Ele então me leva para o vestiário, me faz tirar a roupa e quer me estuprar. Então Freddy Krueger o mata. Tem outra cena em que estou transando com minha namorada, mas no meio eu fujo e vou pra cama do meu melhor amigo. E ele acaba morto. Apenas caras morrem neste filme. Além disso eu fico de cueca durante 60% do filme. Sem falar que minha principal fala filme é: “Ele está dentro de mim e quer me possuir outra vez.” Virou uma grande piada. Freddy também faz amor comigo com sua luva, enfiando as lâminas na minha boca. Muitos rapazes me pediam para autografar o VHS do filme porque tem uma cena aos 20 minutos e 22 segundos em que eu acordo e arrumo meu pênis na calça, como todo rapaz faz quando acorda. Muitos caras diziam que eu era o namorado deles. Acabei me tornando um dos primeiros atores a saírem do armário.
Você foi foi recusado para trabalhos?
Na verdade, para mim, deixar Hollywood foi uma opção. Continuaram me oferecendo trabalho, contanto que eu continuasse no armário. Várias pessoas vinham me dizer que eu devia agir como hétero etc… Mas então eu comecei a namorar um ator do seriado “Dallas”. E ele era muito famoso. Vivíamos juntos. Seu nome era Timothy Patrick Murphy. Ele teve um caso com Brad Davis, de “O Expresso da Meia-Noite”, antes de nos conhecermos. Acontece que Tim morreu de aids. E você sabe como é a imprensa. Foram ao velório, invadiram seu quarto no hospital. E Hollywood era horrível. E eu não pude mentir. Não era da minha natureza. Havia um holocausto acontecendo e eu não ia ficar quieto fingindo que eu era heterossexual. Não foi pra isso que saí do armário. Então voltei para a escola e me tornei arquiteto. Quando “Never Sleep Again” foi lançado, coincidentemente eu voltei a ser chamado para trabalhar. E então já estou gravando meu terceiro filme. Agora estou interpretando o ator Antony Perkins [estrela do filme “Psicose”, de Alfred Hitchcock] em um filme sobre Nova York durante o 11 de setembro.
Nos outros filmes de Freddy ele possui apenas garotas?
Sim. Apenas garotas. É interessante que Freddy é sádico com garotas. Mas com meu personagem ele é muito terno. E ele mata todo mundo que é mau comigo. É como se ele fosse eu protetor. Sou o único que sobrevive em seus filmes. Ele acaricia meu rosto delicadamente com as lâminas… Ele é quase meu protetor.
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