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HQ mostra história real do "James Bond russo" da Segunda Guerra

Capa da HQ "Sorge - O Espião", de Isabel Kreitz - Divulgação
Capa da HQ "Sorge - O Espião", de Isabel Kreitz Imagem: Divulgação

Guilherme Solari

Do UOL, em São Paulo

31/10/2014 14h59

O criador de James Bond Ian Fleming disse que considerava o agente soviético Richard Sorge como "o mais formidável espião da história". De fato, a trama real de Sorge pode não ter explosões ou cientistas malucos como as de 007, mas ela tem romances tórridos, festas que se arrastam madrugadas adentro em Tóquio, e o próprio carisma de  Sorge, um homem que dirige como louco e se envolve amorosamente como se não houvesse amanhã. Um homem que é considerado um dos principais elementos para que Hitler tenha perdido a Segunda Guerra Mundial.

A HQ "Sorge - O Espião" (Venetta) mostra esse agente bem distante do estílo "cool" de James Bond. Sorge foi um alcoólatra bon vivant de grande magnetismo pessoal e obcecado em espalhar o comunismo pelo mundo. Mesmo assim foi perseguido por Stalin devido à ligação com seu rival, Trosky, conforme se infiltrou na comunidade alemã em Tóquio nos anos 1940.

Filho de pai alemão com uma mãe russa, ele lutou pela Alemanha na Primeira Guerra e teve uma juventude de ativismo se unindo ao partido comunista alemão e depois recrutado pelo serviço secreto soviético. Ele iria depois a Xangai e Tóquio, se infiltrando como jornalista nas comunidades alemãs e reportando à Rússia. Ele seria executado em 1944 depois de descoberto e preso pela polícia japonesa.

Na época, o espião soviético foi instrumental em revelar aos soviéticos que o Japão não invadiria a Rússia, fazendo que o país pudesse concentrar suas tropas enfrentando a invasão de Hitler. Se não fosse pela informação de Sorge, a Rússia teria que dividir seu exército vermelho em dois fronts, o que poderia ser decisivo nas acirradas batalhas contra os alemães. Se Hitler tivesse vencido na Rússia poderia se concentrar apenas em rechaçar a invasão dos aliados na Europa.

Arte impecável

Uma das característica que mais chamam a atenção na obra é a técnica da quadrinista alemã Isabel Kreitz. Os desenhos em preto e branco à lápis são belíssimos, com um traço realista e um capricho para detalhes como arquitetura, objetos, roupas, expressões faciais. A artista tem uma capacidade impressionante de recriar as locações e atmosfera da época através de extensa pesquisa de referências visuais.

Há também um uso exímio de sombras, que dão uma noção de profundidade aos quadros. São imagens que poderiam muito bem ser penduradas na parede e admiradas, às vezes na HQ usadas apenas como uma curta transição. Esse detalhismo é característico de Kreitz, conhecida por suas HQs sobre a história da Alemanha.

A história é abordada por um ponto de vista feminino, da maestrina Eta Harich-Schneider, que precisou fugir da Alemanha após deixar uma aluna judia tocar. Ela foge para Tóquio, onde acaba se tornando amante e confidente de Sorge. A perspectiva de Eta dá uma dinâmica humana à trama de espionagem, ela própria uma peça intrigante do período. Ela morreria em 1986 em Viena.

Sorge, essa figura controversa e explosiva, também habita um fascinante universo cosmopolita de Tóquio nos anos 1940. A cidade lembra o filme "Casablanca", um enclave de agentes de diversas nacionalidades, onde um agente alemão pode encontrar um espião britânico em um bar ou na rua. A própria HQ tem diálogos em português, inglês, japonês.

"Sorge - O Espião" pode tratar de um personagem pouco conhecido aos leitores brasileiros, mas seu papel fundamental nos rumos da Segunda Guerra e do século 20, sua fascinante personalidade e a arte detalhista a níveis quase obsessivos de Isabel Kreitz fazem valer a compra.