Escritora italiana que vive no anonimato será publicada no Brasil em 2015
O nome de Elena Ferrante ainda não representa muita coisa no Brasil. Poucos são os que a conhecem por aqui, mas a moça faz barulho no exterior há algum tempo. Foi apontada pelo jornal “The New York Times” como uma das grandes escritoras contemporâneas, obtém sucesso de crítica e público onde suas obras são lançadas e coleciona elogios de nomes como o inglês James Wood, um dos críticos literários mais importantes da atualidade, e Jhumpa Lahiri, escritora britânica que esteve na Flip deste ano.
Contudo, um grande mistério envolve a autora: ninguém sabe que a criou. Não é possível dizer se há um escritor, uma escritora ou algum coletivo por trás de Elena. Não é possível negar que ela seja o pseudônimo de alguma celebridade das letras. Só sabemos que Elena Ferrante vem da Itália. Perguntada se sabe algo além disso, a tradutora Maria Baiocchi, que transpôs para o idioma italiano nomes como o sul-africano J. M. Coetzee e o brasileiro Cristovão Tezza, respondeu: “Não, não sei. Ninguém sabe, nem mesmo na Itália. Não sei se é homem ou mulher. Só sei que [o que escreve] é muito bom”.
Esse mistério literário deverá causar algum barulho por aqui em 2015, quando o Biblioteca Azul, selo de prestígio por meio do qual a Globo Livros publica autores como Marcel Proust e Fernando Pessoa, lançará no país a tradução de “L'Amica Geniale”. A previsão é para o final do primeiro semestre.
A obra inaugura uma série de quatro volumes --a promessa é que o último saia na Itália em setembro de 2015-- que cobre mais de cinco décadas da amizade entre Lila Cerullo e Elena Greco, as principais personagens da saga, na qual a autora lida com questões políticas de seu país, principalmente da região de Nápoles, dominada pela máfia.
Uma Clarice Lispector italiana?
O livro sairá em breve também em Portugal, com o título de “A Amiga Genial”, pela Relógio D'Água, editora que, da autora, já publicou “Crónicas do Mal de Amor”. Francisco Vale, editor da Relógio, considera Elena “uma grande autora pelos temas e pelo estilo”, que define como “despojado e contidamente irônico”. Por essa linha, Vale crê que seja possível compará-la com o que Clarice Lispector, principalmente pela introspecção e pelo modo com o qual a brasileira explorava o psicológico dos personagens.
A crítica literária Isabel Lucas, também portuguesa, faz uma análise semelhante à do editor. “[Quando a li] me lembrou, de imediato, Clarice Lispector. Talvez pelo desespero, pela nostalgia, por uma angústia no feminino. E ao mesmo tempo pela crueza da linguagem, próxima de uma poesia meio desalmada. Não sei se se pode chamar assim ou se dizer assim, mas ocorre-me. E talvez, por isso mesmo, me lembra também Sylvia Plath”.
De volta ao mistério, a opção pelo anonimato de quem está por trás da autora se deve principalmente à vontade de se manter sob discrição. Antes de publicar “L'Amore Molesto”, seu primeiro livro, de 1992, Elena escreveu ao seu editor uma carta na qual dizia acreditar que seus livros, após serem escritos, não precisavam mais do autor. “Se eles tiverem algo a dizer, mais cedo ou mais tarde eles encontrarão leitores”, dizia o texto. Também explicava que via no anonimato a melhor alternativa para preservar sua liberdade criativa.
isabel
Não acredito que seja um homem, pelo modo como [Elena Ferrante] conhece o feminino
Elogios e mais elogios
O ritmo da autora é bastante inconstante. Após a estreia, Elena ficou dez anos sem publicar. O silêncio foi quebrado por “I Giorni Dell'Abbandono”, seguido por “La Frantumaglia”, de 2003. Depois de mais três anos sem novidades, o retorno ocorreu em 2006, com “La Figlia Oscura” e, em 2007, com “Ayaam Al-Hijraan” e “La Spiaggia di Notte”. Depois, só em 2011 publicou o primeiro volume da tetralogia “L'Amica Geniale”, sendo que o segundo veio em 2012 e o terceiro em 2013.
Ao ler “Crónicas do Mal de Amor” (que reúne traduções de “L'Amore Molesto”, “I Giorni Dell'Abbandono” e “La Figlia Oscura”), Isabel ficou impressionada com a autora pelo “cuidado, a erudição e o saber, ou intuir muito bem, o que é a essência humana, em qualquer estrato social. É, aliás, quando fala das mulheres mais pobres ou desprotegidas do sul da Itália que consegue os melhores momentos, ser pungente”. Segundo a crítica, o estilo chama atenção pela “contenção com que narra o estar em desequilíbrio, o silêncio a pontuar a dor”. Por fim, Isabel define Elena como “um dos grandes nomes das letras europeias atuais”.
E os elogios também vêm de quem leu a autora em inglês. Escrevendo para a revista “The New Yorker”, James Wood considerou os romances de Elena “intensos e violentamente pessoais”. Também ressaltou o quanto questões contemporâneas relativas às mulheres estão presentes nas obras de Elena, como o conflito entre o trabalho e a maternidade.
Já a escritora Meghan O'Rourke, em um longo ensaio para o jornal inglês “The Guardian”, vai além. “Seus livros relatam os conflitos de mulheres inteligentes (professoras, escritoras) […] que se encontram confrontando suas memórias de violência bruta e misoginia de suas juventudes”. Meghan ainda define os romances de Elena como “táteis e sensuais, viscerais e vertiginosos” e a compara com ninguém menos do que o tcheco Franz Kafka. “Ler um romance de Ferrante é sentir como se Kafka tivesse escrito uma novela na qual Gregor Samsa [protagonista de “A Metamorfose”] não virasse um inseto, mas estivesse constantemente consciente em seu interior da sua situação como inseto.”
Só resta saber quem é que sorri ao ver esses elogios sendo atribuídos a Elena Ferrante.
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