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"Não cheguei a lugar nenhum", diz argentina Juana Molina sobre novo disco

"O que eu fiz neste disco foi evitar o caminho conhecido", diz a artista Juana Molina sobre "Wed 21" - Divulgação
"O que eu fiz neste disco foi evitar o caminho conhecido", diz a artista Juana Molina sobre "Wed 21" Imagem: Divulgação

Marcela Mazzei

do Clárin

05/03/2014 17h03

Uma das artistas argentinas de maior progressão na cena alternativa internacional, Juana Molina fala de “Wed 21”, seu novo álbum.

"Wed21", sexto álbum de Juana, editado em outubro, já recebeu boas críticas da imprensa especializada, como Pitchfork, e apareceu em algumas listas dos melhores discos de 2013.

O novo álbum alterna entre melodias e atmosferas rarefeitas, característica que Juana mostrou em trabalhos anteriores, mas com uma nova paleta de instrumentos: guitarra elétrica, baixo e bateria eletrônica que se agregam à voz e aos sintetizadores.

O show de apresentação oficial, em dezembro de 2013, foi uma festa de dança e admiração, e agora a artista acrescentou uma série de concertos de verão e um show no primeiro Lollapalooza local, antes de sair em turnê pelos festivais internacionais - lugares onde também resenham seus shows e a etiquetam com subgêneros e neologismos precisos que seu espectro sonoro possa conter, mas onde cantar em castelhano a deixa de alguma forma ainda à margem.

CLÁRIN (CLA): Como você se sente diante de tanto reconhecimento e, simultaneamente, da tentativa de etiquetar o que você faz?

Juana Molina (JM): É gratificante, por um lado, mas eu não entendo muito o que eles querem dizer com blop, blitch... No começo eu procurava no dicionário, depois escolhi entender a ideia geral da crítica e às vezes nem as leio.

É verdade que as críticas francesas são as melhores, talvez porque eles têm uma educação em literatura muito mais ampla e por isso descrevem melhor e não precisam comparar. Porque a comparação distancia e aquele que se aproxima pode se decepcionar.

Não se pode comparar a música com a de outras pessoas, a menos que você esteja num estilo definido: folclore com violões e bumbo.

CLA: O que é o mais distante da sua música, que é difícil de enquadrar?

JM: Agora é mais fácil porque tem mais gente fazendo coisas parecidas no mundo, mas quando eu comecei era evidente que não sabiam onde me colocar.

Nas lojas de discos estava em rock, em avant-garde, em eletrônica, em folk, em um monte de setores porque todos reconheciam algo de várias outras coisas.

CLA: O jornal "The Guardian" chamou de 'folktronic'. Isso te identifica?

JM: Esse termo foi inventado há dez anos. Eu o senti como uma descrição provável, mas a única coisa de folk na minha música era a guitarra acústica. Agora que não é mais acústica, o que eles vão dizer?

CLA: Talvez por folk queiram dizer aquilo que a sua música conserva de autóctone. Quanto há disso?

JM: Acontece que justamente o autóctone é o mais difícil de reconhecer. Você não percebe tudo isso que você sabe, que você mamou de criança em conversas dos seus pais. Não sei o que teria acontecido se eu não tivesse passado tantos anos na França... Afinal a gente é feita de uma matéria que é difícil de discernir. Eu, folclore?

CLA: Nesse caminho, você sente que a cena global alternativa que te elogia é onde você queria chegar quando resolveu se dedicar à música?

JM: Esse lugar não existe. Porque quando você imagina, você é outra pessoa, alguém que não está naquele lugar. Você imagina que vai ser você, mas como você é na hora que está imaginando, mas quando chega a algo parecido ao que você imaginava você já passou por um monte de outros lugares e não é mais a mesma pessoa.

Para as pessoas eu cheguei a um lugar, mas eu vou avançando... Para mim eu não cheguei a lugar nenhum, realmente. Sempre quero mais, não por ser ambiciosa, mas porque tenho tendência a minimizar o que faço. Para mim sim, está bem, mas faz 20 anos que estou caminhando a passo de formiga, não é que me tiraram de um lugar e me puseram em outro.

CLA: Talvez se notasse um certo inconformismo e agora se percebe algo mais agradável.

JM:  Não havia inconformismo. Havia uma trava nacional de não me deixar sair do lugar onde eu estava. Essa foi uma trava com a qual eu tive que lutar até que um dia eu percebi que eu tinha que soltá-la, porque era um problema dos outros. Demorei muitos anos, mas quando percebi, você não sabe o que foi a libertação. Porque eu ia para o cenário com o preconceito do que as pessoas pensavam e sei lá o quê.

CLA: E isso mudou completamente? Há um novo pacto com o público?

JM: No fundo é a mesma coisa, porque eu não vou cumprir as expectativas de todos. Eu soube disso quando eu fiz "Tres Cosas", onde deixei as músicas sem terminar. Eu me disse: a sobreposição de capas e os dois bilhões de arranjos já estão em "Segundo", eu vou fazer um disco despojado. Foi uma decisão consciente e sempre surgem as duas opiniões, por isso é preciso se abstrair.

CLA: Você confia em suas sensações.

JM: Seria tentar não se acomodar. Porque a gente às vezes se repete sem perceber. Está bem enquanto eu não sentir que é uma repetição.

CLA: Como você percebe? O que você mudou para Wed 21?

JM: O que eu fiz neste disco foi evitar o caminho conhecido. Talvez depois o resultado não seja tão diferente do anterior porque, embora eu procure outra coisa, a gente tem uma essência, o que nos relaciona com o mundo.

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    Detalhe da capa de Wed 21, novo disco de Juana Molina, revelação do "folktronic"

CLA: E qual seria no seu caso?

JM: No meu caso, que eu não me baseio nas letras, procuro evoluir na música, descobrir coisas que para mim são novas. O mundo toca guitarra elétrica há pelo menos 60 anos, mas eu a descobri neste disco.

O importante de descobrir coisas que já existem é que no descobrimento em si ocorre esse entusiasmo quase infantil de se excitar com alguma coisa. Um estado de surpresa onde não há pensamento que te diga: não, mas não é assim que se faz.

Para mim o momento criativo só é válido quando não há pensamento, que o estraga, banaliza, vulgariza e o torna falso.

CLA: E o corpo?

JM: Acontece como no amor quando você está muito apaixonada por alguém, jogados nesse momento de cama, café da manhã, acordar, dormir, não fazer nada e estar, que parece que o tempo não passou, e quando você olha a hora já passou uma semana.

Quando eu faço os discos é assim. Eu sinto que eu estou gravando e de repente são seis horas da manhã. O tempo não passou e ao mesmo tempo passaram-se horas.

CLA: Então vai além do físico.

JM: É uma espécie de estado, mais acima. Não tem a ver com o coração nem com as emoções quase. Está tudo sendo. Por isso também tenho essa ideia de que são os instrumentos que me levam a fazer o que eu faço. Eu sinto que eu não estou fazendo nada. Quando é assim, depois eu ouço e revivo esse momento.

E aí desaparece isso de se as pessoas vão gostar, se não vão gostar, se é preciso evoluir, o que é o que se deve fazer para o mundo.

CLA: Como foi o seu contato com o novo selo Crammed Discs? Quanto teve a ver o projeto Congotronics vs Rockers?

JM: Me convidaram para participar dessa colaboração de músicos ocidentais e congoleses e aí eu fiz amizade com o dono do selo, Marc Hollander. Depois houve um intercâmbio de ideias entre todos para montar músicas novas. Saíram coisas muito lindas, mas quando quisemos fazer ao vivo percebemos que eu tinha interpretado mal o ritmo e que nunca saiu bem desde o começo.

Depois apareceram críticas que diziam: “os branquinhos que entram no projeto africano”, com um pouquinho de desprezo. Quando a verdade é que eles não tinham nem ideia do que nós fazíamos, nem se importavam.

CLA: Nesta divisão que faziam entre os ocidentais e os congoleses, dá a impressão de que seu lugar está um pouco deslocado também de ambas as coisas.

JM: Sim, durante muito tempo foi difícil tirar a etiqueta única de mim, porque eu continuo tendo, tenho várias outras, de world music, que no mundo jovem do rock é quase como te deixar de fora.

Nem tentam, a menos que você seja de verdade um pigmeu ou algo muito primitivo e lendário. Mas é uma cruz ser considerada quase fora do circuito porque eu canto em castelhano.

CLA: Isso acontece com você?

JM: Entro, mas tenho certeza de que se eu cantasse em inglês a história seria diferente.

CLA: Mas cantar em castelhano é deliberado, não é?

JM: Não posso cantar em inglês. Perderia autenticidade na hora. Tenho uma canção em inglês, mas é uma piada porque a letra está cheia de erros gramaticais. Eu morava nos Estados Unidos quando eu fiz, então tem um sentido.

Podia cantar lá, mas eu me imagino cantando em inglês e de repente tendo que tocar em Buenos Aires, como é que eu faço? Não posso! Talvez tenha que me livrar desse preconceito.

CLA: E agora como é tocar ao vivo em Buenos Aires?

JM: Foi muito difícil, mas eu já me acostumei a tocar ao vivo. Aqui por sorte o público é muito alegre, eles me recebem de uma maneira que na hora que eu saio já me motiva.

O que acontece comigo agora é muito incrível. Talvez eu esteja delirando, mas sinto que eles sentem um orgulho por mim, como dizendo: “essa daí aguentou” e atestam com todos os selos e carimbos.

Os de fora não sabem de tudo isso.