Adão revê 30 anos de HQs e decreta: "A caretice é uma das pragas do mundo"
Três décadas de trabalho nos quadrinhos, um punhado de livros e outro de prêmios na estante, casado e pai de dois filhos, Adão Iturrusgarai, 49, não faz questão de esconder: "Nunca cresci o suficiente". Como no autorretrato que estampa a capa de "A Máquina do Tempo", coletânea de HQs recém-lançada que viaja por seus 30 anos de carreira, Adão segue rindo da vida à toa, pilotando pirocas e peitos voadores, sem se importar com quem acha a escatologia uma forma de humor menor.
"Quem disse que pintos, bucetas e escatologias não são inteligentes???", responde por e-mail ao UOL quando questionado sobre sua obsessão por desenhar as genitálias em questão, que aparecem em uma de cada três páginas da nova coletânea, numa média aproximada e nada científica. A abordagem despudorada e cheia de sacanagem que acompanha Adão desde a primeira página de HQ publicada na extinta "Chiclete com Banana" é herança direta de seus ídolos no cartunismo dos anos 70 e 80, como os franceses Georges Wolinski, Reiser e Vuillemin e o brasileiro Glauco. Os temas também são semelhantes: sexo, drogas e rock'n'roll.
"Difícil para mim fugir desses temas. Não fui eu quem escolhi esses temas, eles que me escolheram. Quando eu amadurecer, vou abordar outros temas. Isso daqui a uns 40 anos. A caretice é uma das pragas do mundo. Junto com a escrotidão, egoísmo etc. Em resumo, a praga do mundo é o ser humano", conclui o quadrinista, que há três anos vive em Villa Carlos Paz, cidadezinha argentina na região de Córdoba, de onde alimenta seu blog no UOL e cria tiras para a "Folha de S. Paulo".
"A Máquina do Tempo"
Adão Iturrusgarai
Zarabatana Books
64 páginas (cor)
Preço sugerido: R$ 42
A cruzada de Adão contra os caretas está bem representada em um dos pontos altos do álbum, uma HQ de quatro páginas sobre um legítimo coxinha - mais conhecido nos anos 90 como mauricinho - que é abordado pela polícia na rua e preso por "posse negativa de drogas". "Ele só dá desgosto, juiz! Hoje passou dos limites: disse que ia trabalhar num banco", reclama o pai do rapaz na audiência, um punk velho e sujo. "Botei o babaca pra fora de casa!"
Publicada originalmente em 1998 na revista Cybercomix, a HQ tem roteiro de Adão e desenhos de Laerte. "A gente se encontrava semanalmente para fazer a tira de 'Los 3 Amigos'. Na época, contei essa história pro Laerte. Ele gostou tanto que resolveu desenhar", lembra ele, que também homenageia o amigo na HQ "Crossdresser", escolhida para abrir o álbum. "Laerte foi um dos incentivadores de minha ida a São Paulo. O Angeli também. Fui porque queria sair de Porto Alegre, mas tinha também o convite do Angeli para ser subeditor da sua nova revista 'Matador'. Que nunca saiu do papel", diverte-se.
Se o projeto com Angeli nunca vingou, o mesmo não pode ser dito de outros projetos do quadrinista, como a tirinha "Aline", que acabou rendendo série de televisão na Globo estrelada pela atriz Maria Flor, e a dupla de caubóis "Rocky e Hudson", que já davam seus beijos e amassos gays bem antes de Mateus Solano na novela "Amor à Vida". "Ah, esqueci de dizer que Rocky e Hudson foram traduzidos para o espanhol, inglês, francês, italiano e alemão. Saíram em livro nesses cinco países. Lembrei porque talvez isso seja um pouco relevante", escreveu na última troca de mensagens, entre a timidez e o orgulho em ver suas criações virando gente grande.
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