Análise: Experiência da Virada poderia ser incorporada ao dia a dia
Não há uma Virada igual à outra. Nem de ano para ano, nem de um cidadão para outro. E isso é o que faz essa experiência tão rica. Em seu 10º ano, a Virada Cultural de São Paulo ainda procura um formato que abrigue tantas expectativas e tanta variedade. A versão 2015 foi muito mais calma do que as anteriores. Menos medalhões, palcos mais espalhados, menos gente, muito mais polícia. Proporcionar espetáculos espalhados pelos CEUs da periferia é sempre uma boa ideia, mas a possibilidade de se caminhar pelo centro da cidade continua sendo "A" experiência.
São Paulo é uma cidade que nos empurra para dentro de casa, para dentro de bares ou shoppings. São Paulo não é uma cidade receptiva e isso se inverte durante os grandes eventos públicos. O palco com a roda de choro na Praça do Patriarca, por exemplo, deveria ser tombado e acontecer em todo começo de noite. Até os mendigos alinhados na porta do metrô aprovariam. A mágica das imagens projetadas em prédios poderia fazer parte de nosso cotidiano. As experiências bem sucedidas das Viradas poderiam, sim, ser incorporadas ao dia a dia urbano e não só repetidas a cada ano.
Mas, como disse, o lindo é a sensação de pertencimento e nesse ponto as experiências são absolutamente pessoais. Poder andar pelo centro, encontrar pessoas, ver shows de graça ao ar livre ou ir a pequenos eventos dentro de teatros fazem com que os reclusos e os "durangos" possam desfrutar de espetáculos sem colocar a mão no bolso. Nesse ponto vemos uma diferença radical com relação às primeiras edições. Nelas havia uma quantidade bastante significativa de uma classe média que se encantou com o fato de poder andar no centro da cidade livremente. Esse povo praticamente sumiu. Com o aumento da violência e da falta de policiamento, preferiu ficar em casa.
Na rua, a grande maioria é de manos e minas, garotos de boné, agasalho e bermudas que chegam chegando. Talvez nossa gente "diferenciada" esperasse que São Paulo se tornasse Amsterdam com loiros de olhos azuis carregando taças de espumante pelo Viaduto do Chá. A realidade paulistana é outra. Garotos barulhentos atravessam as ruas aos pinotes levando suas garrafas de 51, Velho Barreiro e composto de vinho barato. Neste ano, ao contrário de outros, os ambulantes fizeram a festa livremente com seus isopores. Os mais sofisticados levavam, no meio dos shows, bandejas com batidas rosas ou amarelas enquanto outros traziam tequila, limão, sal e pequenos copos para um shot.
Os palcos foram instalados longe um dos outros, o que forçou longas caminhadas. Muitos garotos pulavam no meio da rua como se tivessem só aquele momento de liberdade para desfrutar. Compreensível. Alguns palcos foram instalados em ruas estreitas e o acesso podia ser traumático. Gente querendo entrar, gente querendo sair, um empurra danado que não perdoou nem grávidas nem mães com carrinho (sim, às 3h havia algumas empurrando seus babies para a festa). Acessibilidade, hum, um negócio a ser discutido. O acesso aos palcos era ruim, as ruas são esburacadas, as calçadas irregulares, as distâncias longas. A cidade ainda não pensa nisso como deveria.
Havia muita polícia. Agrupamentos próximos a táticos móveis, cavalaria, motoqueiros, grupos fazendo ronda. Na Avenida Rio Branco o momento bizarro da noite. Dois homens negros, grandes e estrangeiros, se estranhavam numa esquina, próximo a um birô de internet. Outros quatro ou cinco faziam as vezes da turma do deixa para lá. A menos de 20 metros, policiais deixavam a coisa rolar. Indagados, um dele respondeu:
- Deixa eles se entenderem. Depois a gente vai.
- Mas eles já estão brigando!
- Deixa eles. Se a gente for lá, vão dizer que a gente foi bater neles.
Os dois foram se pegando até a outra esquina, onde três da Guarda Municipal conseguiram separá-los e amainar ânimos.
Quase 6h da manhã, o show do Alceu Valença na Praça da República termina e o clima é de pura paz. A temperatura de 16°C era agradável, não havia gente largada no chão, nem correria e a volta para casa de metrô foi tranquila. Pelo que li, houve um ou outro episódio mas, pelo tamanho do evento, pela quantidade de gente circulando, o saldo parece ter sido positivo.
Continuo defendendo a Virada Cultural, elogiando sua diversidade e seu empenho em procurar formatos que abriguem tribos, curiosos e que dê ao cidadão a sensação de pertencer à cidade e ela a ele. Continuo achando uma pena São Paulo estar tão feia, tão cheia de buracos e sujeira. Continuo achando uma pena vermos uma garotada tão mal cuidada, tão sem opções no dia a dia.
Na segunda-feira tudo volta ao normal. Trabalho, trânsito e transporte público só nos horários normais. Só a frase "deixa eles se entenderem, depois a gente vai" continua ecoando.
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