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Valentina Rosselli, mulher mais sexy dos quadrinhos, ganha biografia

Capa de "Valentina - Biografia de uma Personagem", HQ de Guido Crepax - Divulgação
Capa de "Valentina - Biografia de uma Personagem", HQ de Guido Crepax Imagem: Divulgação

Rodrigo Casarin

Do UOL, em São Paulo

18/11/2014 06h00

 

Valentina Rosselli é apontada por muitos como a mulher mais sexy dos quadrinhos. De cabelos escuros, sempre com corte chanel, olhar penetrante e lábios carnudos, a musa, criada sob inspiração da atriz Louise Brooks, começa a ter sua história remontada no Brasil pela L&PM. A editora recentemente lançou “Valentina – Biografia de uma Personagem”, que revela as origens da moça por meio de quatro histórias publicadas entre 1965 e 1966, sendo três delas (“Intrépida Valentina”, “Intrépida Valentina de Papel” e “A Curva de Lesmo”) até então inéditas no Brasil.
    
“A mais erótica, elegante, estilosa e invocada das heroínas de HQ do planeta. Uma das minhas ex-mulheres, Adriana, do Recife, a tatuou lindamente nas costas. Uma Valentina portando outra”, é assim que o escritor Xico Sá, fã íntimo e confesso dos quadrinhos eróticos, define Valentina, a clássica personagem do quadrinista italiano Guido Crepax. “Desejo casamento imediato [com ela], mas também não me furtaria a uma aventura rápida, embora corresse o risco de sair arrasado de tanta paixão”, derrete-se Xico.

Fotógrafa de profissão, em suas histórias Valentina transita entre o real e o onírico, onde costuma explorar suas fantasias sexuais. Tendo sido publicada até 1995, sempre foi uma mulher à frente de seu tempo, seja pela sua independência, seja pela bissexualidade e abertura sexual. Enquanto diz ficar nervoso só de pensar nela e elogia a elegância e a modernidade da personagem, Xico também lembra que Valentina foi “muito além dos quadrinhos. Ela exerce muita influência entre as mulheres, é uma revolucionária dos costumes e do erotismo como poder de mudar o mundo”.

No prefácio de “Valentina – Biografia de uma Personagem”, o escritor italiano Miro Silveira mostra as dimensões que a moça tomou. “Valentina, com suas histórias onírico-erótico-existenciais, ainda hoje é tão moderna que jamais envelhece. Como o melhor dos clássicos, no novo milênio ela conseguiu superar seu criador, matando-o para viver para sempre, como uma Anna Karênina ou uma Madame Bovary”.

Cena da HQ "Valentina - Biografia de uma Personagem" - Divulgação - Divulgação
Cena da HQ "Valentina - Biografia de uma Personagem"
Imagem: Divulgação
A criação

As fantasias de Valentina são, em algumas oportunidades, inspiradas em obras clássicas como “Alice no País das Maravilhas”, de Lewis Carroll, e “O Intrépido Soldadinho de Chumbo”, de Hans Christian Andersen. Se esse tipo de referência fica explícita na própria narrativa,  características mais sutis do trabalho do quadrinista ficam evidentes graças às notas que acompanham o livro, assinadas por Luisa e Antonio Crepax, esposa e filho de Guido.

São intervenções do tipo “Em 'A curva do Lesmo', a primeira história da série, realizada e ambientada em 1965, Valentina tem 23 anos. Querendo dar ao personagem uma consistência real, contextualizada cronologicamente, Guido reconstruiu nessa história os anos anteriores da vida de Valentina. Não só a infância do personagem, mas – caso único no mundo dos quadrinhos – também o momento do nascimento, ocorrido em 25 de dezembro de 1942 [em Milão]”, escreve Luisa. Ou “Em 1943, o engenheiro Rosselli, pai de Valentina, volta para casa após a campanha da Rússia. Aqui, meu pai cometeu um erro que só percebeu depois de publicar: não lhe ocorreu que Rosselli, como judeu, jamais se alistaria no exército fascista”, observa Antonio.

Ambos ainda revelam como alguns detalhes de Valentina são inspirados na própria família Crepax. A personagem, quando jovem, é apaixonada por quadrinhos do Flash Gordon, Fantasma e Mandrake, bem como seu criador. Valentina, em determinado momento, sofre de anorexia e frequenta o liceu clássico de Berchet, tal qual Luisa. As notas também contam que o quadrinista costumava consultar velhos catálogos de venda por correspondência para criar os ambientes de suas histórias e que, ao compor cenas de festas ou grandes reuniões, misturava pessoas reais com seus personagens.

Cena da HQ "Valentina - Biografia de uma Personagem" - Divulgação - Divulgação
Cena da HQ "Valentina - Biografia de uma Personagem"
Imagem: Divulgação
O criador


Valentina surgiu como coadjuvante na revista “Linus” - publicação dos anos 1960 voltada para o público adulto -, mas, por conta de sua popularidade, cresceu e se tornou a protagonista das narrativas.

Mas não é somente por conta de dela que Crepax, que nasceu em 1933, formou-se em arquitetura, atuou como publicitário e faleceu em 2003, é apontado como um dos maiores nomes das HQs eróticas do mundo. “De Sade, Crepax tomou anos atrás o personagem de Justine e lhe deu visualidade num excelente livro, mas também suas Biancas e Emanuelles, além de 'A História de O' [adaptação que fez da obra de Pauline Reage], tornaram-se clássicos dos quadrinhos, nos quais relações pouco recatadas e muito licenciosas obrigaram suas protagonistas, finamente desenhadas com traço negro elegante, a explorar sua explícita bissexualidade”, enumera Silveira. “Talvez Guido Crepax, com sua habilidade em traduzir fantasias, tenha sido realmente um dos primeiros a explorar muito bem o tema, sem vulgaridade, nos quadrinhos”, continua o autor do prefácio.

É evidente que os quadrinhos eróticos contam com outras musas. O próprio Xico lembra das “gostosas do [Milo] Manara, incluindo Gullivera e Bórgia”, de “Maria Erótica”, “quadrinho nacional que enfrentou a ditadura e tudo” e das “ fartas mulheres de verdade da Giovanna Cassotto; Barbarella; Druuna...”. Entretanto, é mesmo a Valentina que se entrega. O escritor há pouco lançou “O Livro das Mulheres Extraordinárias”, no qual dedica breves textos a musas nacionais – dentre elas Rê Bordosa, criada por Angeli. Caso fizesse o mesmo focando mulheres estrangeiras, diz que a presença da personagem de Crepax seria obrigatória. “A Valentina me serve sempre de inspiração para escrever as crônicas de amor louco pelas mulheres. São Paulo é rica em Valentinas, moças com suas botas e cabelo à moda da nossa heroína”, argumenta.

Até o final de 2015, a L&PM lançará mais cinco títulos reunindo histórias de Valentina, sendo que os próximo serão “Valentina – O Subterrâneo”, “Valentina – Contos Robóticos” e “Valentina – Trilogia de Baba Yaga”. Os outros dois, “Valentina - Relazioni Pericolose” e “Valentina - Stori di Extraordinaria Folia”, ainda não tiveram os títulos vertidos para o português.

"Valentina – Biografia de uma Personagem"
Autor: Guido Crepax
Tradutor: Federico Carotti
Editora: L&PM
Páginas: 152
Preço: R$36,90