Museu da Maré pode ser desapropriado na véspera do Dia dos Direitos Humanos
Um acervo de mais de 5.000 fotos, uma biblioteca, a reconstrução cenográfica de um bairro (incluindo uma casa de palafita, além de oficinas para crianças) terão de se mudar. O Museu da Maré, onde o material está reunido e onde funcionam serviços à comunidade, não conseguiu renovar o contrato do imóvel onde está instalado há oito anos. O Grupo Libra, da empresária Celina Torrealba Capri, cedeu o espaço gratuitamente para o museu. O acordo chegou ao fim e o despejo está previsto para 9 de dezembro, prazo limite da notificação.
Considerado referência internacional na museologia social, por reunir imagens, depoimentos e objetos pessoais de moradores, a instituição, dedicada à memória da comunidade, ocupa galpões em uma área valorizada pela ocupação militar --que chegou em abril deste ano, com a instalação de uma unidade de Polícia Pacificadora. Os galpões da Avenida Maxwell recebem centenas de visitantes por semana e também presta atendimento a jovens. O museu tem convênios com o governo do estado, a Petrobras e a Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro, que com frequência envia alunos para conhecer a instituição.
Na biblioteca, por meio de um convênio com o governo estadual, trabalha Wagner Belo, de 17 anos, que é bolsista. "Saber que o museu pode fechar foi um impacto para mim. Como sou aluno da oficina de teatro e bolsista, pude conhecer mais sobre a Maré e para mim, o museu fechar, significa acabar a cultura da Maré, isso aqui é uma referência para todo mundo", disse.
A data prevista para a saída do museu é simbólica pois antecede o Dia Internacional dos Direitos Humanos, comemorado em 10 de dezembro. Para os diretores, a coincidência é uma contradição. O local, argumentam, é uma alternativa de cultura, educação e lazer. "O museu faz com que o morador conheça, crie vínculos e valorize sua história e seu território. O Museu da Maré faz isso: faz com que a pessoa se sinta parte da cidade e não à margem dela", explica o coordenador Luiz Antonio de Oliveira. Ele acredita que o contrato de cessão dos galpões não foi renovado porque houve aumento no preços de imóveis na área, depois da ocupação militar.
"São anos de construção, feita pelos próprios moradores. A cada exposição as pessoas vêm rever sua história. Tirar o museu daqui significa ameaçar a identidade dos moradores". Outro agravante, diz, é fechar o museu ao longo da ocupação militar. "Trocar o Museu da Maré por tanques de guerra é um retrocesso", acrescenta a comunicadora comunitária da Maré, Gizele Martins.
Para encontrar uma solução, a comunidade organiza o movimento Museu da Maré Resiste com protestos, tuitaços, visitas e abaixo-assinados que mobilizam mais de 2.000 pessoas. A comunidade tenta também envolver o poder público. Para moradores e diretores, a transferência do museu de lugar não resolve o problema. "Essa localização [dos galpões] é simbólica na Maré. Aqui funcionava um pequeno porto, que escoava a produção de engenho que existia, passava por aqui um fluxo de comércio. É um lugar marcante na nossa história", explicou Luiz Antonio.
Especialistas sugerem que, entre as soluções para o museu, estariam a permuta da área dos galpões por outra, entre a prefeitura e o Grupo Libra, mas não descartam o tombamento do prédio e do acervo, que pode culminar com a desapropriação do imóvel, por interesse social. Por enquanto, a prefeitura analisa tombar apenas o acervo. Já o Ibram (Instituto Brasileiro de Museus), preocupado com a referência que representa o museu, tenta sensibilizar os empresários.
"Enviamos um ofício para eles explicando que vemos com interesse esses pontos de memória, o empenho na referência, no registro e na documentação", disse o presidente, Angelo Oswaldo. Ele conta que em 2013, durante um congresso mundial de museus, no Rio, o Museu da Maré foi o mais procurado. "Ele é reconhecido amplamente como referência hoje no Brasil". A empresa ainda não respondeu ao Ibram e também não atendeu a Agência Brasil.
O próximo evento de resistência do Museu da Maré Resiste está previsto para 18 de outubro, com concentração marcada para às 15h, na sede da instituição, na Avenida Guilherme Maxwell, 26.
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