São Paulo leva literatura da periferia à Feira do Livro de Buenos Aires
A língua é o muro impenetrável que separa o Brasil do resto do continente. É uma barreira mais forte que os interesses econômicos protecionistas que de vez em quando afloram deste lado da fronteira ou do outro.
Dificilmente a participação de São Paulo como cidade convidada de honra na 40ª Feira do Livro de Buenos Aires será suficiente para derrubar esse muro, mas a comitiva de escritores, sociólogos, músicos e editores paulistas servirá talvez para erguer uma ponte entre as duas cidades com mais oferta cultural da América do Sul.
A proposta da megalópole brasileira é variada e inclui autores consagrados como o multimídia Arnaldo Antunes –o mais conhecido pelos hermanos–, Marçal Aquino ("Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios"), Andréa del Fuego ("Os Malaquias") ou Ricardo Lísias.
Mas o foco estará no que os próprios paulistas e agitadores culturais brasileiros chamam de “cultura periférica” e “literatura marginal”. Trata-se de um grupo de autores que, em sua maioria, vive em favelas ou zonas marginais da cidade e que ganharam visibilidade nos saraus, o fenômeno de grupos que recitam poesia (com ou sem música) e que explodiu primeiro nos bairros mais pobres da cidade, entre 2001 e 2002, e se espalhou pelo resto do Brasil e dos outros setores sociais. Reginaldo Ferreira da Silva, mais conhecido como Ferréz, o nome com o qual se transformou em best–seller, é a cara mais conhecida desses grupos.
O autor de "Manual Prático do Ódio" será sem dúvida um dos pontos fortes da feira: tem discurso e uma literatura potente. Dias atrás, em São Paulo, ele disse ao "Clarín" que “os autores brasileiros da classe média estão deprimidos, só pensam no rivotril”. Essa tensão subjacente também virá a Buenos Aires. Ferréz compartilhará mesa com outro escritor consagrado, Marcelino Freire, autor de "Contos Negreiros", e também emergente da literatura marginal, que afirma: “a grande maioria dos autores do mainstream torcem o nariz para os que vêm da periferia”.
Festivos e catárticos, próximos do hip–hop, 15 dos 150 grupos de saraus que convivem em São Paulo virão à Feira. “O que se buscou foi inverter o tradicional: colocar a periferia no centro e o mais consagrado na periferia", explica Luiz Bagolin, diretor da Biblioteca Mário de Andrade, a segunda mais importante do Brasil, e o grande responsável pela coordenação da programação paulistana.
São Paulo terá um stand próprio no pavilhão amarelo da Rural, com uma superfície de 144 metros quadrados. A decoração estará a cargo do coletivo JAMAC, coordenado por Mônica Nador, artista importante na cena de São Paulo, que trocou a pintura pelo aerossol e os museus pelos projetos sociais e artísticos na rua. Seus enormes quadros de seis metros de comprimento por 1,5 metro de largura envolverão o stand. A pesquisadora argentina Lucía Tennina apresentará ali sua nova antologia de saraus.
A programação brasileira, porém, não se limitará ao edifício da feira. O Malba, o cine Gaumont e até a discoteca Niceto terão shows e apresentações.
A única ironia é que, com tamanha aposta pela integração regional, as restrições alfandegárias não permitirão a entrada no país de um grande volume de livros brasileiros, como avisou Juca Ferreira, secretário municipal de Cultura. Por enquanto, será preciso se contentar com os autores.
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