Topo

Cineasta acusa coletivo Fora do Eixo de omitir patrocínio e reter pagamento

Poster do filme "Bollywood Dream - O Sonho Bollywoodiano", de Beatriz Seigner - Reprodução
Poster do filme "Bollywood Dream - O Sonho Bollywoodiano", de Beatriz Seigner Imagem: Reprodução

Do UOL, em São Paulo*

08/08/2013 13h48Atualizada em 08/08/2013 16h40

A cineasta paulista Beatriz Seigner, realizadora do filme “Bollywood Dream – O Sonho Hollywoodiano”, acusa a rede Fora do Eixo de tê-la enganado sobre exibições da produção, omitindo patrocínio, e de ter retido por nove meses dinheiro arrecadado com o longa.

O Fora do Eixo está em evidência desde que um de seus representantes e fundadores, Pablo Capilé, deu entrevista para o programa "Roda Viva", da TV Cultura, na última segunda-feira (5), para falar de seu papel na criação da Mídia Ninja, coletivo de jornalistas que ganhou projeção ao transmitir com tecnologias baratas os recentes protestos espalhados pelo país.

Após a exibição do programa, uma série de críticas e relatos de artistas e produtores culturais que disseram ter trabalhado em parcerias com o Fora do Eixo em diferentes projetos surgiram nas redes sociais. Além de Beatriz, o músico Daniel Peixoto, ex-integrante da banda Montage, também se declarou prejudicado pela rede, que é alvo de questionamentos sobre o uso de recursos públicos em projetos culturais realizados por eles e seus parceiros.
 
Procurados pelo UOL desde quarta-feira (7) para responder a essa e a outras acusações de artistas, representantes do Fora do Eixo não responderam à reportagem.
 
Beatriz também preferiu não dar entrevista, mas confirmou a autenticidade do texto divulgado em sua página na rede social. Segundo a diretora, o coletivo ofereceu a ela uma “campanha de exibição” para o filme, após ele passar pelo circuito comercial, para que fosse exibido em cineclubes associados à rede Fora do Eixo. Beatriz conta que ficou animada com a ideia, mas que logo surgiram problemas na relação com o coletivo.
 
Pagamento em "cubo card"
De acordo com a cineasta, apesar de receberem patrocínio do Sesc (Serviço Social do Comércio) para sessões do filme no interior de São Paulo, as pessoas ligadas ao Fora do Eixo afirmaram que o projeto era embrionário e que podiam pagá-la apenas com “cubo card” – moeda alternativa criada pela rede e usada apenas para trocas internas. Beatriz conta que, na época, não recebeu nada por essas exibições, nem em moeda corrente nem em cubo card.

A diretora afirma também que, em uma dessas exibições no interior paulista, recebeu o contrato do Sesc para assinar e só aí soube que o Fora do Eixo estava recebendo por aquela sessão no nome dela. Ela diz ter precisado cobrar o Fora do Eixo publicamente por nove meses até que o dinheiro fosse repassado. Em resposta, também via Facebook, Artur Faleiros Neves, que se identifica como integrante do Fora do Eixo há quatro anos e um dos responsáveis pela exibição do filme de Beatriz em Bauru, afirma que "100% dos recursos que vieram do Sesc Bauru para o projeto (...) foram redirecionados integralmente para o financiamento do projeto de circulação dela". 
 

O que é o Fora do Eixo?

O Fora do Eixo é uma rede de coletivos da área cultural, com a proposta de fazer um intercâmbio solidário de produção e conhecimento na produção de eventos. O grupo surgiu do Espaço Cubo, idealizado pelo produtor cultural e publicitário Pablo Capilé, em Cuiabá (MT), que passou a articular coletivos e eventos fora do eixo Rio-São Paulo, como festivais de música, cinema e teatro, entre eles o Festival Calango e Grito Rock. Recentemente, ganhou notoriedade com o surgimento da Mídia Ninja, que passou a cobrir ao vivo, via streaming, as manifestações em todo o País em 2013.

 
Beatriz relata, ainda, que o Fora do Eixo queria colocar uma logomarca no filme para que ele constasse como uma realização deles nos catálogos do coletivo. Informados de que a cota mínima de patrocínio para exibição de logomarca era de R$ 50 mil, os representantes do Fora do Eixo desistiram, conta a cineasta.

“A marca do fora do Eixo não está ligada a um CNPJ, nem de ONG, nem de Associação, nem de Cooperativa, nem de nada – pois se estivesse, ele seguramente já estaria sendo processado por trabalho escravo e estelionato”, afirmou, no Facebook.

No relato, ela diz saber também do caso de três pessoas que foram ameaçadas por um membro do Fora do Eixo após deixarem o coletivo. Segundo ela, as ameaças e o medo de ser colocado de lado por outros produtores culturais do país fazem com que outros artistas que tiveram problemas com o Fora do Eixo se calem.

Respostas
Bruno Torturra, à frente do projeto Mídia Ninja e que também estava no "Roda Viva" com Capilé, publicou um texto em seu Facebook rebatendo as declarações de Beatriz. "Esse desapego à mera viabilidade contábil é que permitiu que o FdE se tornasse uma potência. E isso incomoda, ofende, levanta todo tipo de desconfiança", diz ele, acrescentando que "a 'integridade', como ela cobrou da rede, é medida sobretudo por grana, ego, logotipos. Mais ligada a uma dinâmica econômica do que um real compromisso com a transformação e com a tolerância ao erro, ao vacilo, até ao calote que um processo tão sério como esse pode, e vai, gerar".
 
Capilé usou seu perfil no Facebook para se pronunciar sobre o caso na tarde desta quinta-feira. "Sobre o texto da Beatriz Seigner, por enquanto, compartilho com vocês alguns links para que tirem suas próprias conclusões, mais tarde posto um relato completo. Como disse ontem, estamos abertos a debates públicos, esse é o nosso DNA, desde sempre!".
 
Os links levam a depoimentos de moradores das casas que integram o Fora do Eixo e de colaboradores que defendem a idoneidade dos projetos do grupo, mas nenhum deles aborda questões como prestações de conta de patrocínios. Segundo o relato de Torturra, os moradores da Casa Fora do Eixo "dividem quartos, roupas, espaço. Abdicam mesmo de tempo livre em nome de construir algo juntos".
 
Músicos e produtores questionam modus operandi
O músico pernambucano China é um dos críticos ao modelo defendido pelo Fora do Eixo. Em 2011, ele publicou um longo texto em seu blog onde elogia a ideia inicial do coletivo, mas não seu modus operandi, como o uso de dinheiro captado através de editais públicos ou privados. "Se o FdE capta dinheiro público para organizar as suas ações, por que dezenas de artistas reclamam que não recebem cachê? Pra onde vai esse dinheiro?", questionou na época.

"Só quem cresce no FdE é o próprio nome do coletivo, que usa o talento e suor das bandas para garantir a próxima verba para as suas atividades. Esse papo de que estão ajudando a cena independente é conversa mole. Alguns membros do FDE estão fazendo nome (e política) em cima dessa cena", escreveu. China, no entanto, afirmou que nunca participou de um festival de algum coletivo da rede.

O cantor cearense Daniel Peixoto afirma que também já teve problemas com o Fora do Eixo. Em entrevista ao UOL, ele diz que conheceu representantes do grupo em 2007, quando ainda tocava com a banda Montage, e que combinou de lançar o disco solo "Mastigando Humanos" por um selo do Fora do Eixo. "Tinha a oferta de outros selos, mas quis continuar o trabalho [com o Fora do Eixo] pelo carinho, pela amizade, já estava no esquema".

Daniel diz ter custeado do próprio bolso o valor de gravação e da primeira prensagem do disco --com tiragem de mil exemplares e custo de R$ 30 mil--, mas que o Fora do Eixo alegou que o álbum não poderia ser vendido em lojas porque não continha código de barras. O músico conta ter entregue cerca de 800 discos para que fossem vendido pelo Fora do Eixo, mas que nunca recebeu o dinheiro.

Daniel diz também que uma das músicas desse álbum, "Olhos Castanhos", foi escolhida para fazer parte da trilha sonora da novela "Lado a Lado", da TV Globo, mas que não recebeu o dinheiro que tem direito pela execução por culpa do Fora do Eixo. "Só detectei o problema quando já tinha feito todos os contratos e a Som Livre disse que o ISRC [código internacional para identificar gravações] das faixas havia sido gerado em nome de outro artista. Não tenho mágoa e não estou declarando guerra. Só quero minha situação resolvida".

A artista Malu Aires, responsável pela organização do BH Indie Music, disse que foi abordada por representantes do Fora do Eixo para que seu festival fosse organizado junto com o coletivo. "Já desconfiava da cooptação, então nunca deixei", afirma. Ela diz que, a partir da recusa, o Fora do Eixo passou a organizar o festival Transborda para concorrer com o BH Indie Music, com datas e atrações semelhantes. Por conta disso, desde 2011, Malu diz que não consegue realizar seu festival.
 
*Com reportagem de Gabriel Mestieri e Tiago Dias