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Abramovic conta que professores cuspiam nela por não entenderem sua arte

17.jan.2013 - Marina Abramovic em visita o Sesc Pompeia antes de sua exposição que começa neste ano - Reprodução/Sesc
17.jan.2013 - Marina Abramovic em visita o Sesc Pompeia antes de sua exposição que começa neste ano Imagem: Reprodução/Sesc

Flavia Guerra

Do UOL, em São Paulo

09/03/2015 20h28

"Eu gostaria que  vocês, que fizeram hoje o Método,  dissessem em uma palavra ou duas o que sentiram”, indagou a artista performática sérvia Marina Abramovic sobre o método que criou e pelo qual cerca de 70 jornalistas passaram antes de participarem da conversa entre ela e a imprensa na tarde de segunda-feira (9).

O evento marca a abertura da  exposição "Terra Comunal – Marina Abramovic + MAI", a mais abrangente retrospectiva de sua obra na América do Sul. Mostrando que não é por acaso que sua figura nunca passa por algum lugar sem deixar marcas, Marina não se ateve a responder perguntas, mas foi propositiva e incisiva.

A artista lembrou que, desde que iniciou sua carreira como artista performática, sofreu por não ser entendida por seus professores – “eles cuspiam em mim”-, seus pais chegaram a questionar a educação que deram a ela e pensaram até em mandá-la para um hospital psiquiátrico. 

Inclusive falou sobre a responsabilidade de ter se tornado uma celebridade capaz de influenciar até mesmo astros como Lady Gaga. “Não me vejo como uma celebridade. Isso que é importante. Estou sempre aberta às pessoas, a falar com elas, a ter contato. Mas absolutamente tiro vantagem desta posição. Lady Gaga tem 45 milhões de seguidores nas redes sociais. Qualquer coisa que ela faz, eles a copiam. E agora ela está indo à Marina Abramovic, faz este workshop, não está tomando drogas. Isso foi uma surpresa para as pessoas. E assim elas decidiram começar a seguir o Instituto Marina Abramovic (MAI). É isso que tenho a dizer sobre ‘ser uma celebridade’”, disse.

Quando ouviu que passar pelo método poderia ser comparado a uma dinâmica de yoga, Marina rebateu: “A diferença entre yoga e o método é o contexto. Não se trata de uma aula, mas de uma dinâmica realizada em um espaço artístico. Se você estiver em uma padaria fazendo um pão, você não é um artista. Mas se fizer este pão aqui na galeria, então você pode estar fazendo arte.” Foi exatamente o contexto do Sesc Pompeia o fator decisivo para a artista escolher o local como sua casa nos próximos meses.

Abramovic

  • Divulgação

    A diferença entre yoga e o método é o contexto. Não se trata de uma aula, mas de uma dinâmica realizada em um espaço artístico. Se você estiver em uma padaria fazendo um pão, você não é um artista. Mas se fizer este pão aqui na galeria, então você pode estar fazendo arte

    Marina Abramovic, ao ouvir de um jornalista que seu método lembrava uma aula de yoga
“Foi muito importante fazer esta exposição no Sesc. Quando o vi, gostei muito dele, da forma como Lina Bo Bardi o fez. Tem uma visitação muito grande, vêm famílias, pessoas para ler jornal, comer, ver as mostras. Não são só frequentadores do jet set do mundo das artes. O título 'Terra Comunal', que pode ser entendido em qualquer idioma, tem tudo a ver com isso”, explicou a artista.

Desta vez, ela não participa de nenhuma performance direta com o público como fez em 2010 em "O Artista Está Presente", no MoMa em Nova York. Naquela ocasião, sua performance mais conhecida era uma em que a artista se sentava em uma cadeira e ficava em silêncio encarando o visitante por cinco minutos. Agora, ela vai participar de apenas oito bate-papos com o público e realizar pequenas performances durante eles.

A exposição é dividida em  "Terra Comunal – Marina Abramovic", a retrospectiva, e "Terra Comunal – MAI", a mais abrangente experiência aplicada até hoje por seu instituto, com aplicação do Método Abramovic junto ao público que se inscrever para passar pela dinâmica durante duas horas, como uma preparação para, então, apreciar a exposição de diversas de suas obras, instalações, mostra de objetos e performances de artistas como como Ayrson Heráclito,  Fernando Ribeiro, Grupo Empreza, Maikon K , Marco Paulo Rolla, Maurício Ianês, Rubiane Maia e Paula Garcia.

Volta ao Brasil
 
Sobre sua volta ao país, ela comentou estar extremamente feliz. “Venho aqui desde os anos 80, mas esta vez é diferente porque esta mostra é muito complexa, grande e em lugares diferentes. É diferente porque, ao contrário de outros expositores que vêm aqui, expõem suas obras, fazem um jantar e depois vão embora, eu vou ficar. E aqui vai ser um grande laboratório”, respondeu quando indagada por que considerava "Terra Comunal" diferente de tudo que já fez.

“Um monte de coisa acontecendo ao mesmo tempo. As pessoas poderão vir ver as palestras, fazer o método, os artistas brasileiros que estarão aqui. Arte se tornou uma comoditie, o mercado está tomando conta da arte. É muito importante mostrar meu trabalho aqui, onde ele faz parte do dia a dia.

A artista, que chegou ao Brasil há pouco mais de duas semanas e permanece no País até o final da mostra, em maio, afirmou que criou o método a partir de experiências que acumulou durante toda a vida, de técnicas de meditação ao xamanismos brasileiro. Tudo para criar no público um estado de espírito de quietude, concentração e sensação de estar presente.  

 

“Hoje em dia a tecnologia tirou todo o nosso tempo. Estamos o tempo todo enviando sms, falando ao telefone, no computador. Não temos mais tempo para nós. Só a ação de abrir o armário, colocar o celular, deixar o relógio lá dentro, dá tempo a você mesmo”, disse.

“É uma volta à simplicidade, movimentos simples da humanidade, como andar, sentar, caminhar, deitar, ficar em pé. E qualquer coisa que vocês possam levar daqui vai poder ser usada na vida diária, vai ser bom. A responsabilidade de um artista hoje em dia, com a vida corrida que levamos, é também a de levar atenção a tudo que estamos perdendo.”