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Flip encolhe e atrai menos gente, mas acerta em "química" nas discussões

Rodrigo Casarin

Do UOL, em Paraty (RJ)

06/07/2015 06h00

“Curte poesia?” A frase mais dita pelas ruas de Paraty ao longo da Flip foi bem menos ouvida na edição deste ano. Apesar de parecer banal, a constatação tem um peso simbólico: havia menos poetas tentando vender suas edições caseiras pela festa. Havia menos artistas de rua, de uma maneira geral. A programação paralela à oficial também encolheu.

Em um ano de crise, as caras pousadas da cidade tinham placas de “Há vagas” penduradas em suas entradas, algo difícil de se ver em outras oportunidades. Estava muito mais tranquilo transitar pelas vielas feitas de pedras. Menos gente fez questão de estar em Paraty ao longo da 13ª edição da Flip, isso é indiscutível.

Não que seja exatamente ruim, contudo. Boa parte dos eventos continuaram atraindo um bom público. A Tenda dos Autores esteve quase sempre bem cheia ou lotada. O interesse pelo que vinha sendo discutido era evidente, possível de ser percebido pelas áreas de telões abertos – neste ano continuaram gratuitos, foram quatro a mais e com opção do ouvinte usar um fone para acompanhar a tradução simultânea - sempre com bom público assistindo à programação principal.

Apesar da cidade mais vazia, a organização do evento se mostrou otimista em repetir os números de 2014. Na entrevista coletiva que realizaram para fazer o balanço deste ano, ainda sem os dados finais em mãos – até porque a conversa acontece na manhã de domingo, antes da Flip chegar, de fato, ao fim –, estimaram que toda a programação da festa tenha recebido em torno de 25 mil participantes, o mesmo número da última edição, e que pela Tenda dos Autores tenha passado um número superior às 16.806 pessoas do ano passado.

Mesas de destaque
“Do meu ponto de vista, de quem passou 13 horas por dia dentro da Tenda, a química funcionou”, disse Paulo Werneck, curador do evento, na entrevista, salientando a presença de nomes como Tinhorão e Karina Buhr em um mesmo palco, as mesas mais performáticas e a incorporação da ciência à programação com neurocientista Sidarta Ribeiro, por exemplo.

As mesas, em sua maioria, de fato agradaram. Se a não vinda de Roberto Saviano deixou a Flip desfalcada de uma grande referência, também permitiu uma oportuna discussão sobre o narcotráfico. Caso o autor de “Gomorra” viesse ao Brasil, a conversa poderia muito bem desandar para a curiosidade a respeito de sua vida sob constante proteção.

Já com os jornalistas Ion Grillo e Diego Osorno, os problemas relacionados às drogas realmente estiveram em evidência. A frase “a sociedade da informação está produzindo pessoas insensíveis, desumanas”, dita por Osorno, poderia ser um ponto de balizamento para uma discussão que vai desde a violência dos narcotraficantes até o crescente hábito de se compartilhar fotos e vídeos de gente morta ou moribunda pelo celular, por exemplo.

Outros destaques foram a análise sob o viés do erotismo da obra de Mário de Andrade por Eliane Robert Moraes na mesa de abertura, a versão pornográfica de um trecho de “Memórias Póstumas de Brás Cubas” feita por Reinaldo Moraes, o olhar profundo da argentina Beatriz Sarlo para a América Latina e as questões políticas e históricas relacionadas ao Brasil levantadas no papo com Boris Fausto e na aula dada por Heloísa Starling e Lilia Schwarcz.

E a portuguesa Matilde Campilho, claro, que sai provavelmente como a grande descoberta da edição deste ano da Flip. Não por acaso, até o fechamento de sábado, o livro dela, “Jóquei”, era o mais vendido na Travessa, a livraria oficial do evento. Era seguido por “Box de Mário de Andrade” e títulos como “Amor e Matemática”, de Edward Frenkel, e “Brasil – Uma Biografia”, de Heloísa e Lilia.

Também vale citar o show de abertura deste ano, que, se não contou com grandes nomes de edições anteriores, como Gal Costa e Chico Buarque, ao menos agradou bastante Liz Calder, a idealizadora da Flip. “Eu adorei o show de abertura. Achei tão bonito as pessoas de Paraty fazendo esse show”, disse durante a coletiva exaltando a participação de Luis Perequê, Dani Lasalvia e Os Caiçaras.