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O Brasil e "O Grande Hotel Budapeste" têm algo em comum; você sabe o quê?

O escritor austríaco Stefan Zweig (dir.) e M. Gustave, personagem de Ralph Fiennes em "O Grande Hotel Budapeste", de Wes Anderson - Divulgação e Reprodução/Casa Stefan Zweig
O escritor austríaco Stefan Zweig (dir.) e M. Gustave, personagem de Ralph Fiennes em "O Grande Hotel Budapeste", de Wes Anderson Imagem: Divulgação e Reprodução/Casa Stefan Zweig

Natalia Engler

Do UOL, em São Paulo

08/07/2014 06h00

As plateias brasileiras têm se surpreendido quando os créditos sobem ao final de “O Grande Hotel Budapeste”, novo filme de Wes Anderson que está em cartaz nos cinemas. “Inspirado na obra de Stefan Zweig (Viena, 1881 - Petrópolis, 1942)”, diz o letreiro na tela, que tem deixado muita gente se perguntando sobre qual a relação entre o longa do cineasta norte-americano com a cidade serrana do Rio de Janeiro.

A resposta está na vida e obra do escritor austríaco que Anderson descobriu recentemente e que foi responsável por cunhar a frase “Brasil, o país do futuro”. "Muitas das ideias expressadas e/ou exploradas em ‘O Grand Hotel Budapeste’ nós roubamos diretamente da vida e da obra de Zweig", disse Anderson durante o Festival de Berlim, no início deste ano.

“O Grande Hotel Budapeste” gira em torno de M. Gustave (Ralph Fiennes), o concièrge do hotel de um país fictício do leste Europeu, que tenta manter os padrões de refinamento e o ambiente de luxuosa perfeição que já rareiam no mundo exterior, prestes a entrar em guerra.

Anderson admite que não só personagens como M. Gustave foram inspirados no escritor, mas também que “roubou” de Zweig a estrutura da trama (uma história dentro de outra história, em que um escritor reconta uma narrativa ouvida há muitos anos do proprietário do hotel) e a atmosfera do filme.

Trailer de "O Grande Hotel Budapeste"

A Europa de Zweig

Nascido em Viena em 1881, Stefan Zweig era frequentemente considerado "o escritor mais traduzido do mundo" entre os anos 1920 e 1930, e suas ágeis novelas e biografias psicológicas eram best-sellers internacionais, consumidas por fãs de Londres à América Latina. Ele viajava com frequência, dando palestras lotadas em diversos pontos do mundo, e conhecia as maiores figuras artísticas e intelectuais de seu tempo, como Albert Einstein e Sigmund Freud, chegando a discursar no funeral deste último.

Wes Anderson descobriu Zweig quando encontrou uma nova tradução em inglês de "Cuidado da Piedade" (1939), em uma livraria de Paris, e percebeu imediatamente que tinha um novo escritor preferido. "Ele era alguém que tinha amigos em toda a Europa e colecionava pessoas ativamente --fazia amizades e essas conexões e assim por diante", disse Anderson em uma conversa com o biógrafo de Zweig, George Prochnik, publicada em uma coletânea do autor.

"Ele também colecionava manuscritos, livros, e partituras musicais, e estava juntando coisas por toda a parte, de artistas que admirava. E, no fim, tudo isso, além de seu próprio trabalho, foi tirado dele, destruído, e se tornou impossível para ele continuar dessa forma. E quando você lê [as memórias de 1942] 'O Mundo que eu Vi', você vê como todas as coisas em que ele investiu sua vida, este mundo que ele prefere chamar de mundo da segurança, esta vida que estava cada vez mais refinada e livre para ele, foi simplesmente extinta".

Dessa fala de Anderson pode-se extrair duas facetas de Zweig que o cineasta colocou em seu filme: M. Gustave, o concièrge do Grande Hotel Budapeste, também é um homem de um mundo refinado que está à beira do desaparecimento; sobre ele e sobre o hotel paira o fantasma do facismo e de uma guerra que se aproxima, assim como o nazismo e a Segunda Guerra acabaram afastando Zweig de sua amada Europa. E é aí que entra o Brasil.

Stefan Zweig 1 - Arquivo Casa Stefan Zweig - Arquivo Casa Stefan Zweig
Stefan Zweig após audiência com o presidente Getúlio Vargas, em 1936
Imagem: Arquivo Casa Stefan Zweig

Brasil

Zweig já havia vivido a Primeira Guerra, que fez dele um ferrenho pacifista. Com o avanço de Hitler e do nazismo na Alemanha e, depois, na Áustria, o escritor, que era de origem judaica, resolveu deixar Salzburgo em 1934. Seus livros logo foram banidos e queimados. Morando em Londres, Zweig passou pelo Brasil pela primeira vez em 1936, quando dirigia-se para um congresso em Buenos Aires, e ficou encantado.

"Deu-se então a minha chegada ao Rio, que me causou uma das mais fortes impressões de minha vida", escreveu Zweig em "Brasil, um País do Futuro", livro idealizado em sua segunda visita ao país. "Fiquei fascinado e, ao mesmo tempo, comovido, pois se me deparou não só uma das mais magníficas paisagens do mundo, nesta combinação sem igual de mar e montanha, cidade e natureza tropical, mas também uma espécie inteiramente nova de civilização".

"Brasil, um País do Futuro" nasceu em 1940, quando o escritor, assustado com a queda de Paris e o avanço nazista na Europa, veio ao país para uma nova turnê, e recebeu do governo brasileiro o visto de residência permanente. O livro foi publicado em 1941, simultaneamente em oito edições: duas em português (Brasil e Portugal), duas em inglês (Estados Unidos e Canadá), francês (para os países francófonos, exceto a França ocupada), espanhol (para a Argentina), alemão e sueco (impressas em Estocolmo).

O livro, onde Zweig descrevia o "santuário" que havia encontrado --um país formado por uma miríade de raças, onde as ideias de raça pura e perfeita pregada pelo nazismo não faziam sentido--, acabaria tendo seu título transformado em uma espécie de apelido do Brasil, repetido até por quem nunca ouviu falar do escritor.

Em setembro de 1941, o autor e sua segunda mulher, Lotte, deixaram os Estados Unidos, onde viveram por algum tempo, e se estabeleceram em uma pequena casa em Petrópolis. Mas Zweig já estava fora de seu mundo, isolado intelectualmente, e foi se tornando cada vez mais deprimido, especialmente depois das críticas de que tinha se vendido ao governo brasileiro com seu livro e também com a situação do mundo em guerra.

Nos cinco meses que ainda viveria em Petrópolis, Zweig trabalhou com afinco: terminou sua autobiografia, escreveu a novela "Uma Partida de Xadrez", iniciou uma biografia de Montaigne e retocou outros trabalhos. Ainda assim, sua depressão só aumentava com as notícias da guerra, especialmente com o ataque a Pearl Harbor, a entrada dos Estados Unidos no conflito e a aliança do Brasil com os americanos depois de um navio ser afundado na costa brasileira.

Na noite de 22 para 23 de fevereiro de 1942, Zweig escreveu uma carta de despedida, deitou-se na cama com Lotte e o casal suicidou-se com uma dose fatal de barbitúricos, chocando o mundo todo. A casa onde o casal morou e morreu é hoje um centro cultural dedicado à vida e à obra de Stefan Zweig.