Cineasta acusa coletivo Fora do Eixo de omitir patrocínio e reter pagamento
A cineasta paulista Beatriz Seigner, realizadora do filme “Bollywood Dream – O Sonho Hollywoodiano”, acusa a rede Fora do Eixo de tê-la enganado sobre exibições da produção, omitindo patrocínio, e de ter retido por nove meses dinheiro arrecadado com o longa.
O Fora do Eixo está em evidência desde que um de seus representantes e fundadores, Pablo Capilé, deu entrevista para o programa "Roda Viva", da TV Cultura, na última segunda-feira (5), para falar de seu papel na criação da Mídia Ninja, coletivo de jornalistas que ganhou projeção ao transmitir com tecnologias baratas os recentes protestos espalhados pelo país.
De acordo com a cineasta, apesar de receberem patrocínio do Sesc (Serviço Social do Comércio) para sessões do filme no interior de São Paulo, as pessoas ligadas ao Fora do Eixo afirmaram que o projeto era embrionário e que podiam pagá-la apenas com “cubo card” – moeda alternativa criada pela rede e usada apenas para trocas internas. Beatriz conta que, na época, não recebeu nada por essas exibições, nem em moeda corrente nem em cubo card.
A diretora afirma também que, em uma dessas exibições no interior paulista, recebeu o contrato do Sesc para assinar e só aí soube que o Fora do Eixo estava recebendo por aquela sessão no nome dela. Ela diz ter precisado cobrar o Fora do Eixo publicamente por nove meses até que o dinheiro fosse repassado. Em resposta, também via Facebook, Artur Faleiros Neves, que se identifica como integrante do Fora do Eixo há quatro anos e um dos responsáveis pela exibição do filme de Beatriz em Bauru, afirma que "100% dos recursos que vieram do Sesc Bauru para o projeto (...) foram redirecionados integralmente para o financiamento do projeto de circulação dela".
O que é o Fora do Eixo?
O Fora do Eixo é uma rede de coletivos da área cultural, com a proposta de fazer um intercâmbio solidário de produção e conhecimento na produção de eventos. O grupo surgiu do Espaço Cubo, idealizado pelo produtor cultural e publicitário Pablo Capilé, em Cuiabá (MT), que passou a articular coletivos e eventos fora do eixo Rio-São Paulo, como festivais de música, cinema e teatro, entre eles o Festival Calango e Grito Rock. Recentemente, ganhou notoriedade com o surgimento da Mídia Ninja, que passou a cobrir ao vivo, via streaming, as manifestações em todo o País em 2013.
“A marca do fora do Eixo não está ligada a um CNPJ, nem de ONG, nem de Associação, nem de Cooperativa, nem de nada – pois se estivesse, ele seguramente já estaria sendo processado por trabalho escravo e estelionato”, afirmou, no Facebook.
No relato, ela diz saber também do caso de três pessoas que foram ameaçadas por um membro do Fora do Eixo após deixarem o coletivo. Segundo ela, as ameaças e o medo de ser colocado de lado por outros produtores culturais do país fazem com que outros artistas que tiveram problemas com o Fora do Eixo se calem.
O músico pernambucano China é um dos críticos ao modelo defendido pelo Fora do Eixo. Em 2011, ele publicou um longo texto em seu blog onde elogia a ideia inicial do coletivo, mas não seu modus operandi, como o uso de dinheiro captado através de editais públicos ou privados. "Se o FdE capta dinheiro público para organizar as suas ações, por que dezenas de artistas reclamam que não recebem cachê? Pra onde vai esse dinheiro?", questionou na época.
"Só quem cresce no FdE é o próprio nome do coletivo, que usa o talento e suor das bandas para garantir a próxima verba para as suas atividades. Esse papo de que estão ajudando a cena independente é conversa mole. Alguns membros do FDE estão fazendo nome (e política) em cima dessa cena", escreveu. China, no entanto, afirmou que nunca participou de um festival de algum coletivo da rede.
O cantor cearense Daniel Peixoto afirma que também já teve problemas com o Fora do Eixo. Em entrevista ao UOL, ele diz que conheceu representantes do grupo em 2007, quando ainda tocava com a banda Montage, e que combinou de lançar o disco solo "Mastigando Humanos" por um selo do Fora do Eixo. "Tinha a oferta de outros selos, mas quis continuar o trabalho [com o Fora do Eixo] pelo carinho, pela amizade, já estava no esquema".
Daniel diz ter custeado do próprio bolso o valor de gravação e da primeira prensagem do disco --com tiragem de mil exemplares e custo de R$ 30 mil--, mas que o Fora do Eixo alegou que o álbum não poderia ser vendido em lojas porque não continha código de barras. O músico conta ter entregue cerca de 800 discos para que fossem vendido pelo Fora do Eixo, mas que nunca recebeu o dinheiro.
Daniel diz também que uma das músicas desse álbum, "Olhos Castanhos", foi escolhida para fazer parte da trilha sonora da novela "Lado a Lado", da TV Globo, mas que não recebeu o dinheiro que tem direito pela execução por culpa do Fora do Eixo. "Só detectei o problema quando já tinha feito todos os contratos e a Som Livre disse que o ISRC [código internacional para identificar gravações] das faixas havia sido gerado em nome de outro artista. Não tenho mágoa e não estou declarando guerra. Só quero minha situação resolvida".
A artista Malu Aires, responsável pela organização do BH Indie Music, disse que foi abordada por representantes do Fora do Eixo para que seu festival fosse organizado junto com o coletivo. "Já desconfiava da cooptação, então nunca deixei", afirma. Ela diz que, a partir da recusa, o Fora do Eixo passou a organizar o festival Transborda para concorrer com o BH Indie Music, com datas e atrações semelhantes. Por conta disso, desde 2011, Malu diz que não consegue realizar seu festival.
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