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Nélida Piñon diz que versão facilitada de Machado de Assis é um assassinato

Do UOL, em São Paulo

17/06/2014 01h10

Em entrevista ao programa "Roda Viva", da TV Cultura, exibido nesta segunda-feira (16) e transmitido pelo UOL, a escritora e ex-presidente da ABL (Academia Brasileira de Letras) Nélida Piñon criticou Patricia Secco, autora da versão "facilitada" do conto "O Alienista", de Machado de Assis.

"Isso é um assassinato e eu endosso. A autora quer que a Academia se manifeste. Para ela, vai ser a glória. Mas vários acadêmicos se manifestaram. Eu me manifestei. Há temas em que a instituição não pode se baratear", disse. "Essa mulher quer que nós tenhamos essa discussão como se ela estivesse propondo a ressurreição eterna de Machado de Assis, como se ele dependesse dela", disse Nélida, afirmando não acreditar que o Estado deva intervir contra a escritora. "Confio na vigilância da sociedade. Vamos para a rua protestar".

Para Nélida, a leitura das obras de escritores como Machado não deveria ser obrigatória nas escolas. "Às vezes eu penso que as escolas são muito frágeis. Obrigar uma criança a ler Machado de Assis é equivocado. Ele precisa de pessoas que vão amá-lo ao lê-lo. Ninguém tem que ler Machado de Assis quando não está pronto", disse a escritora, que defende um ensino "impecável e cosmopolita" para as crianças.

Política
Nélida foi a primeira mulher a ocupar o cargo de presidente da Academia Brasileira de Letras, em 1996, mas recusa o título de "presidenta", como Dilma Rousseff gosta de ser chamada.

A escritora, que se declara feminista, desaprova o governo da primeira mulher a estar na presidência do Brasil. "Esperei muito dela [Dilma Rousseff], dizia-se que ela era uma grande gestora, mas estamos vendo que, desde o início, tinha um gabinete de sombra. Tivemos dois presidentes por muito tempo. Ela descuidou-se de muitas questões econômicas e internacionais. Não apoiei a política econômica internacional do Lula. Não sou uma entusiasta da presidenta".

Nélida também criticou Marina Silva, por aliar-se à bandeiras da bancada evangélica. Para ela, a forma como como Marina avalia as questões homossexuais, entre outras, é ultrapassada. A escritora disse "temer que certo rigor dessa natureza pudesse dificultar a trajetória da sociedade brasileira, que visivelmente sofreu alterações. Nós mudamos muito. Graças à arte, graças ao livros". 

Preconceito
Ao iniciar na carreira de escritora em 1961 --hoje ela tem mais de 20 obras, entre romances, contos e ensaios--, Nélida disse que sofreu preconceito. Segundo ela, a sociedade acreditava que "não valia a pena ler uma produção feita por mulher".
 
"O pior preconceito é a descrença. É não levar em consideração a produção estética da mulher. Você aparecia por cota [para mulheres]. Era um real preconceito. Era muito difícil porque os homens foram educados pelos movimentos feministas, a maior revolução de todos os tempos. A mulher foi aprendendo a entender um mundo e tentando dividir com seu companheiro o que era aquele mundo", disse ela, que já chegou a ser convidada para locais e deveria ficar na "sala das mulheres".

De acordo com Nélida, a mulher não é mais sensível para escrever. Ela acredita que ambos os sexos têm sua sensibilidade em uma determinada área da literatura. "O escritor ou a escritora deveria assumir todas as formas, homem ser mulher, ser vegetal, animal. O esforço do escritor faz a união dos corpos, busca ingressar no sentimento de um homem, de uma mulher. Eu gosto de pensar que tem uma sensibilidade feminina ou masculina. Tem homem que tem uma sensibilidade feminina apurada".