Nos 150 anos de "Alice", lançamentos vão de HQ a livro de empreendedorismo
“Alice não achou muito fora do normal ouvir o Coelho dizer para si mesmo 'Oh puxa! Oh puxa! Eu devo estar muito atrasado!' (quando ela pensou nisso depois, ocorreu-lhe que deveria ter achado estranho, mas na hora tudo parecia muito natural); mas, quando o Coelho tirou um relógio do bolso do colete, e olhou para ele, apressando-se a seguir, Alice pôs-se em pé e lhe passou a ideia pela mente como um relâmpago, que ela nunca vira antes um coelho com um bolso no colete e menos ainda com um relógio para tirar dele. Ardendo de curiosidade, ela correu pelo campo atrás dele, a tempo de vê-lo saltar para dentro de uma grande toca de coelho embaixo da cerca.
“No mesmo instante, Alice entrou atrás dele, sem pensar como faria para sair dali.”
A viagem de Alice ao mundo surreal que a garota encontra dentro da toca, com personagens como o próprio Coelho, o gato Cheshire e o Chapeleiro Maluco, tornou-se um dos maiores clássicos da literatura mundial: “Alice no País das Maravilhas”, que no dia 4 de julho completa 150 anos de sua primeira publicação. Em virtude da data, editoras programam novidades relacionadas à obra do inglês ex-professor de matemática Charles Lutwidge Dogson, mais conhecido como Lewis Carroll.
Nos quadrinhos, a Zarabatana apronta uma edição de “Rocky & Hudson – Os Caubóis Gays”, de Adão Iturrusgarai, que contará com um capítulo inteiro dedicado à obra de Carroll. Com o título de “Rocky no País das Maravilhas”, a homenagem ocupará nove páginas e mostrará o caubói de Adão no mundo da garotinha –usando seu tradicional vestido azul, inclusive- e interagindo com personagens encontrados por Alice.
Lançado pela Draco, “Ball Jointed Alice”, de Priscilla Matsumoto, baseia-se no clássico para criar uma narrativa na qual Frank, o protagonista, acorda de ressaca e ouve uma boneca, Alice, dar-lhe “bom dia”. Esse é um chamado para que ele reviva a insanidade que havia deixado no passado e reencontre antigos companheiros de um manicômio de onde fugiu.
A Senac, por sua vez, traz uma abordagem empresarial para a história em “Atitude Empreendedora: Descubra com Alice Seu País das Maravilhas”, de Mara Sampaio, que promete, por meio das situações que Alice enfrenta, dos riscos que corre e das decisões que toma, desenvolver o empreendedorismo tanto em empresários quanto em seus funcionários.
Pensado para as crianças, a Galerinha, selo infantil da Record, apostou em uma tradução de Marina Colasanti e ilustrações de Emmanuel Polanco para “A Pequena Alice no País das Maravilhas”, uma versão feita pelo próprio Carroll para que o livro pudesse ser “manuseado, babado, ter as páginas dobradas, ser amarfanhado, beijado por aqueles pequenos iletrados, desconhecedores da gramática, aqueles Queridos, cheios de covinhas, que enchem o Quarto de feliz algazarra, e o nosso coração de apaziguada alegria!”, conforme o autor escreveu no prefácio da obra, ao se referir à garotada de até 5 anos de idade.
Já a editora Cosac Naify aproveita a efeméride para lançar uma caixa com sua edição de “Alice no País das Maravilhas”, ilustrada por Luiz Zerbini, publicada originalmente em 2009 e que estava esgotada, e uma versão inédita de “Alice Através do Espelho”, com ilustrações de Rosângela Rennó. A segunda obra, continuação do clássico, saiu em 1871 e é toda ambientada dentro das regras do xadrez, com personagens se comportando exatamente como as peças do jogo, em um mundo dividido em quadrantes, como um tabuleiro.
Com aposta semelhante, a Zahar relançará sua edição, que reúne em um só livro tanto “Alice no País das Maravilhas” quando “Através do Espelho e o que Alice Encontrou por Lá”, sendo que esse segundo contará com um episódio extra: “O Marimbondo de Peruca”. Quem assina as ilustrações da obra e o depoimento que acompanha o texto de Carroll é Adriana Peliano, designer, artista plástica e presidente da Sociedade Lewis Carroll do Brasil.
Mundo de ponta cabeça
É Adriana quem comenta como “Alice” continua atual e relevante. “Ela é viva e desafia todo saber instituído despertando a multiplicidade caleidoscópica da metamorfose de tudo o que existe. Um livro de perguntas móveis e mutantes que nos convida a procurar o jardim das inesgotáveis possibilidades criativas que existe em cada um de nós.”
Adriana Peliano
A importância de Alice sempre se renova, seja na arte, na cultura, nas viagens da imaginação... Ela atravessa o surrealismo, a psicanálise, a filosofia, a física quântica, a semiótica, a psicodelia, desafiando nossa necessidade de interpretar, explicar e enquadrar o mundo em categorias e conceitos preestabelecidos
Conquistando leitores dos mais diversos, tanto em termos de faixa etária quanto de gerações, as formas de se ler Alice foram se renovando durante os 150 anos da obra. “A importância de Alice sempre se renova, seja na arte, na cultura, nas viagens da imaginação... Ela atravessa o surrealismo, a psicanálise, a filosofia, a física quântica, a semiótica, a psicodelia, desafiando nossa necessidade de interpretar, explicar e enquadrar o mundo em categorias e conceitos preestabelecidos”, diz Adriana.
A diretora da Sociedade Lewis Carroll do Brasil destaca que a obra, ao ser lida e relida, sempre apresenta novos caminhos e possibilidades, desde que o leitor “cultive internamente a ardente curiosidade e a busca pela diferença que Alice encontra em si mesma durante sua viagem”. Adentrando no campo filosófico, lembra que o clássico remete à lógica aristotélica, “convidando o paradoxo e o nonsense a desafiar o racionalismo, o bom senso e o senso comum, assim como as categorias e formas fixas do pensamento. Ela vai pouco a pouco perdendo as suas referências e conceitos sobre o tempo, a identidade, a lei, a linguagem, a moral, a lógica, a realidade, a consciência e o sentido. Ao perder essas referências, somos todos convidados a nos reinventar”.
Tudo isso, evidentemente, acabou por, além de conquistar leitores e fãs, também influenciar grandes escritores. A própria Adriana se lembra de uma carta que Paulo Mendes Campos escreveu para Maria da Graça, sua filha, na qual dizia sobre a obra: “esse livro é doido, o sentido está em ti! Esse mundo também é doido, que sentidos estão em ti?”.
Outro grande admiradora da personagem era o argentino Jorge Luis Borges, bem como o russo Vladimir Nabokov, que atribuía a Alice certa inspiração para a sensualidade de “Lolita”. Para ficarmos apenas em mais um exemplo, no box da Cosac Naify há um texto de Virgínia Woolf, até então inédito no Brasil, no qual a escritora defende que “apenas Lewis Carroll nos mostrou o mundo de ponta-cabeça, como uma criança o vê, e nos fez dar risada como uma criança dá risada, irresponsavelmente.”
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