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"Somos inúteis para o futebol, por isso fazemos quadrinhos", diz Liniers

Reprodução/Twitter/@porliniers
Imagem: Reprodução/Twitter/@porliniers

Rodrigo Casarin*

Do UOL, em São Paulo

18/07/2014 06h00

Ricardo Liniers Siri, ou simplesmente Liniers, é um dos maiores quadrinistas da atualidade. Principalmente por conta das tirinhas de “Macanudo”, tem o trabalho reconhecido não apenas em seu país, a Argentina, mas também internacionalmente, tanto que já publicou oito livros no Brasil e, aos quarenta anos, foi o responsável pelo desenho da capa da edição de março da respeitada revista "New Yorker"  – o convite para tal é uma das maiores honrarias que um desenhista pode receber.

Entusiasta do futebol, ainda que não seja um grande entendedor do jogo, esteve no Rio de Janeiro durante a primeira e a última semana da Copa do Mundo – passar o torneio inteiro por aqui seria muito tempo para quem tem duas filhas pequenas – para fazer tirinhas para o jornal argentino "La Nación". Também compartilhava os trabalhos no Twitter, o que provocou muitas manifestações de seus fãs (um dos desenhos teve mais de 17 mil compartilhamentos). Acompanhou apenas um jogo no estádio, justamente a final entre Argentina e Alemanha, única partida que sua seleção perdeu, mas nega que seja pé-frio.

Na entrevista a seguir, concedida de Buenos Aires por telefone, Liniers, simpático, entusiasmado, de risada fácil, contou como foi a experiência de acompanhar e desenhar um mundial, revelou que pode transformar a experiência em um livro e, dentre outras coisas, falou da relação entre quadrinhos e futebol (ou da falta dela), sobre o atual momento do humor e de sua afinidade com o Brasil.

UOL - Como surgiu a ideia de você vir para o Brasil desenhar o mundial?
Liniers - Eu propus ao jornal "La Nácion" de ir acompanhar o mundial. Me animava a ideia de alguém que não é profundamente interessado por futebol, como normalmente são as pessoas enviadas aos mundiais, mas que gosta do jogo como espectador, cobrir o torneio em forma de quadrinhos. Parecia algo original. Passei a primeira e a última semana da Copa no Rio de Janeiro, que achei que seriam as mais interessante. Tenho duas filhas pequenas e seria muito ficar 40 dias fora de casa.

E as inspirações para os desenhos, vieram de onde?
Era uma mescla de coisas, como o próprio contexto que o Rio se encontrava, com toda aquela gente, toda a festa que foi o mundial, principalmente os primeiros dias, quando ainda havia pessoas de todos os países, todos com ânimo para celebrar, muito felizes, havia muito o que se desenhar. Por outro lado, depois, nas partidas, começaram a aparecer personagens que se transformaram em protagonistas da Copa, como o James Rodriguez [meia da Colômbia, artilheiro da competição], o Lavezzi jogando água no treinador [na partida entre Argentina e Nigéria, enquanto o atacante argentino recebia instruções de seu técnico], a mordida de Luis Suárez [em Chiellini, no jogo entre Uruguai e Itália]. Essas coisas raras apareciam e eram interessantes para desenhar.

Alguns desenhos repercutiram bastante, como o que você fez do Mascherano com o Romero antes dos pênaltis entre Argentina e Holanda, não?
Esse me impressionou muito porque foi uma esquete que desenhei rapidamente e, logo depois, já havia grande repercussão; acabou tendo mais de 17 mil retweets. O mundial é um catalizador muito forte, multiplica todas as emoções, que estão à flor da pele, então, quando há algo que as pessoas se identificam, um momento interessante, já que estamos todos falando disso constantemente, tem esse efeito. Também tem uma história onde olham o Twitter ao mesmo tempo da partida e, na verdade, acompanham o jogo pelo próprio Twitter. Por ele dá para saber tudo o que se passou em campo.

Você parece também ter um interesse bastante grande pela parte de comportamento, os coraçõezinhos nas comemorações de gols, as chuteiras dos jogadores, os penteados... é isso mesmo?
Sim, sim. Isso também vem da minha ignorância futebolística. Talvez se entendesse mais do assunto, estaria falando de esquema 4-4-2 ou coisas assim. No "Macanudo" também falo muito disso, das bobagens que passamos todos os dias, não do que supostamente precisamos ver. Gosto de olhar para as pequenas coisas que nos surpreendem.

E o que você pretende fazer com esse material agora? Sairá um livro com os desenhos da Copa?
Quando comecei a desenhar, não sabia que a Argentina terminaria na final. Me parece que, apesar da tristeza pelo resultado da última partida, aqui há um entusiamos pela seleção, pelo que foi vivido, então, talvez saia um livro ou algo do tipo. Estamos pensando, mas seria ótimo se acontecesse.

Você acha que ainda há muito para se desenhar da Copa? Você pode ainda rever jogos ou situações específicas para fazer novos desenhos?
A verdade é que trabalhando que nos daremos conta de se falta algum desenho, de que se precisa fazer mais alguma coisa. Sim, pode ser que apareça algo novo. Fizemos uma página para o jornal "O Globo" com pequenos momentos do torneio, por exemplo. Precisamos pensar mesmo no livro para ver se algo mais será necessário.

Se não fosse pelo "La Nación", você viria assistir à Copa?
Eu faria todos os esforços para ir, porque gosto muito do Mundial e era uma oportunidade de acompanhá-lo em um país bastante próximo, onde tenho muitos amigos, onde sou publicado há muitos anos. Então, se não fosse de uma maneira, tentaria ir de outra. Daria um jeito (risos).

Você ficou apenas no Rio de Janeiro?
Sim, estive só no Rio, porque as distâncias eram muito grandes. Adoraria ir para outras cidades, mas minha relação com o Brasil nos últimos anos não me deixou sem desculpas para visitar outros lugares. Estive algumas vezes em Brasília, em Recife, Porto Alegre, São Paulo... Meus livros começaram a circular por aí e sempre há algum motivo para voltar ao Brasil, para melhorar meu portunhol.

Quais foram os jogos que você assistiu no estádio?
O único foi a final, logo o que mais sofri. Mas foi lindo, inesquecível, apesar do resultado. Estar em uma final de Copa do Mundo no Maracanã, com a Argentina jogando e fazendo uma partida bastante boa foi muito emocionante.

Você só foi no único jogo que a Argentina perdeu. Acha que deu azar para a seleção?
(Risos) Por outro lado, é a primeira vez que cubro e vou a um mundial e a seleção já chegou na final. Mas não acredito muito nessas coisas, na influência de uma pessoa em uma partida que está sendo vista em todo o planeta. Mas, me parece que vendo pela sorte, não fui tão mal assim.

A Argentina poderia ter vencido a Alemanha. Higuaín, Messi e Palácios perderam chances claras de gol. Como foi o jogo em si, os sentimentos...?
Essas são coisas do futebol. Em 1990, o Brasil jogou muito mais do que a gente e, no final, a Argentina ganhou com um gol do Caniggia, mas não porque merecia. O futebol tem disso, não é sempre o melhor que ganha. Você pode jogar bem por 90 minutos e perder o jogo. Por isso que é sensacional, é muito imprevisível, você nunca pode estar 100% seguro. Tem o trabalho, tem o talento, mas a diferença entre ganhar e perder pode ser 5 centímetros em uma jogada e 5 centímetros em outra. É muito difícil.

Como você vê a relação entre o futebol e os quadrinhos?
Não há muita relação, me parece. Há muitos livros sobre humor, com desenhos sobre futebol, mas são só piadas, não encarados como quadrinhos. Me lembro que havia um desenho animado japonês ou algo assim [Super Campeões]. Me parece que nós, quadrinistas, somos bastante inúteis para jogar futebol, por isso nos dedicamos aos quadrinhos desde pequeno, temos algo de antissocial (risos). São raros os quadrinhos sobre futebol mas me parece que agora que o gênero está se permitindo fazer qualquer tipo de coisa, sem preconceitos. Não faz tempo que os quadrinhos só podiam ser de aventura e humor, mas, de uns anos pra cá, tornaram-se um gênero como qualquer outro. Contudo, desenhar HQs sobre o mundial não é algo muito habitual, não lembro disso nas Copas anteriores.

Você pretende fazer mais trabalhos inspirados, de alguma forma, no Brasil?
Tomara que sim. Sempre que viajo eu faço desenhos. Como meu cunhado vive em Ubatuba, sempre o visitamos quando podemos e sempre desenho algo. Mas, se fizermos o livro do mundial, será o mais brasileiro de todos que publiquei até agora.

Tem ideia de fazer um livro de viagem, algo na linha dos trabalhos do canadense Guy Delisle?
Sim. Já tenho um livro publicado que chama “Conejo de Viaje”, onde tem desenhos de viagens para Ubatuba, São Paulo, quando estive visitando familiares. Seria ótimo se esse livro saísse no Brasil, vou falar com meu editor.

O humor, principalmente na internet, passa por um momento delicado, no qual quase tudo acaba, de alguma forma, sendo visto como politicamente incorreto. Como você encara isso?
Para mim, é preciso saber com quem o humor está sendo feito e compartilhado. Não gosto do politicamente correto, mas também não gosto de ofender alguém fazendo humor. Se você faz piada de humor negro no funeral, parece que você não era muito amigo do morto, não respeita a viúva (risos), então, me soa como algo nesse sentido também. No futebol tem muito disso. Passamos um mês torturando os brasileiros com uma canção,  mas, se os brasileiros viessem para cá e passassem um mês cantando “Argentina decimé que de siente”, me aborreceria um porquinho (risos). Tem um folclore no futebol que uma torcida pode fazer piadas com as outras, mas fazer sentir mal, levar à violência, anula a alegria.

Você viu as dancinhas dos alemães comemorando a Copa do Mundo? Elas o ofenderam?
Vi sim. Nós fomos ao Brasil e passamos todo o mês perguntando “Brasil decime que se siente, teniendo en casa a tu papa” e agora parece que os alemães nos responderam. Eles ganharam a Copa e nos deixaram sentido péssimos, me parece uma espécie de carma.

Por fim, em março você foi o autor da capa da New Yorker, uma das principais revistas do mundo. Como se sente em relação a isso?
Foi muito lindo, porque é algo célebre para os desenhistas. Por lá já passaram grandes nomes, como o Robert Crumb, então, ter esse espaço para desenhar é incrível. Ainda não acredito completamente que fiz aquilo, preciso sempre olhar de novo para ter certeza que publiquei aquela capa.
 

* As imagens que ilustram a entrevista foram cedidas gentilmente ao UOL pelo cartunista Liniers.