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Versão de Grey para "Cinquenta Tons" não faz milagres e é só mais do mesmo

Rodrigo Casarin

Do UOL, em São Paulo

18/06/2015 12h02

"Esse livro é dedicado a todos os leitores que pediram, pediram, e pediram por isso. Obrigado por tudo o que vocês têm feito por mim. Vocês animam meu mundo todos os dias".

A dedicatória de E. L. James em seu novo livro, "Grey", cuja versão em inglês acaba de ser lançada e está previsto para chegar ao Brasil em setembro, já mostra o tom da obra. Se os leitores pediram e a autora quis atendê-los, não seria de se esperar algo diferente de um afago: nada de rupturas, nada de provocações, nada de inovações, apenas mais do mesmo.

É isso que temos na versão de Christian Grey para a tão conhecida história da franquia "Cinquenta Tons de Cinza", que nasceu como uma trilogia (que já vendeu 125 milhões de cópias e foi traduzida para 52 línguas), mas chega a sua quarta obra com claros sinais de que teremos ainda mais livros sobre a relação temperada pelo sadomasoquismo entre Grey com Anastasia Steele.

Como prometido, o que temos no novo livro é o ponto de vista de Grey --os três primeiros livros eram narrados pela moça--, um empresário bem sucedido que acorda preocupado com a malhação matinal, enquanto pensa se liga ou não para alguma mulher. Não gosta de jogar golf, mas encara as partidas porque sabe que delas surgem oportunidades de fazer dinheiro. Acredita que "para ser bem sucedido nos negócios você precisa de boas pessoas, e eu sei julgar uma pessoa melhor do que a maioria". Tem um pretenso e ilusório domínio sobre si mesmo e sobre tudo o que está ao seu redor. Seu único contratempo parece ser alguns pesadelos.

Entretanto, como é de conhecimento de qualquer um que já tenha lido ou assistido o filme da série, sua vida muda ao conhecer a universitária Anastasia Steele, jovem de 21 anos. A atração pela moça é instantânea. Sente-se desafiado ao perceber que ela, de imediato, entende seu interior e vê, a partir desse momento, seu cotidiano ser bagunçado.

"Eu odeio o inesperado", pensa em determinado momento Grey, e Anastasia é justamente o inesperado. Um inesperado que o leva rapidamente a investigar a vida da menina e que faz com que seus dias sem ela sejam tediosos. Assume que nunca havia sentido uma fixação dessas, e essa paixão repentina vem acompanhada de muita sacanagem, ao menos na cabeça do empresário. Enquanto titubeia entre se entregar ou não à jovem e inexperiente garota, imagina tudo o que poderia fazer com ela em termos de sexo, ainda que sua voz interna, falsamente moralista, o condene.

Após a primeira noite dormida --e apenas isso-- com Anastasia, Grey pensa: "Eu nunca tinha dormido com uma mulher. Fodi várias, mas acordar ao lado de uma atraente jovem é uma nova e estimulante experiência para mim. Meu pau concorda". Em outro momento, ao ser questionado pela moça se é gay, revela ao leitor o desejo de "fodê-la" em sua mesa, com as mãos amarradas em suas costas, "como resposta à ridícula pergunta". Mais adiante, ela pergunta: "Então, o que vamos fazer na próxima meia hora?". E ele pensa: "Bom, posso te foder em cima do piano", mas responde: "Eu posso pensar em algumas coisas", tendo a certeza de que "minha voz é sedutora".

Tudo isso, aliado aos jantares, viagens e carros luxuosos, podem dar a impressão de que Grey é a caricatura do "homem bem sucedido" e que sabe o que quer da vida, como diversas leituras da série insistem em pintá-lo. Pois, para mim, parece mais um cara com grana, mas bastante inseguro, que precisa de todo esse aparato material e de dominação para, de alguma maneira, afirmar-se. Transparece ser um homem feito, mas, na verdade, tem a maturidade de um adolescente. Um exemplo disso é esse diálogo:

"Por que você comprou isso para mim?", pergunta Anastasia.
"Porque eu posso", responde Grey, para depois pensar: "Sou um homem muito rico".

"Porque eu posso". Resposta típica de um rapaz mimado que acaba de completar 18 anos e ganha um carro da mãe. O complemento, "sou um homem muito rico", só pode ser de alguém que necessita de autoafirmação. 

O trecho também serve para analisarmos um ponto da prosa de E. L. James. Seus personagens são bastante rasos, planos, apegados a um romance que beira o juvenil. Em sua narrativa, a autora negligencia a introspecção, a divagação, os momentos decisivos nos quais nada ou pouco acontece no plano físico, mas são essenciais para que se construa a complexidade psicológica ao menos dos protagonistas. Para contar a história, o principal recurso utilizado pela escritora é o diálogo, algo que está longe de dominar. Parecem plásticos, sem vida, seguindo o padrão da conversa já apresentada.

Desde a publicação do terceiro livro da série, em 2012, até o lançamento deste novo, não houve milagre algum. A prosa de E. L. James continua bastante pobre e suas cenas de sexo, tidas como o grande atrativo dos livros e que se mantêm bastante presentes, seguem sendo cafonas e canastronas. É mais do mesmo, o que deve ser ótimo para os fãs. Esses que podem ficar animados, porque, pelo final de "Grey", vem ainda mais mesmice por aí.