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Yayoi Kusama já fez parte da vanguarda de NY e hoje vive em hospital

A artista plástica japonesa Yayoi Kusama, em foto de 2013 - Divulgação
A artista plástica japonesa Yayoi Kusama, em foto de 2013 Imagem: Divulgação

Natalia Engler

Do UOL, em São Paulo

10/06/2014 06h00

Até um ano atrás, o nome de Yayoi Kusama, 85, era desconhecido do público brasileiro fora do circuito dos entendedores de arte. Mas, nos últimos meses, a "japa das bolinhas" parece ter virado febre no país. Além de uma retrospectiva que passou pelo Rio e por Brasília e chegou a São Paulo no fim de maio, onde já atraiu 115 mil pessoas (dados computados até o dia 5), Kusama também está nas livrarias brasileiras com uma nova edição de "As Aventuras de Alice no País das Maravilhas", de Lewis Carroll.

Mas, mesmo em meio a tanta popularidade, a trajetória da artista permanece desconhecida do grande público, que tem passado até duas horas na fila para conferir o visual exuberante de suas obras no Instituto Tomie Ohtake e, claro, publicar muitas fotos nas redes sociais, mas não sabe que ela fez parte da vanguarda artística nova-iorquina nos anos 1960 e que vive desde 1977 em um hospital psiquiátrico em Tóquio.

Início

Nascida em 1929 em Matsumoto, no Japão, em uma família de classe média alta, Kusama começou sua jornada artística muito jovem, sendo que os primeiros registros conhecidos de suas bolinhas datam de 1939, em uma imagem retratando uma mulher de quimono, supostamente a mãe de Kusama.

Embora a própria artista hoje afirme que as bolinhas se originaram a partir das alucinações de que sofre desde cedo, ao que parece a mãe de Kusama também teve papel importante no surgimento dessas imagens características, segundo contou Hidenori Ota, que representa a artista, em uma entrevista de 2012: "A mãe dela tinha ciúmes [do pai], e sua energia era direcionada a Kusama por meio de violência doméstica. Ela a beliscava com força, e isso deixava marcas na pele de Kusama. Ela me contou duas vezes que esta é a origem das bolinhas".

Ainda assim, essas alucinações, parte de um transtorno mental mais amplo e nunca especificado publicamente, tiveram forte influência na obra de Kusama. Em sua autobiografia "Infinity Nets", ela relata que as primeiras alucinações e pensamentos obsessivos apareceram durante a Segunda Guerra --Kusama via violetas com rostos humanos que conversavam com ela, sua voz lhe soava como o latido de um cachorro e estampas florais cobriam os cômodos em que estava. Segundo ela, transformar essas visões em pinturas e desenhos era uma maneira de acalmar-se.

Nova York

Depois de estudar arte em Kyoto e cansada da rigidez do estilo tradicional japonês, Kusama passou a explorar o cubismo e o surrealismo e, logo em seguida, começou a se corresponder com a artista plástica norte-americana Georgia O'Keeffe. Em 1957, Kusama partiu para Nova York, convencida de que seu lugar era em meio à efervescência que tomava a capital cultural norte-americana.

Apesar dos primeiros anos terem sido difíceis em termos financeiros e de adaptação, foi lá que ela pintou a primeira série de grandes obras em que cobria telas de até 10 metros de largura –e, muitas vezes, outras superfícies—com bolas e traços que formavam suas "redes infinitas".

Yayoi Kusama 2 - Reprodução/MoMa - Reprodução/MoMa
Yayoi Kusama (centro) durante a performance "Alice no País das Maravilhas", no Central Park, em Nova York, em agosto de 1968
Imagem: Reprodução/MoMa

No início dos anos 1960, ela passou para esculturas em que cobria objetos do dia a dia –como sofás, escadas e sapatos—com formas brancas semelhantes a salsichas, supostamente uma referência a sua aversão ao órgão sexual masculino. Segundo Kusama contou em uma entrevista de 2012, ela não gosta de sexo e tem uma obsessão com o tema.

"Quando eu era criança, meu pai tinha amantes e eu tive a experiência de vê-lo. Minha mãe me mandava para espiá-lo. Eu não quis fazer sexo com ninguém por anos", disse a artista. Da mesma forma que as "redes infinitas" seriam uma forma de aplacar a ansiedade causada pelas alucinações de Kusama, as esculturas fálicas também seriam uma forma de superar seus medos. "Eu as faço e faço e continuo fazendo até mergulhar no processo. Eu chamo esse processo de 'obliteração'", explica.

No fim dos anos 1960, já firmada como parte da vanguarda artística local, Kusama passou a se concentrar em performances –ou "happenings"--, em que frequentemente reunia atores e voluntários nus em pontos de destaque de Nova York e os cobria com suas bolinhas, como fez em 1968, na escultura de "Alice no País das Maravilhas" no Central Park. Foi o ponto alto de sua fama, período em que frequentou as páginas de jornais e revistas com mais frequência até do que Andy Warhol.

De volta ao Japão

No entanto, seus "15 minutos de fama" não duraram muito mais do que isso e, em 1973, deprimida, quebrada e sofrendo duras críticas da mídia, Kusama retornou ao Japão, onde se internou no Hospital Seiwa para Doentes Mentais, que acabou se tornando sua residência desde 1977.

Nos anos seguintes, a artista permaneceu praticamente no anonimato, tendo sido redescoberta apenas em 1989, quando o New York’s Center for International Contemporary Arts realizou uma retrospectiva de seu trabalho. A partir de então, ela voltou a produzir com mais afinco e o interesse por sua arte ganhou ainda mais força com uma grande exposição no MoMa (Museu de Arte Moderna) de Nova York, em 1998.

Já na casa dos 80 anos e ainda produzindo –apesar de raramente fazer aparições públicas ou conceder entrevistas—Kusama continua preocupada em manter a fama e o reconhecimento que finalmente alcançou, e pensa muito no legado que deixará. "Estou sempre tentando transmitir a minha mensagem ao maior número de pessoas possíveis", disse ela, em entrevista por ocasião de uma grande mostra na Tate Modern de Londres, em 2012. "Minha principal mensagem é por favor parem a guerra e vivam o esplendor da vida. Eu quero manter meu conceito o mais alto possível mesmo depois que eu morrer".

Serviço
Obsessão Infinita, de Yayoi Kusama
Quando: de 22 de maio a 27 de julho de 2014
Onde: Instituto Tomie Ohtake - av. Brig. Faria Lima, 201 (Entrada pela Rua Coropés, 88) – Pinheiros, SP
Quanto: grátis
Funcionamento: de terça a domingo, das 11h às 20h
Mais informações: 0/xx/11/2245-1900