Pintor expõe em São Paulo telas com críticas a corrupção, Cuba e violência
Uma pintura que retrata uma torre de metal cercada de cobras, demônios e pastas onde se lê “petróleo do petezão”. Outra que mostra pessoas agonizando e lutando pela vida em frente à boate Kiss, que pegou fogo em 2013, na cidade de Santa Maria (RS). E ainda outra que traz o ditador Fidel Castro sentado sobre um moedor de carne que tritura corpos de cubanos, enquanto ele conduz, acorrentados, profissionais do programa Mais Médicos.
“A arte precisa incomodar. Se não for a arte para chacoalhar as pessoas, nada vai”, disse ao UOL o autor dessas obras, o pintor primitivista Waldomiro de Deus, 71 anos, cujas telas estão expostas na mostra gratuita "O Senhor dos Pincéis - 71 anos de Waldomiro de Deus", que permanece até o dia 16 de abril no Conjunto Nacional, em São Paulo.
O artista de 50 anos de carreira já teve seus trabalhos expostos em países como Bélgica, Espanha, França, Israel, Itália, Suíça, Eslováquia, Dinamarca, Alemanha, Itália, Uruguai, Estados Unidos, Inglaterra e Japão, além de ter participado da 9ª Bienal de São Paulo em 1967 e já ter realizado 70 exposições individuais.
Waldomiro
Muita gente tira foto dos quadros com tema da corrupção para colocar na internet como forma de protesto também.
No Conjunto Nacional, Waldomiro de Deus se mostra entusiasmado e puxa a reportagem pelo braço, indo de quadro em quadro e esmiuçando, com gestos largos, cada detalhe das pinturas. “Essa aqui é sobre o crack, que destrói tantas vidas jovens”, diz diante da tela "O Mundo Maligno do Crack". “Aqui mostro a inflação subjugada”, diz, ao explicar o quadro "A Queda da Inflação", que mostra um monstro preso a correntes, usando um chapéu que traz uma nota de R$ 1. “Cultura para mim é uma questão de segurança pública, porque um povo sem cultura só pode ser violento”, continua em frente à sangrenta obra “Chacina”.
Em meio às explicações que dá ao UOL, Waldomiro cumprimenta empolgado as pessoas que param para olhar sua exposição, apertando suas mãos e as incluindo na conversa.
Pisando nos calcanhares
Segundo o artista, seu trabalho tem “pisado nos calcanhares das pessoas”. “Muita gente tira foto dos quadros com tema da corrupção para colocar na internet como forma de protesto também”, disse. “Tem gente que não gosta. Uma professora que veio aqui disse que eu só falo do PT, o que não é verdade. A corrupção da qual eu falo nos meus quadros engloba todos os partidos.”
Waldomiro também critica o que considera ser uma tendência “de ficar em cima do muro” da classe artística atual. “A classe artística me parece muito parada. Não se esforça para tirar as pessoas dessa letargia. Me parece um bando de comprados e adormecidos. Ao longo da minha carreira eu tive apoio do Ministério da Cultura, mas não é por isso que eu vou deixar de criticar o governo se eu vejo algo errado.”
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A arte não é complicada. É só expressar o que você sente na tela. Quem complica são as pessoas.
Outra pintura controversa do artista é “Cuidado! Brasil a Caminho do Comunismo”, que apresenta integrantes de movimentos de trabalhadores sem-terra às margens de uma rodovia, erguendo bandeiras do PT, de Cuba e de Venezuela. “O mundo inteiro já deixou para trás essa história de comunismo, mas até hoje tem espertalhões que se aproveitam desse povo simples. Deviam orientar esse povo a estudar, aprender uma profissão, mas só o usa como massa de manobra em assentamentos”, critica.
“Um tempo atrás, se você me perguntasse de Cuba, eu ia lhe dizer maravilhas”, argumenta Waldomiro. “Mas fui lá ano retrasado em um encontro de artistas e vi duas Cubas. A Cuba dos turistas era uma maravilha: hotel de luxo com 60 pratos no cardápio. Mas eu vi a miséria de gente em filas enormes para conseguir um pedaço de pão e ouvia muito as pessoas me alertando ‘cuidado com o que você fala, pode ter alguém ouvindo’.”
Encontro com Deus
Segundo Waldomiro, sua principal inspiração para a arte é Deus, mas nem por isso os religiosos escapam de suas críticas. “Tem uns que se acham os donos da verdade, os únicos certos. Eu vejo só amor e misericórdia entre Deus e os homens e nenhuma igreja no meio. E como podem esses pastores pregar a palavra de Jesus sendo bilionários? Será que estão seguindo os seus ensinamentos? Para mim, estão mais preocupados em enriquecer e criar fanáticos.”
A trajetória do artista, que nasceu no sul da Baía e foi morador de rua até encontrar a arte, sempre chamou atenção e causou polêmica. Nos anos 1960, por exemplo, Waldomiro saiu andando de minissaia pelas ruas. “A vendedora de uma loja disse que duvidava que eu vestisse a minissaia. Eu não só vesti como fui andando da rua Augusta até o viaduto do Chá. Gritavam que eu era bicha e nem liguei”, conta.
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A classe artística me parece muito parada. Não se esforça para tirar as pessoas dessa letargia. Me parece um bando de comprados e adormecidos.
Waldomiro causou uma controvérsia ainda maior naquela mesma década quando pintou um quatro que retratava Nossa Senhora usando minissaia. “Os eclesiásticos ficaram malucos, até ameaçaram cortar a tela em uma exposição em Santos. Cheguei a ser perseguido por padres na rua.”
Ainda segundo o artista, ele “encontrou Deus” em uma viagem para expor em Israel, nos anos 1970, e isso definiria o tema de muitas de suas obras. “Os organizadores me deixaram hospedado em um convento. Eu me vestia de um jeito espalhafatoso naquela época e acho que as freiras tinham medo de mim, mal falavam comigo. E um dia, perambulando, fui a um templo que tinha uma imagem de Jesus Cristo, eu estava vestido igual ao Jimi Hendrix, e pedi um sinal. Na hora eu senti uma luz azul clara cair sobre mim e a presença de Deus.”
Além das críticas bem diretas presentes na fase atual de sua obra, Waldomiro também criou diversos quadros com interpretações da Bíblia, do folclore, do futebol e até mesmo pinturas com ares de ficção científica, mostrando brasileiros indo à Lua. “A arte não é complicada. É só expressar o que você sente na tela”, diz. “Quem complica são as pessoas.”
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