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Asterix chega à 35ª aventura sem autores originais pela primeira vez

Otacílio d'Assunção

Do UOL, em São Paulo

24/10/2013 05h00

Este 24 de outubro é, provavelmente, o dia mais aguardado para os fãs de Asterix. Não deve ter tanto empurra-empurra nas portas das livrarias como nos lançamentos da coleção "Harry Potter", mas começa a ser vendido "Asterix Entre os Pictos" numa operação simultânea em 23 países com tiragem de 4,4 milhões de exemplares. Este é o álbum de número 35 da série que começou em 1959 na revista "Pilote" e passou a ser publicado em livros a partir de 1961.

  • Reprodução

    Capa da edição brasileira de "Asterix Entre os Pictos" (2013), por Jean-Yves Ferri e Didier Conrad

"Asterix Entre os Pictos"
Editora: Record
Páginas: 48
Preço: R$ 28, em média

A novidade é que esta é a primeira aventura de Asterix sem a participação dos autores originais, René Goscinny e Albert Uderzo. Após escrever 24 histórias, Goscinny morreu prematuramente, de ataque cardíaco, em 1977, aos 51 anos. Uderzo, embora relutante de início, decidiu assumir os roteiros sem o companheiro. Em 1980, a coleção continuou com "O Grande Fosso", mas a frequência diminuiu. Se nos tempos de Goscinny a média de criação era de um álbum e meio por ano, nos 30 anos seguintes foram só mais oito aventuras e um álbum comemorativo dos 50 anos do personagem em 2009, quando Uderzo anunciou sua aposentadoria --mas garantiu que a saga dos gauleses não iria parar e que a coleção recomeçaria, com um novo roteirista e um novo desenhista.

A nova dupla de autores é formada pelo roteirista Jean-Yves Ferri e pelo ilustrador Didier Conrad. Mas o que esperar da "nova coleção" que se inicia? Goscinny sempre fez falta. Embora feitos de maneira competente, os fãs sempre reclamaram da queda na qualidade nos roteiros de Uderzo. As novas aventuras tinham todos os elementos das primeiras, como as viagens pelos quatro cantos do mundo conhecido, poção mágica, fofocas na aldeia, intrigas e pancadarias envolvendo os romanos e o encontro de lei com os piratas, que eram sempre massacrados durante todas as viagens marítimas.

Mas faltava a "poção mágica" da qual só Goscinny sabia a receita, o molho com o qual temperava as histórias, recheando-as de sutilezas e trocadilhos. Alguns álbuns da era "Uderzo-solo" foram considerados bons, outros --como "O Dia em que o Céu Caiu" (2005)-- foram classificados como um tiro no pé. E, agora, a nova coleção chega desfalcada do outro co-criador. A apreensão entre os "asterixianos" é grande, pois, como em todo o lançamento de um novo Asterix, tudo é coberto do mais alto segredo.

"Asterix Entre os Pictos" coloca o personagem de volta ao seu rumo. Ferri está à altura de Goscinny e chega a ser até melhor que Uderzo. Conrad também fez um excelente trabalho, mantendo fielmente o estilo e composição de cenas de seu antecessor. A olho nu, não se nota quase nenhuma diferença entre este álbum e algum dos primeiros 24. "Pictos" é tão bom quanto um "Goscinny médio".

Um ano de atraso
Até chegar ao álbum que saiu, os gauleses enfrentaram muitos problemas e tempestades pelo caminho. "Pictos" está saindo com um ano de atraso: era para ter sido lançado em outubro passado, junto com o filme "Asterix e Obelix a Serviço de sua Majestade". A escolha do novo roteirista não foi tão complicada, embora tenham sido anunciados outros nomes e Christophe Arleston (que escreveu duas histórias de "Asterix e seus Amigos", álbum-homenagem aos 80 anos de Uderzo) deu entrevista em 2009 como o novo autor.

Ferri participou de um concurso secreto promovido pela editora, onde os concorrentes submetiam roteiros sem assinar e Uderzo escolhia às cegas. A premissa de situar a aventura na Escócia o agradou de imediato e ele foi o selecionado. O assistente de Uderzo, Féderic Mébarki, que já arte-finalizava as histórias há mais de duas décadas, além de fazer todos os desenhos promocionais e publicitários dos personagens, parecia uma escolha natural. Ele chegou a ser anunciado como o sucessor de Uderzo na coletiva de imprensa do lançamento de "O Aniversário de Asterix e Obelix" em 2009, mas, quando entregou os desenhos a lápis do novo álbum, os atritos começaram.

Embora fosse competente para desenhar paisagens e figuras soltas dos gauleses, ele não funcionou ao colocar na linguagem dos quadrinhos. A versão oficial é de que, após um ano sacrificado redesenhando inúmeras vezes, ele jogou a toalha. A essa altura, Uderzo e sua editora Albert-René já tinham promovido outro concurso secreto para servir de plano B, em que Didier Conrad saiu vencedor e concluiu tudo em seis meses.

O começo de tudo
O primeiro volume, "Asterix o Gaulês" (1961), saiu com uma tiragem inicial de modestos 6.000 exemplares. Até hoje, 350 milhões de álbuns foram vendidos, o que o torna um dos personagens mais populares no mundo e um negócio trilionário, com direito a parque temático e uma parafernália de produtos.

A história da pequena aldeia gaulesa que resistia bravamente à ocupação romana foi amada pelos franceses, ainda com a memória recente da ocupação nazista que sofreram uma década e meia antes. Asterix se tornou imediatamente o herói nacional da França e consolidou a carreira da dupla, que aos poucos foi abandonando outras séries para se dedicar mais às peripécias da dupla Asterix e Obelix. O prolífico Goscinny, entretanto, continuou escrevendo outros personagens, como o grão-vizir Iznogud e dava uma mãozinha nos roteiros de "Lucky Luke" do belga Morris.

Dos quadrinhos para o cinema de animação foi um pulo. O primeiro, baseado na aventura "Asterix o Gaulês" (1967), não agradou muito aos criadores, que resolveram meter a mão na massa e co-dirigiram o segundo, "Asterix e Cleópatra" (1968). Eles produziram também um com argumento inédito, "Os 12 Trabalhos de Asterix" (1976). Da década de 1980 em diante forma produzidos mais cinco longas de animação e quadro filmes live-action, todos com Gérard Depardieu no papel de Obelix.

SPOILERS DE "ASTERIX ENTRE OS PICTOS"

- Asterix e Obelix nunca tinha posto os pés na Escócia e é para lá que eles vão. Depois que encontram um Picto (Mac Olosso) congelado num bloco de gelo à deriva na praia de sua aldeia, este é reanimado pelos remédios de Panoramix. O picto perdeu a habilidade de se comunicar e fala por uma linguagem cifrada, representada por títulos ou frases marcantes de músicas inglesas e escocesas. A mulherada da aldeia delira, provocando ciúme nos maridos.

- A razão por ter aparecido dentro de um bloco de gelo se deve a uma conspiração política engendrada pelo vilão da vez, Mac Abro. Isso porque haveria uma eleição do novo chefe-geral dos pictos e Mac Olosso era o sucessor natural do velho e bom e recém-falecido rei Mac 2º. Mac Abro, além de querer tomar o poder da região, dividida entre vários chefes, faz uma parceria secreta com os romanos. Asterix e Obelix chegam para por seus planos por água abaixo.

- Há uma intrincada explicação do sistema político da época (os pictos eram divididos em várias sub-tribos e antecipam, de certa forma, o voto distrital), como também as brincadeiras visuais imperam, já que Ferri é também desenhista. Os pictos se chamavam assim na época dos romanos por serem "pintados" (ou tatuados), e isso dá margens a explicações do surgimento dos "pictogramas".

- O elenco básico é o mesmo e, dos personagens tradicionais, apenas Júlio César e Cleópatra não dão as caras. E o cãozinho Ideiafix participa pouco da aventura, pois não acompanha a dupla na viagem. Mas surgem muitos novos personagens: além de todos os pictos e legionários genéricos, um burocrata romano enviado à aldeia para fazer o censo passa maus pedaços com o entra-e-sai dos gauleses.