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Máquinas estranhas, garoto punk e Bach movem trama de HQ do ilustrador Fido Nesti

Capa do livro "A Máquina de Goldberg", de Fido Nesti e Vanessa Barbara - Reprodução
Capa do livro "A Máquina de Goldberg", de Fido Nesti e Vanessa Barbara Imagem: Reprodução

Natalia Engler

Do UOL, em São Paulo

17/11/2012 11h13

A parceria entre uma novata e um veterano dos quadrinhos acaba de resultar em mais uma HQ editada pela Companhia das Letras, dando vida a um garoto gordinho, punk e asmático, condenado a uma temporada em um acampamento de férias.

A novata é a escritora Vanessa Barbara (ganhadora de um prêmio Jabuti por “O Livro Amarelo do Terminal”) e o veterano é o ilustrador Fido Nesti, colaborador de diversos veículos nacionais e internacionais, como o jornal “Folha de S.Paulo” e a revista “New Yorker”. Os dois se uniram para criar a graphic novel “A Máquina de Goldberg”, primeiro título de um projeto que coloca escritores e quadrinistas para trabalharem juntos.

O projeto foi idealizado pela RT Features, produtora de filmes como “Heleno” e “O Cheiro do Ralo”, que firmou uma parceria com o selo Quadrinhos da Cia., da Companhia das Letras, e comprou os direitos de adaptação para o cinema das obras. Dentro do projeto, ainda serão lançados “Guadalupe”, de Angélica Freitas e Odyr, “V.I.S.H.N.U.”, de Ronaldo Bressane e Fábio Cobiaco, e “Campo em Branco”, de Emilio Fraia e DW Ribatski.

“A Máquina de Goldberg”, que chega às livrarias neste mês, começa como a história quase infantil sobre Getúlio, um garoto que curte música punk e é enviado para um acampamento de inverno como punição por ser antissocial. É claro que lá ele enfrentará as provocações e peças dos colegas, mas o que poderia ser uma simples história de bullying se torna muito mais complexo quando Getúlio conhece o zelador do lugar, um velhinho obcecado com máquinas de Goldberg --dispositivos complexos cuja única função é dificultar tarefas simples-- e determinado a se vingar do chefe do acampamento.

Em entrevista por e-mail ao UOL, Fido e Vanessa contam como foi o processo de trabalho em parceria, apontam suas inspirações e falam sobre como conceberam a história.

UOL - Como surgiu a ideia da trama?
Vanessa Barbara
- Pensei em escrever sobre a minha época de “gordinho asmático” na escola, numa trama que envolvesse um velhinho solitário (porque o Fido desenha esse tipo de figura muito bem), engenhocas intrincadas à la Rube Goldberg e uma máquina de vingança feita a partir de pessoas.
Fido Nesti - O tema já estava nos planos da Vanessa, saiu de sua cabeça. Eu sempre tive curiosidade à respeito das máquinas de Goldberg, mas nunca havia me aprofundado sobre o assunto. Quando a ideia me foi passada eu fiquei surpreso e animado pela oportunidade de entrar neste mundo -- que na verdade é apenas uma faceta da história toda.

Foi um processo colaborativo ou um pensou na narrativa enquanto o outro pensou na concepção visual?
Vanessa
- Foi colaborativo --eu enviava uma espécie de roteiro com as indicações de cena e ele ia complementando. Às vezes, tomada por uma falta absoluta de ideias, eu escrevia apenas: “aqui você continua com o que achar legal”, ou: “aqui precisa de um respiro, algumas cenas mudas”. No final, acabamos pensando o roteiro juntos.
Fido - O trabalho foi conjunto em todos os sentidos. Eu sugeri alguns personagens e rumos que determinada parte da história poderia tomar, ao mesmo passo que ela dava ideias para detalhes de cenários e personagens. Acho que chegamos a trocar mais de quinhentos e-mails no processo todo. Alguns com títulos misteriosos como "Forças centrípetas, que tal?".

A narrativa traz duas referências curiosas --e relevantes para a trama-- que são Rube Goldberg e a "Toccata e Fuga" de Bach. Como surgiram esses elementos?
Vanessa
- Não sei bem como essas coisas foram se juntar. O Fido tinha pensado em alguma coisa com o Mozart, a certa altura enfiou um busto do compositor na cela do Leopoldo, e de repente me ocorreu que as fugas de Bach teriam muito mais a ver com uma máquina de vingança orquestrada por muitas vozes, e assim a história foi se desenhando.

Vanessa, é a primeira vez que você trabalha com quadrinhos. Quais foram os desafios e dificuldades?
Vanessa
- Quadrinhos são legais porque dá pra avançar a história de forma visual, sem a necessidade de ceder a longas descrições e textos. Além disso, as máquinas funcionam maravilhosamente bem no desenho, e por isso fez tanto sentido incluí-las na trama. Na hora de pensar numa história, parti do pressuposto que seria algo visual. Tentei imaginar o que seria legal de desenhar e de ver na página.

Você tem vontade de repetir a experiência de escrever uma história em quadrinhos?
Vanessa - Talvez, mas o fato de ter sido com o Fido facilitou enormemente. Duvido muito que a experiência fosse assim tão tranquila e divertida com qualquer outro quadrinista. A gente se deu muito bem, pensamos de forma parecida a respeito de várias coisas e não brigamos nem uma vez.

Fido, além deste trabalho, você já ilustrou obras como "Os Lusíadas" e trabalhou em parceria com outros autores. O processo de colaboração é mais complicado do que quando você trabalha sozinho?
Fido
- Acho que depende muito da companhia. No caso da “Máquina”, a parceria só teve pontos somatórios, um ajudando o outro a avançar com as engrenagens, sem qualquer tipo de aborrecimentos. Com “Os Lusíadas” também não tive muitas dores de cabeça, uma vez que Camões não estava por aqui para me censurar. Já para o próximo projeto, posso adiantar que será sem parcerias.

Como você vê o momento dos quadrinhos no Brasil hoje?
Fido - Vejo que o momento é bom, muitas editoras vêm abrindo espaço para os quadrinhos nos últimos anos; e o número de autores e leitores vem aumentando, acho. Quando comecei, há mais de duas décadas, a situação era outra. Os fanzines eram a saída para mostrar as caras. Os quadrinhos "adultos", autorais, eram vistos ainda como algo marginal. Desde bem cedo eu olhava para tudo isso com bons olhos, claro. Participei e bebi muito dessa fonte.

"A Máquina de Goldberg"
Autores: Fido Nesti e Vanessa Barbara
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 112 páginas
Preço: R$ 34,50