Novos ensaios sobre Sade esquentam literatura erótica na Flip 2015
Muita gente redescobriu o sexo na literatura com a série "Cinquenta Tons de Cinza", mas a verdade é que o tema está presente na arte desde sempre: desde "Satíricon", um texto de Petrônio do século 1, e "Cântico dos Cânticos", da Bíblia, aos escritos da Antiguidade e à obra do francês Marquês de Sade, que viveu entre 1740 e 1814 e que ganha dois ensaios recém-lançados no Brasil.
Já estão nas prateleiras brasileiras "Os Libertinos de Sade", de Clara Castro, e "Sade, a Felicidade Libertina", de Eliane Robert Moraes, professora de Literatura Brasileira da USP (Universidade de São Paulo), que estará na Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) dividindo uma mesa com Reinaldo Moraes, na qual falarão justamente da representação literária do sexo.
Sendo Sade provavelmente o maior representante da literatura erótica, não é de se estranhar que o interesse por sua obra e por sua vida sejam cada vez maiores. "Os Libertinos de Sade" nasce como a tese de doutorado em filosofia defendida por Clara na USP. No texto, a autora se debruça sobre "História de Juliette", obra publicada em 1801, para ir a fundo nas ideias de Marquês, analisando como elas são reveladas por meio dos protagonistas do livro em questão.
Já Eliane, também autora de outros livros sobre o Marquês e tradutora de "História do Olho", de Georges Bataille, um dos clássicos da literatura erótica, publicou seu "Sade, a Felicidade Libertina" originalmente em 1994, mas o relança agora em virtude dos 200 anos da morte do autor, completados no final de 2014. O livro se propõe a fazer uma introdução à obra e à vida do escritor, duas frentes indissociáveis, ao leitor brasileiro. Quem assina a apresentação é Renato Janine Ribeiro, professor de ética e filosofia da USP e atual ministro da Educação. Nele, afirma que "era preciso afastar os preconceitos, sair do plano do bem e do mal, para aprender o vigor sensual se uma obra como a de Sade".
Para Eliane, a importância atual de Sade, paradoxalmente, está em não ser atual. "Sade afirma a irredutibilidade do desejo e, com isso, formula um ponto de vista completamente oposto ao de hoje. E enfatizando os segmentos do mercado erótico, ele substitui a singularidade individual pela identidade de grupo. É algo bem distante da alcova libertina que o aparato pornográfico, material ou simbólico, coloca à disposição de uma grande massa de consumidores, ansiosa pela última novidade do fast-food sexual que, no limite, trabalha no sentido de normalizar o desejo", afirma em entrevista ao UOL.
A obscenidade dos clássicos
Analisando a literatura erótica como um todo, Eliane explica que é um equívoco considerá-la um gênero específico. "É um campo que se manifesta em diversos gêneros. Há romances eróticos, sonetos eróticos, epopeias eróticas e assim por diante. Mas, assim como acontece com outros tipos de literatura, o que determina a qualidade do erotismo literário é o critério estético, sempre".
Nessa linha, ela fala sobre uma possível diferença entre o erotismo e a pornografia, que contrapõem os grandes autores que exploraram o sexo em sua obra de alguns fenômenos comerciais recentes. "Para o senso comum, o pornográfico é o que 'mostra tudo', enquanto o erótico é 'o velado'. Mas para o estudioso do erotismo literário, trata-se de uma distinção falsa, quase moralista. Livros como os do Marquês de Sade, de Georges Bataille, são muito mais obscenos do que a pornografia comercial de uma Bruna Surfistinha ou de uma E. L. James. A diferença entre eles não está no grau de obscenidade, mas na composição formal".
Por isso, Eliane acredita que seja importante "distinguir a pornografia meramente comercial daquela que, seja mais alusiva ou abertamente obscena, tem o poder de nos colocar questões importantes, de nos fazer refletir, de nos transtornar, de vasculhar nossos subterrâneos". Elencando outros exemplos de estetas da sacanagem, cita a trilogia pornográfica de Hilda Hilst, composta por "O Caderno Rosa de Lori Lamby", "Contos de Escárnio" e "Cartas de um Sedutor"; Roberto Piva e seu "Mala na Mão e Asas Pretas"; o imortal João Ubaldo Ribeiro por conta de "A Casa dos Budas Ditosos"; e Reinaldo Moraes, seu parceiro de mesa na Flip, que, graças a "Pornopopeia", passou a ser visto como uma autoridade no assunto.
Novidades eróticas
Outra nome citado por Eliane é o do poeta brasileiro contemporâneo Glauco Mattoso, um dos autores publicados pela Série Sexo que vem sendo lançada pela Editora Hedra, apostando na literatura erótica de valor estético. "Cem Sonetos de Sacanagem", o livro de Mattoso, veio na segunda leva de lançamentos, acompanhado de "A Vênus das Peles", de Sacher-Masoch, obra de 1870 sobre a submissão sexual, e "Perversão - A Forma Erótica do Ódio", de Robert Stoller, psiquiatra que busca compreender as ditas "perversões da sexualidade humana". Anteriormente já tinham sido publicados "Tudo Que Eu Pensei Mas Não Falei na Noite Passada", de Anna P., "A Vênus de Quinze Anos (Flossie)", de Swinburne, e "O Outro Lado da Moeda", de Teleny, pseudônimo de Oscar Wilde.
Eliane também vai lançar, pela Ateliê Editorial, o livro "Antologia da Poesia Erótica Brasileira". A obra, que deve chegar às livrarias nos próximos dias, reúne versos sacanas nacionais assinados por nomes que vão desde Gregório de Matos, um ícone do século 17, passando por autores canônicos como Castro Alves e Olavo Bilac, até escritores contemporâneos, tais quais Ferreira Gullar e Arnaldo Antunes, outro nome que estará na Flip.
As pesquisas da autora começaram em 2005 e abrangeram inúmeras bibliotecas e diversas coleções privadas, inclusive de fora do país. "Foi uma verdadeira aventura, um trabalho de detetive, já que muitas vezes eu buscava poemas produzidos na clandestinidade e até mesmo proibidos em sua época", diz ela, que "descobriu extraordinários desenhos eróticos de Arthur Luiz Piza".
Explorando profundamente a poesia erótica nacional desde uma época contemporânea à Sade até a nossa própria contemporaneidade, Eliane diz que percebeu um caminho trilhado paralelamente às mudanças da literatura em geral, mas também pontuado por questões morais e pelas transformações históricas, enfrentando obstáculos para ser reconhecido como arte. "Até pouco tempo, a expressão moderna do erotismo literário foi objeto de proibições nas sociedades ocidentais. Não foi diferente no Brasil, cuja história traz fortes marcas da moral cristã e do jugo patriarcal que, aliados a outras formas de repressão, também precipitaram mecanismos eficazes de censura às manifestações licenciosas".
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