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Tirinhas têm que ser alívio para pessimismo sádico dos jornais, diz Liniers

O quadrinista argentino Liniers, autor da tirinha "Macanudo", que faz sucesso no mundo todo. "Não é que eu seja um otimista, mas eu tenho que ser", diz. - Diana Abreu
O quadrinista argentino Liniers, autor da tirinha "Macanudo", que faz sucesso no mundo todo. "Não é que eu seja um otimista, mas eu tenho que ser", diz. Imagem: Diana Abreu

Felipe Blumen

Do UOL, em São Paulo

07/07/2015 05h00

Apesar de vizinhas, as culturas de Brasil e Argentina nem sempre andam próximas, mas a barreira linguística e da má vontade de uns com os outros vem sendo vencida por um quadrinista e suas tirinhas "fofinhas". O responsável pela "façanha" é o artista Liniers, que deve sua fama à série de tirinhas que publica diariamente desde 2002 no jornal argentino "La Nación", chamada “Macanudo” – palavra que, em espanhol, significa “supimpa”, “bacana”.

O artista esteve no Brasil para apresentar pela terceira vez sua exposição “Macanudismo”, que chega ao Centro Cultural dos Correios, em São Paulo, depois de passar por Rio de Janeiro e Brasília. Com cerca de 500 tirinhas originais, além de quadros, cadernos, vídeos e entrevistas em quadrinhos, a mostra foi inaugurada no último sábado (4) com música, autógrafos e até uma sessão de pintura ao vivo – em que ele também dançou, filmou e serviu de mestre de cerimônias durante alguns momentos, fazendo esforço para falar o máximo possível em português. No dia seguinte, ainda voltaria ao mesmo local para palestrar para cerca de 120 pessoas. 

Otimismo

Com 30 livros editados em nove idiomas diferentes, Liniers usa personagens como a garota Enriqueta, o gato Fellini, a monstra imaginária Olga, o jovem Martinzito, pinguins, duendes e até uma azeitona, para passar a milhares de pessoas sua visão de mundo. Uma visão que, segundo ele, precisa ser positiva.

“Não é que eu seja um otimista, mas eu tenho que ser”, diz. “Eu escrevo em um jornal, então alguém pode abri-lo todos os dias e achar tudo uma merda. Essa carga de pessimismo pela manhã é sádica. Nós, das histórias em quadrinhos, temos que ser um alívio". Para ele, "Macanudo" é isso. "É fazer um esforço para encontrar o lado positivo nas coisas pequenas da vida. Há coisas que não saem no jornal, como o cheiro de pasto cortado ou a diversão de um balão vermelho, e que são fundamentais! Meu trabalho é colocar isso no jornal”, explica.

Curiosamente, a diversidade de Macanudo nasceu como uma confessa falta de criatividade. “Eu não tenho a imaginação de um Quino [criador de Mafalda] ou de um Charles Schulz [criador de Charlie Brown] para manter uma tirinha por anos a fio, então tive que transformar Macanudo na coisa mais livre possível”, conta Liniers. “Mas o bom é que hoje isso me dá muitas possibilidades”.

“É o fato de ‘Macanudo’ ser um universo tão grande e diferente que encanta a mim e a tantas pessoas”, diz Bebel Abreu, a curadora da exposição Macanudismo no Brasil. “Eu conheci o Liniers tocando a campainha dele para pedir um autógrafo nos meus livros. Eu entrei e falei que iria trazer o Macanudismo para cá. Ele demorou três anos para acreditar, até que finalmente me mostrou um antigo armário de farmácia com gavetas pequenas cheias de tirinhas e disse: ‘Divirta-se’. Foi dali que saiu esse acervo maravilhoso”, conta.

Brasil

Mas a relação do quadrinista com o Brasil não começou com a exposição. Aos 41 anos, já visitou o país “incontáveis” vezes. Em 2014, ele foi enviado pelo jornal "La Nación" para cobrir a Copa do Mundo em quadrinhos, e diz que aprendeu duas coisas: "Primeiro, a melhor cura para os ódios criados pelo futebol é visitar o país que você teoricamente odeia e ver que as pessoas são comuns, são legais, te recebem bem. Segundo, nunca compre ingressos de cambistas”, avisa.

Além disso, a mulher de Liniers, mãe de suas três filhas, é filha de uma brasileira e parte de sua família ainda mora aqui. “A gente do Brasil é parecida com a da Argentina”, diz. “Te abraçam, te beijam, convidam para tomar algo. Coisa que não se acha na Europa ou nos Estados Unidos, por exemplo”.

Para o argentino, aliás, é uma pena que “apesar de tão próximos, nossos países consumam mais cultura dos Estados Unidos do que dos vizinhos”. “Me dá raiva que Laerte e Angeli não estejam o tempo todo na Argentina. São gênios”, afirma ele, que criou sua própria editora para publicar trabalhos de artistas de dentro e fora da Argentina.

Liniers

  • Divulgação/Macanudismo

    O humor é como o boxe. Se o leitor souber de onde vem o golpe, ele se esquiva. Então é preciso surpreender.

    Liniers, quadrinista argentino

Recreios e quadrinhos

A relação de Liniers com os quadrinhos começou cedo, quando ele passava os recreios da escola desenhando. “Todos jogavam bola e eu era muito ruim, então não me restava muito mais do que desenhar”, lembra. “Sabe, a vida de desenhista é muito solitária. Todos estão vivendo suas vidas e você focado em um papel”.

É por isso, ele crê, que foi tão tímido até o começo da vida adulta. Apesar da desenvoltura que mostra hoje diante de jornalistas, editores, colegas e fãs, diz que isso seria impensável até cerca de quinze anos atrás, quando começou a tentar viver de quadrinhos. “Eu imprimia 100 fanzines do próprio bolso, vendia dois para os meus pais e tinha que sair distribuindo o resto. Então eu tive que acabar com minha timidez”, conta.

Liniers começou a publicar suas tirinhas em 1999 em um segmento do jornal socialista argentino "Pagina 12", sem remuneração. Os temas eram variados e o humor, "negro. “Aquilo era o auge para mim”, lembra. “Trabalhava de graça e pensava: ‘Uau, como sou bom. Um dia minhas tirinhas vão chegar até o Uruguai.’ Isso era o máximo que eu imaginava para a minha carreira, veja só. E como essa era a meta, depois disso, tudo o que veio é lucro”, brinca.

O lucro foi alto, mas Liniers não o mede em dinheiro ou sucesso, e sim em histórias. Conta com orgulho e deboche, por exemplo, de quando foi convidado pelo casal de artistas Art Spiegelman e Françoise Mouly para ir a sua casa em Nova York e, por uma sequência de acasos, acabou dormindo por alguns dias na cama do autor de “Maus”, única história em quadrinhos a ganhar um Prêmio Pulitzer de Jornalismo.

Gosta de contar também de quando “se inspirou” em um desenho de Matt Groening, criador dos Simpsons, para inventar o coelho branco que representa ao próprio Liniers em suas tirinhas. “Copiei as orelhas de um personagem do Matt, o rosto dos ratos de Maus e me senti genial, originalíssimo. Isso até que, por meio de uma amiga de minha irmã, fiquei sabendo que Matt queria me conhecer. ‘Puta merda’, pensei. Mas eu acabei conhecendo ele e confessando minha inspiração. Sorte que ele achou um barato, deu risada. A mesma coisa com Art”, conta rindo.

Boxeador

No meio de piadas e recordações, Liniers assume que sua personalidade nem sempre é aquilo que vemos em sua tirinha – e é por isso que nem todas são engraçadas. “Não sei por que os quadrinistas precisam sempre fazer rir”, diz. “Se eu posso contar uma história, já estou feliz. Até porque não sou a mesma pessoa todos os dias, tenho bons e maus momentos”.

É nos maus momentos, quando bate a crise de inspiração, que o artista diz compreender os super-heróis que se sentem frustrados. “Se você reparar, os X-Men estão sempre tristes, porque os poderes deles muitas vezes não são legais nem empolgantes. E eu, se fosse um super-herói, teria o poder de fazer, todas as manhãs, milhares de pessoas soltarem ao mesmo tempo uma exclamação do tipo ‘óun’. Não chega a ser uma bosta, mas também às vezes não é legal nem empolgante”, diz.

O humor parece continuar a ser, contudo, seu farol. E sua própria vida serve de inspiração nos dias ruins. Enriqueta, a garotinha que só fala com seu gato e com seu ursinho de pelúcia, é uma personagem autobiográfica de um jovem Liniers tímido demais para conversar com os outros. Olga, a monstra, é uma mistura de Chewbacca com R2-D2 e uma lembrança da infância solitária que ele levava com seu boneco Han Solo no bolso, sonhando em fazer parte do universo de "Star Wars".

"O humor é como o boxe. Se o leitor souber de onde vem o golpe, ele se esquiva. Então é preciso surpreender, e qualquer ideia é válida”, filosofa. Ainda dando autógrafos e distribuindo desenhos poucas horas antes de seu voo de volta para Buenos Aires, para desespero de sua assessoria, ele comenta: “Lo chiquito. São as coisas pequenas da vida”.

SERVIÇO

"Macanudismo: quadrinhos, desenhos e pinturas de Liniers"

De 04/07 a 01/09 • De terça a domingo - 11h às 17h

Centro Cultural dos Correios - av. São João, s/n, Vale do Anhangabaú | São Paulo-SP  •  (11) 3227-9461

Livre para todos os públicos • Entrada franca