Aos 70, Chico Buarque não é só um músico que se aventura nas letras
Se Chico Buarque é um dos maiores nomes da música brasileira, na qual as letras sempre foram um dos maiores destaques, não há como não reconhecer que ele é também um dos grandes escritores do país. Autor de sete livros, incluindo os elogiados "Budapeste" e "Leite Derramado", o compositor completa 70 anos nesta quinta-feira (19) e está prestes a lançar sua próxima obra.
Na casa onde vivia com seus pais --o historiador Sérgio Buarque de Holanda e a pianista Maria Amélia Cesário Alvim--, Chico tinha um vasto contato com os livros e os clássicos literários. Não surpreende que ele tenha construído uma carreira baseada no bom trato com as palavras e na criatividade. "Ele vive nesse mundo da criação, tanto da música quanto da literatura. A cabeça dele voa muito, está o tempo todo trabalhando, maquinando algo. Talvez por isso ele goste de andar na rua, jogar futebol, porque é quando ele coloca o pé no chão, literalmente", define Regina Zappa, jornalista e biógrafa do artista, ao UOL.
A primeira experiência de Chico publicando um livro aos 22 anos foi com o songbook "A Banda", de 1966, que trazia letras e partituras de suas músicas e o conto "Ulisses", veiculado originalmente no jornal do Colégio Santa Cruz, onde estudava. Em 1974 veio "Fazenda Modelo", seu primeiro romance, que trazia o estranho subtítulo de "Novela Pecuária".
Trata-se de uma alegoria panfletária na qual o escritor utiliza bois e vacas para criticar o momento político que o Brasil vivia, em meio à ditadura civil-militar, e o "milagre econômico". Em uma entrevista ao "Pasquim" com o próprio Chico --que mais tarde viria a desqualificar a obra, mas não renegá-la--, o escritor Ziraldo disse que o livro era "brilhante até demais", que "pecava exatamente pelo excesso de brilhantismo".
Chico só voltaria a publicar após quase 20 anos de "Fazenda Modelo", em 1991, quando lançou "Estorvo", no qual trouxe uma linguagem experimental, com o tempo sendo determinado pelo fluxo de memória e pelas crises emocionais do personagem principal. Em 1995, seguindo linha semelhante, veio "Benjamim", que narra a vida de um ex-modelo fotográfico que observa o opressivo mundo à sua frente como se ainda estivesse sob a guarda da lente de uma câmera e sem fazer distinção entre si mesmo, seu passado e o mundo externo.
Consagração literária
Mais uma vez após um hiato --dessa vez, de nove anos--, Chico publicou, em 2004, "Budapeste", tido como uma grande obra literária, que colocou fim às eventuais discussões sobre se ele era um músico que se aventurava nas letras ou se era também um escritor de fato. A história, que invoca a clássica questão da duplicidade de uma pessoa, apresenta José Costa, um ghostwriter que se debate entre o anonimato dos trabalhos encomendados e seu talento para a alta literatura.
"Este livro tem muito a ver com o Chico, é mais ou menos a atitude que ele tem em relação à fama, essa questão da obra ser reconhecida pela qualidade, mas, ao mesmo tempo, o autor se ressentir do assédio, preferir estar escondido", diz Regina.
Em 2009, o sucesso se repetiria com "Leite Derramado", que narra as pouco confiáveis memórias de um preconceituoso idoso que jamais trabalhou e, outrora rico, entrou em decadência no final da vida. "Chico, sem explicitar, consegue mostrar que o personagem está gagá apenas apresentando o seu pensamento confuso. Acho isso uma armação literária muito interessante", destaca Regina ao falar sobre a obra que também é uma crítica às desigualdades históricas do Brasil.
Segundo a crítica especializada, após as duas obras mais recentes, Chico Buarque mostrou que, enfim, alcançou a sua própria voz narrativa. As histórias apresentam boa variação temática --duplicidade, velhice, crítica social-- e normalmente contam com protagonistas nos quais a fronteira entre a realidade e a imaginação está pouco definida, o que resulta em uma desconfiança do quanto os relatos de seus personagens são confiáveis.
O perfeccionismo e a preocupação com o ritmo da narrativa e das palavras, assim como na música, são outras de suas suas características, que resultam em um grande rigor formal. "Às vezes ele passa um dia inteiro construindo um parágrafo. Ele é um artesão de palavras, já vi ele ligar para o estúdio para mudar uma palavra quando a música está sendo gravada. Ele é muito zeloso", contou a jornalista e biógrafa.
Recepção internacional
Se as obras de Chico Buarque fazem sucesso no Brasil (estima-se que cada um de seus livros tenha vendido ao menos 500 mil exemplares), no exterior o fenômeno se repete. Traduzido para mais de 30 línguas --dentre elas o húngaro, o romeno e o coreano--, a receptividade no exterior fez com que Chico, com "Budapeste", fosse nomeado como o representante do Brasil na Copa do Mundo de Literatura, que está acontecendo em paralelo à competição de futebol.
A brincadeira é promovida pela Universidade de Rochester, dos Estados Unidos, e quem decreta o vencedor das partidas, sempre eliminatórias, é um dos 24 juízes literários escolhidos pelos organizadores. Chico já avançou para a segunda rodada após sua obra estrear vencendo o romance "Dark Heart of de Night", da camaronesa Leonora Miano.
Chico Buarque já recebeu diversos prêmios pela sua obra. Levando em conta o Jabuti, ele virou um colecionador de quelônios, já que levou a premiação por "Estorvo", "Budapeste", "Leite Derramado" --esse cercado de polêmicas após ser nomeado o livro do ano depois de perder na categoria romance para "Se Eu Fechar os Olhos Agora", de Edney Silvestre-- e "Chapeuzinho Amarelo", obra infantil de 1979 sobre os temores das crianças.
O escritor ainda foi galardoado com o Casa de las Américas e com o Portugal Telecom, também por conta de "Leite Derramado". Na França, por "Budapeste", recebeu o prêmio literário Dois Oceanos, destinado ao melhor romance latino-americano traduzido para o francês.
Além disso, até o momento, três de suas obras literárias foram adaptadas para o cinema: "Estorvo", "Benjamim" e "Budapeste". Chico ainda é autor de "A Bordo do Rui Barbosa", um poema da década de 1960, de quando o escritor era estudante de arquitetura, que foi publicado em 1981 com ilustrações de Vallandro Keating.
Atualmente, passa uma temporada em Paris onde se dedica a terminar o seu próximo livro. Informações sobre a obra ainda não foram reveladas, mas a previsão é que ela chegue aos leitores no segundo semestre deste ano.
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