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Morre em Campinas, aos 80 anos, o escritor e teólogo Rubem Alves

O escritor Rubem Alves - Reprodução/Arquivo Pessoal
O escritor Rubem Alves Imagem: Reprodução/Arquivo Pessoal

Do UOL, no Rio

19/07/2014 14h55

Morreu na manhã deste sábado (19), às 11h50, o escritor Rubem Alves, aos 80 anos. A informação foi confirmada ao UOL pela assessoria de imprensa do Hospital Centro Médico de Campinas, onde Rubem estava internado desde o último dia 10 de julho.

Segundo o hospital, Rubem veio a óbito por falência múltipla dos órgãos. Ele estava na UTI por apresentar insuficiência respiratória devido a uma pneumonia. O escritor, psicanalista, teólogo e educador era considerado um dos maiores pensadores contemporâneos da educação no Brasil.

O velório de Rubem será realizado no Plenário da Câmara Municipal de Campinas a partir das 19h deste sábado. O corpo do escritor será cremado no Crematório Metropolitando Primaveras, em Guarulhos (Grande São Paulo).

Rubem era casado com Lidia Nopper Alves e deixa três filhos.

Biografia

A trajetória de Rubem Alves foi em muito forjada e influenciada pela religião. Na juventude no Rio de Janeiro, encontrou no divino um abrigo para as maldosas brincadeiras das quais era alvo de seus colegas de escola, que o viam como um caipira de Minas Gerais – é que ele nasceu no dia 15 de setembro de 1933 em Boa Esperança, quando a cidade ainda se chamava Dores da Boa Esperança. Terminado o ginásio, foi estudar teologia no Seminário Presbiteriano do Sul. Depois de formado, voltou para seu Estado natal para atuar como pastor em meio a pessoas simples e pobres.

Nesse momento, já forjava o pensamento que seria um dos pilares da Teologia da Libertação, movimento que propunha que a religião fosse interpretada e praticada sob a perspectiva dos mais pobres, questionando, por exemplo, a noção de pecado e baseando-se, principalmente, em princípios de amor e na liberdade. Acreditava que a religião deveria ser mais um meio para melhorar o mundo dos vivos do que para garantir algo às pessoas depois de mortas. Contudo, suas ideias não foram bem recebidas pela Igreja. Como o teólogo e escritor Leonardo Boff, seu colega e amigo, sofreria retaliações pelos pensamentos que expôs e pela postura que adotou.

Depois de uma temporada de estudos em Nova York, voltou ao Brasil logo após o golpe militar de 1964 e foi denunciado como subversivo pela Igreja Presbiteriana. Para escapar daqueles que o perseguiam, retornou aos Estados Unidos junto de sua família. Lá, à convite da United Presbyterian Church – EUA (a Igreja Presbiteriana estadunidense) e do presidente do seminário teológico de Princeton, escreveu sua tese de doutorado, intitulada "Towards a Theology of Liberation", na qual colocava no papel as ideias que tomariam corpo como movimento.

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Capa de "A Escola que Sempre Sonhei que Pudesse Existir", de Rubem Alves
Imagem: Reprodução
Retornou ao Brasil já Ph.D, quando rompeu com a Igreja Presbiteriana e ficou desempregado. Voltaria a trabalhar lecionando no ensino superior, na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Rio Claro, e, a partir de 1974, seria professor da Unicamp até a sua aposentadoria.

Casou-se em 1959 com Lídia Nopper e juntos tiveram três filhos, Sérgio, Marcos e Raquel. Graças à garota, começou a escrever histórias para crianças. Dedicou-se à literatura e à poesia, entendia que ambas eram alimento para o corpo e agrado para a alma. Escrevendo realizou seu frustrado sonho de ser pianista. Via nas palavras o dom que lhe faltava para as notas musicais. Inspirado por Albert Camus, Nietzsche, Jorge Luis Borges, Roland Barthes, Fernando Pessoa e Manoel de Barros, dentre muitos outros, tornou-se um dos escritores brasileiros mais prolíficos e queridos.

Sua obra conta com mais de uma centena de livros –divididos entre infantis, de crônicas, educação, religião, teologia e até biografia (“Gandhi: a Magia dos Gestos Poéticos”) –, dentre os quais merecem destaque “Ostra feliz não faz pérola”, segundo colocado na categoria “Contos e crônicas” do prêmio Jabuti de 2009, “O que é religião”, livro de introdução ao pensamento religioso, “A alegria de ensinar”, no qual discute o conhecimento e as formas de transmiti-lo de geração a geração, “A Escola que Sempre Sonhei”, também sobre educação, e os infantis “A Pipa e a Flor”, “A Menina e o Pássaro Encantado” e “A Volta do Pássaro Encantado”. Entendia que deveria abordar temas de complexidade filosófica de modo simples e compreensível, para que fossem acessíveis ao maior número de pessoas possível.

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Capa do livro infantil "A Menina e o Pássaro", de Rubem Alves
Imagem: Reprodução
Na década de 1980, tornou-se psicanalista –dizia-se heterodoxo, pois acreditava que a beleza habitava as profundezas do inconsciente. Teve sua própria clínica até 2004 e de seus pacientes tirou inspiração para boa parte de suas crônicas. Em depoimento publicado no site de Rubem Alves, Leonardo Boff disse que o amigo “transformou-se em mestre com pontos de vista originais sobre os mais diversos assuntos. Ele sabe falar poeticamente do prosaico e prosaicamente do poético. Na minha opinião, é um dos que melhor maneja a língua portuguesa em nossa geração com uma elegância e leveza de estilo que nos causam verdadeiro fascínio”.

A formação humanista, o apreço pelas artes, o questionamento do poder e a carreira acadêmica transformaram Rubem Alves em um grande e respeitado educador – talvez o que melhor o defina na última parte de sua vida. Pensando sobre a educação, passou a questionar o modelo de ensino estabelecido, afirmava que a função do professor deveria ser a de provocar os alunos a procurarem respostas para as perguntas adotando uma posição mais próxima aos aprendizes, e não mais o adulto que simplesmente despeja conteúdos. O ambiente de aprendizado também deveria passar por mudanças profundas, aproximando-se mais das próprias casas das crianças, onde os cômodos serviriam como espécies de laboratórios íntimos que despertariam a atenção dos pequenos para as matérias a serem ensinadas. “A escola, querendo ou não, é um ambiente artificial. A vida não está acontecendo lá”, declarou em entrevista à revista Educar para Crescer.

Em seu site, escreveu “Minha estrela é a educação. Educar não é ensinar matemática, física, química, geografia, português. Essas coisas podem ser aprendidas nos livros e nos computadores. Dispensam a presença do educador. Educar é outra coisa. De um educador pode-se dizer o que Cecília Meireles disse de sua avó – que foi quem a educou: 'O seu corpo era um espelho pensante do universo'. O educador é um corpo cheio de mundos.... A primeira tarefa da educação é ensinar a ver. O mundo é maravilhoso, está cheio de coisas assombrosas. Zaratustra ria vendo borboletas e bolhas de sabão. A Adélia ria vendo tanajuras em voo e um pé de mato que dava flor amarela. Eu rio vendo conchas, teias de aranha e pipocas estourando... Quem vê bem nunca fica entediado com a vida. O educador aponta e sorri – e contempla os olhos do discípulo. Quando seus olhos sorriem, ele se sente feliz. Estão vendo a mesma coisa. Quando digo que minha paixão é a educação estou dizendo que desejo ter a alegria de ver os olhos dos meus discípulos, especialmente os olhos das crianças”. Por essa colocar em prática essa linha de pensamento, receberia o título de professor emérito da Unicamp, em 1996, o prêmio “O educador que queremos”, oferecido pela PNBE (Pensamento Nacional das Bases Empresariais), em 2003.