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Artista brasileiro desenha "almas" em locais abandonados de diversos países

Guilherme Solari

Do UOL, em São Paulo

20/10/2014 07h00

No ano 2000, o brasileiro Herbert Baglione grafitou uma sombra no estacionamento de um supermercado em Porto Alegre e a fotografou. Esse seria o protótipo do que se tornaria o projeto "1000 Shadows" [mil sombras, em inglês], que reúne grafite, fotografia e a relação entre o desenho e a arquitetura.

"Após ter comprado minha primeira câmera fotográfica analógica, minha forma de ver as coisas na rua mudou, porque eu não me interessava somente em pintar algo na parede e tirar foto, queria experimentar novos filmes, ângulos e lugares", contou Baglione ao UOL. "Naquele momento, a fotografia se tornava um novo elemento da leitura e do entendimento, não apenas do meu trabalho, mas principalmente da arquitetura e de todo entorno."

O projeto ganhou repercussão na internet quando Baglione postou fotos do "1000 Shadows" em um manicômio abandonado em Parma, na Itália. "Aconteceu uma espécie de bombardeio psicológico contra mim pelo trabalho que havia feito no manicômio. Dezenas de Italianos indignados pelo fato de eu ter pintado em um lugar completamente abandonado e que deveria ser um patrimônio histórico conservado. Recebi muitos insultos preconceituosos e racistas e isso me motivou a fazer algo maior."

Em agosto, Baglione fez na catedral Notre Dame, da cidade francesa de Celles Sur Belle, o que considera ser o seu trabalho mais importante até o momento: uma instalação sobre o caminho que as almas tomam. Na obra, o artista deixou o grafite de lado e usou outros materiais como folhas para marcar suas sombras.

Na entrevista abaixo, feita por e-mail, o artista conta como começou o projeto "1000 Shadows" e fala dos locais onde realizou intervenções.    

UOL - Qual a proposta do projeto "1000 Shadows"?

Herbert Baglione - Faço as sombras em lugares que acho interessante pintar e fotografar. Este sempre foi o "x" da questão. Mas muita coisa mudou na minha vida, inclusive o fazer e pensar minha arte, a partir das duas viagens que fiz ao México em 2011 e 2013, período em que fiz a exposição "Obituary". Dogmas relacionados aos ritos de passagem estavam ali, na minha frente, e tento digerir toda esse conhecimento até hoje.

Em 2013, pós México, viajei para a Europa e lá recebi o convite de um amigo para ir pintar em um manicômio abandonado de Collorno, região de Parma, Itália. Tínhamos apenas duas horas para trabalhar antes da luz natural baixar, e ali não tive tempo para pensar, apenas deixei fluir sem interferir no mobiliário e objetos.

Minha intenção inicial foi unir as coisas que gosto, como fotografia, pintura e lugares abandonados. Cada lugar tem potencial de esconder um conjunto de histórias, mas o que importa é o olhar de quem observa e interpreta minhas intervenções e não ressaltar as histórias veladas de forma literal.

Como suas sombras mudam de acordo com o local?

Cada lugar aponta como a sombra pode ser feita. Comecei a explorar outros materiais, saindo da pintura e entrando no campo da escultura e instalação, mas o resultado final acaba sendo a fotografia.

Seu trabalho acaba abordando a exploração urbana. Quais problemas você já encontrou em lugares abandonados? Qual foi o lugar mais sombrio que você visitou durante o projeto?

Nestes lugares, sempre há uma mistura de silêncio e tensão, porque nunca se sabe o que se pode encontrar pela frente. Acredito que o subterrâneo do complexo hospitalar (ativo) na cidade de Niort [França] foi o mais denso até agora. Tão sombrio que cheguei ao ponto de não conseguir trabalhar no dia seguinte, mas é hoje um dos trabalho que mais gosto.

Você também tem um trabalho de registros fotográficos em cemitérios, isso também se inclui na sua proposta de "seguir" o caminho da alma após a morte?

Sim, tenho registrado os cemitérios desde que comecei a fotografar. Moro próximo ao Cemitério São Paulo, na rua Cardeal Arco­ Verde, e ali é um dos lugares na cidade que me oferecem o silêncio necessário.

O lugar mais sombrio em que trabalhou, segundo o artista: o subterrâneo do complexo hospitar ativo na cidade de Niort, na França - Divulgação - Divulgação
O lugar mais sombrio em que trabalhou, segundo o artista: o subterrâneo do complexo hospitar ativo na cidade de Niort, na França
Imagem: Divulgação

Como foi o seu trabalho na Notre Dame de Celles Sur Belle?

Esta instalação considero um dos trabalhos mais importantes que fiz até então. É importante ressaltar a conversa que tivemos com o padre em sua casa durante o processo de criação e execução da obra. O padre morou por 15 anos no Acre durante a época da ditadura militar e, além de amar nosso país, guarda profunda admiração por fotografia. Nesta conversa, ele nos mostrou com orgulho sua última aquisição, o livro "Gênesis" do fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado.

De volta a Notre Dame, tive apenas dois dias para fazer o trabalho, fotografar e entregar a igreja como a encontramos, e, para isso, contei com a ajuda do meu irmão e do próprio curador. O tempo era justo porque, no dia seguinte, haveria uma missa de sétimo dia. Durante esses dois dias, deixamos a igreja aberta a visitas para que as pessoas pudessem acompanhar o processo de execução da instalação.

Eu não tenho uma religião ou um deus, mas meu trabalho tem essa característica mais espiritual.