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Filão religioso vende 70 milhões de livros por ano e atrai grandes editoras

O livro "Ágape", do padre Marcelo Rossi, que já vendeu 10 milhões de exemplares - Divulgação
O livro "Ágape", do padre Marcelo Rossi, que já vendeu 10 milhões de exemplares Imagem: Divulgação

Rodrigo Casarin

Do UOL, em São Paulo

19/05/2015 06h00

Recentemente, a editora Planeta firmou uma parceria com a editora da comunidade religiosa Canção Nova e passará a publicar obras voltadas para os católicos. A Planeta já havia anunciado em meados de 2014 o selo Pórtico, destinado ao público evangélico. No começo deste ano, a HarperCollins, uma das gigantes do mercado editorial mundial, também entrou no segmento de livros do gênero no Brasil ao comprar a maior parte da editora Thomas Nelson.

A aposta nesse nicho deverá fomentar ainda mais um setor que já movimenta, segundo pesquisa Fipe de 2013, feita em parceria com a Câmera Brasileira do Livro (CBL) e o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel), R$ 500 milhões por ano no país, com a venda de mais de 70 milhões de exemplares –números que, sem dúvida, devem ser muito maiores, pois os próprios organizadores do levantamento admitem que muitas editoras do setor permanecem desconhecidas ou preferem não revelar suas vendagens.

Além disso, do filão religioso surgem best-sellers que extrapolam esse tipo de público, sendo vistos como de autoajuda, com autores como os padres Marcelo Rossi (que já vendeu mais de 10 milhões de exemplares de seu “Ágape”) e Fábio de Melo ou a sacerdote budista monja Coen. Também entram no balaio nomes e títulos que historicamente são campeões de vendas, como o espírita Chico Xavier e a Bíblia.

À margem do mercado convencional

Segundo André Fonseca, editor da Planeta responsável pela Pórtico e a parceria com a Canção Nova, os livros religiosos estão inseridos em um mercado ainda invisível aos olhos do meio editorial convencional. “Há um viés comercial que desconhecemos, com lojas específicas que faturam milhões, com autores que vendem muito, mas o [portal sobre o mercado literário] PublishNews não vê, a CBL [Câmara Brasileira do Livro] também não consegue acompanhar.”

São editoras e livrarias pequenas, médias e grandes, que têm ligação com ordens religiosas e focam um público totalmente específico, seja ele cristão, evangélico ou fiel a qualquer outra crença. Exemplificando, Fonseca cita a editora CPAD (Casa Publicadora das Assembleias de Deus), do Rio de Janeiro. Trabalhando com títulos que vão desde obras gerais até apostilas para a formação de líderes e pastores, segundo o editor, a CPAD tem faturamento semelhante a lojas de grandes redes, como a Cultura e a Saraiva.

Fleischner

  • As redes sociais são fundamentais para a divulgação, mas a venda efetiva, em grande medida, ocorre em lojas físicas e eventos. Estimamos que apenas de 7% a 10% das vendas sejam on-line. De maneira geral, a distribuição ocorre no próprio canal religioso formado por distribuidores e livreiros evangélicos, igrejas e eventos

    Renato Fleischner, diretor da editora Mundo Cristão

“O mercado cristão é pouco profissionalizado, mas é altamente rentável. Também existem grandes distribuidores que trabalham com esse tipo de conteúdo, como a Distribuidora Aliança, que vende para o país inteiro”, explica Fonseca atendo-se ao público-alvo da Canção Nova, que, além de selo editorial, é ministério, rede de televisão e possui uma espécie de império em Cachoeira Paulista, no interior de São Paulo.

Como outras editoras do segmento, a Canção Nova cresceu vendendo seus produtos –não apenas livros, mas também CDs, DVDs, terços, santinhos...—por meio de catálogos, que são, em alguns casos, os mesmos utilizados para a comercialização porta a porta de cosméticos. Agora, com a parceria com a Planeta, a Canção ganha força para entrar nas grandes redes de livrarias. “Eles tinham problema de penetração, distribuição, não dominavam o trabalho de marketing dentro das lojas, a compra de espaços, tudo isso”, diz o editor, citando algo comum a grande parte das editoras religiosas: a falta de conhecimento de como funciona o mercado editorial comum.

Vasto conteúdo

O conteúdo dos livros religiosos pode ser tão vasto quanto uma pesquisa sobre o ateísmo na obra de C. S. Lewis, autor de “As Crônicas de Nárnia”, estudos acadêmicos sobre as religiões afrodescendentes ou uma simples parábola que remete a passagens bíblicas.

Entrando no meio das publicações destinadas ao público evangélico, as obras costumam ter perfis diferentes de acordo com as igrejas às quais estão ligadas. No Brasil, o meio é hoje dividido em três grandes ramificações: as Igrejas Históricas, as Pentecostais e as Neopentecostais (veja mais informações no box). É do último grupo citado que costumam surgir líderes polêmicos, que pregam intolerância contra outros grupos religiosos. Por isso, muitos imaginam que o conteúdo dos livros ligados ao segmento neopentecostal tenham esse tipo de conteúdo.

Renato Fleischner, diretor da Mundo Cristão e membro da Associação das Editoras Cristãs, não descarta essa possibilidade, mas faz uma importante ponderação. “As principais editoras do segmento sabem das implicações legais de publicar material com viés discriminatório, mas o mercado editorial evangélico também é composto por obras produzidas no sistema de autopublicação [publicação independente on-line]. Neste caso, podem realmente ocorrer abusos.”

André Fonseca

  • O mercado cristão é pouco profissionalizado, mas é altamente rentável

    André Fonseca, editor da Planeta

A Mundo Cristão, que vendeu cerca de 2,5 milhões de livros em 2014, aliás, é uma exceção dentre as editoras de obras religiosas e marca forte presença no meio digital, tendo todos os seus lançamentos também publicados em e-book. Não que isso, necessariamente, reverta-se em grandes vendas pela internet. “As redes sociais são fundamentais para a divulgação, mas a venda efetiva, em grande medida, ocorre em lojas físicas e eventos. Estimamos que apenas de 7% a 10% das vendas sejam on-line. De maneira geral, a distribuição ocorre no próprio canal religioso formado por distribuidores e livreiros evangélicos, igrejas e eventos. Neste aspecto, a Mundo Cristão é exceção, pois cerca de 30% de nossas vendas ocorrem em canais não religiosos”, explica o editor, dando um novo exemplo para o cenário já exposto anteriormente.

Fleischner lembra também o número de Bíblias vendidas no país. Segundo ele, as evangélicas, com sete livros a menos do que as católicas (saem Tobias, Judite, Macabeus 1 e 2, Baruque, Sabedoria e Eclesiástico) vendem atualmente 9,5 milhões de exemplares por ano, sendo que, desde 1950, mas de 120 milhões de unidades já foram distribuídas.