Bienal mostra amor das pessoas ao livro, mas precisa se atentar a problemas
Pouco antes da 23ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo chegar ao seu fim neste domingo, a organização divulgou algumas informações sobre o evento. A projeção é que, ao longo de dez dias, 720 mil pessoas tenham passado pelo Pavilhão de Exposições do Anhembi – 30 mil a menos do que na última edição. Se esse dado pode apontar para uma possível perda de interesse da população pela feira, a prática mostra o contrário.
No sábado, dia 24, pessoas passaram a noite acampadas na porta do Anhembi para conseguir um lugar na fila de autógrafos e uma poltrona onde pudessem sentar e ouvir Cassandra Clare, best-seller que mais causou alvoroço na Bienal. Sua conversa com o público, formado principalmente por jovens, fez com que pessoas entupissem corredores do Pavilhão. Algumas meninas passaram mal de emoção, outras fingiram desmaiar na esperança de que pudessem se aproximar da escritora. A cada palavra da autora uma gritaria se instalava, colocando Cassandra em uma situação semelhante à de uma verdadeira estrela pop. Ao longo do final de semana, a criadora da série “Os Instrumentos Mortais” distribuiu cerca de 2.300 autógrafos.
Aliás, filas para autógrafos foram uma constante na Bienal. Muitos autores atraíram centenas ou milhares de pessoas dispostas a passar horas esperando por uma foto e uma marca em seus livros. Eduardo Spohr, por exemplo, recebeu seus fãs por aproximadamente dez horas, enquanto Carina Rissi assinalou cerca de dois mil livros ao longo de nove horas.
Pelos corredores também foi bastante comum vermos pessoas arrastando malas com rodinhas para facilitar o transporte de suas compras, crianças correndo e se afastando de seus pais ao avistarem alguma obra, mães empurrando carrinhos com bebês, pequenos admirando, ainda que à distância, ídolos como Maurício de Sousa e Ziraldo e adolescentes disputando espaço para que pudessem acompanhar conversas com pessoas em que se inspiram - muitas vezes oriundas da internet, outro fato a se destacar.
O que desagradou
E para que conseguissem vivenciar tudo isso, tiveram que passar por uma série de adversidades. Nos dias mais concorridos – principalmente os dois sábados, sendo que o segundo, dia 30, registrou o recorde de público diário do evento, com aproximadamente 130 mil visitantes -, era preciso aguardar até duas horas e meia para se adquirir um ingresso. Foi o caso de Renan Monteiro, que, junto de sua mulher e um casal de filhos, disse que persistiu para que pudesse “conhecer a feira mesmo”.
Do lado de dentro, nos dias de maior público, alguns corredores que concentravam as maiores editoras ficavam praticamente intransitáveis, tamanha a quantidade de pessoas. Quando visitantes precisavam descansar, restava deitar-se no chão de algum dos espaços livres ou se sentar à beira dos estandes, atrapalhando ainda mais o trânsito pelos corredores. Para utilizar o sanitário feminino, mulheres precisaram esperar por até uma hora. Nos caixas, mais longuíssimas filas, bem como para entrar em algumas tendas. “Há uma concentração de pessoas que chegou a ser maior que a dos estádios na Copa”, fez um paralelo Karine Pansa, presidente da Câmera Brasileira de Livros, realizadora da Bienal.
Já Juan Pablo de Vera, presidente da Reed Exhibitions Alcantara Machado, responsável pela organização e promoção do evento, foi mais a fundo. Comparou as filas a recentes mostras na cidade, como a de David Bowie e Castelo Rá-Tim-Bum, ambas no Museu da Imagem e do Som, que também motivaram longas esperas aos visitantes. “Não queríamos que ninguém ficasse na fila, tinha a venda pela internet [mais de 70 mil bilhetes foram vendidos on line], mas elas são importantes para que haja organização”, ponderou. Entretanto, também demonstrou insatisfação com a estrutura do Anhembi. “Precisamos de espaços para realizar esses eventos para a juventude, lugares cada vez maiores, com mais conforto. Todos adoramos o Anhembi, sabemos que é a catedral das grandes feiras, mas foi construído há 40 anos. Precisamos de um lugar moderno, com estrutura pare receber essa quantidade de pessoas”, disse. Quando questionado sobre o problema dos banheiros, continuou na mesma linha. “Mais uma vez, falta infraestrutura. O Anhembi não está preparado para um público desses”. Ao final, ainda deixou um alerta. “São Paulo virou a capital dos eventos na América Latina, mas, se não se preparar, vai perder esse posto rapidamente”.
Outro ponto problemático eram as praças de alimentação – também com filas enormes. Muitos de queixavam do preço que precisavam pagar por refeições com qualidade raramente correspondentes. E, mesmo com tudo isso, apesar de relatos de visitantes que saíram sem comprar o que desejavam ou que desistiram de ver algum autor, era difícil encontrar pessoas com a cara fechada.
O que deu certo
Os aspectos positivos da Bienal vão além das amostrar de amor ao livro, a começar pela quantidade de jovens que passaram pelo Anhembi. Ao todo, duas mil instituições de ensino públicas e privadas foram ao evento, levando aproximadamente 120 mil alunos. “Esse é nosso objetivo, formar leitores, fazer com que possam estar no nosso mundo para construírem um futuro melhor para o Brasil”, disse emocionada Karine.
A variedade de atividades culturais também foi um ponto alto, com quase 700 convidados. Se na Arena Cultural, o maior espaço da Bienal, fizeram sucesso autores como Kiera Cass, Harlan Coben e Maurício de Sousa, além de própria Cassandra Clare, o público também lotou alguns ambientes menores para acompanhar mesas como “Outras Narrativas”, com Sebastião Salgado, “Ironia Fundamental”, com Antônio Prata, Xico Sá e Gregório Duvivier, e “Relatos do Oriente”, com Milton Hatoum, Elias Khoury e Safa A-C Jubran, os maiores sucessos do Salão de Ideias. “A tônica do nosso trabalho foi fazer uma programação diferente que pudesse marcar o público”, declarou Francis Manzoni, coordenador da curadoria da programação cultural da Bienal – a maior parte dos espaços ficou sob responsabilidade do Sesc.
O livro também esteve representado de forma indireta em outras manifestações artísticas, como nos concorridos shows de Zélia Duncan e Emicida, no Anfiteatro. “Algumas escolas vieram inteiras para o Anfiteatro, com crianças que nunca tinham visto um espetáculo de teatro ou dança”, contou Manzoni. Sobre essa programação, Karine afirmou ser uma necessidade fazer com que o público se sentisse atraído por elas. “Números de pesquisa [de outras edições] mostravam que 28% das pessoas que passavam pela Bienal tinham visitado atrações culturais. Então, este ano trouxemos muitas possibilidades de interação para uma população que é carente de eventos interativos entre livros e cultura”. Além disso, destacou que foi uma forma de fazer com que as pessoas tivessem um motivo para sair de casa para comprar livros, algo que pode ser feito com facilidade pela internet.
As vendas dos estandes também se mostraram positivas. Antes mesmo do último final de semana, havia expositores comemorando um resultado já superior ao da edição de 2012. O Grupo Editorial Record, por exemplo, contabilizou vendas 70% acima dos números da Bienal passada – só de Cassandra Clare foram cinco mil exemplares vendidos. Já a Editora Senac, até sábado, apresentava um aumento de vendas de 60% e uma alta de 36% no faturamento se comparados com o mesmo período da Bienal de 2012. Com igual recorte, a Cortez Editora havia registrado crescimento de 35% nas vendas, o Grupo Editorial pensamento, 25%, e a Editora Melhoramentos, 34%.
Ao olhar para o tudo isso, a impressão é que a discussão de que se o jovem e os brasileiros, no geral, são ou não leitores está equivocada. Muitos são sim apaixonados pela leitura e, levando em conta a importância da atividade, mais relevante do que procurar cravar se leem ou não – como se milhões de pessoas pudessem ser condensadas em um único adjetivo –, é preciso prestar atenção nos leitores e procurar fazer com que os não leitores passem a também ter interesse pela palavra escrita. Para tal, a Bienal continua importante, mas será preciso se aprimorar, assim não corre o risco de ver seu público dispersar e se distanciar da leitura.
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