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"Pagando por Sexo" é uma história em quadrinhos de primeira

O quadrinista norte-americano Robert Crumb na Flip (06/08/2010) - Leandro Moraes / UOL
O quadrinista norte-americano Robert Crumb na Flip (06/08/2010) Imagem: Leandro Moraes / UOL

Robert Crumb*

10/08/2012 07h00

Chester Brown não é deste planeta. Talvez seja produto de uma daquelas abduções em que um alienígena enfia uma agulha no abdômen de uma mulher e a engravida. É um ser humano muito avançado, como se vê em sua foto. "Pagando por Sexo", além de divertido, é um livro muito instrutivo: é assim que funciona a habilidade artística de Chester. Sei que muitos o consideram uma pessoa seca, sem emoções. Repare que sua expressão facial é sempre a mesma em todo o livro. Sua boca é um traço reto. Ele nunca mostra os dentes, nunca ri, nunca faz uma careta – o oposto dos meus autoretratos. Na minha opinião, a neutralidade de Chester Brown no mundo é admirável. Jesus disse: “Sede como quem está de passagem.”

  • Reprodução

    Capa da HQ "Pagando por Sexo", de Chester Brown, lançada no Brasil pela Martins Fontes

Seus argumentos em favor da não regulamentação da prostituição me parecem totalmente convincentes. Se uma mulher quer cobrar pelo sexo, isso não é da conta de mais ninguém. Também é muito eficaz o modo como ele apresenta e refuta os argumentos mais comuns contra a prostituição. Mostra que esses argumentos são todos baseados ou na velha e retrógrada moral religiosa ou em pressupostos liberais irrefletidos e simplistas acerca da prostituição. Todas as prostitutas inteligentes que conheço reviram os olhos diante das tentativas dos liberais bonzinhos de “reformá-las”. Não que eu próprio já tenha tido relações com uma prostituta. Sempre fui tímido demais e, além disso, minha sexualidade é muito peculiar e bizarra. Só um tipo muito especial de mulher aceita meu jeito de ser ou gosta do meu jeito de ser. Sob esse aspecto, os desejos sexuais de Chester Brown parecem perfeitamente “normais”, convencionais. É maravilhoso o jeito que ele mostra que se tornou, ao longo dos anos, um connoisseur do mundo das profissionais do sexo. Todos os homens inteligentes que conheci e que pagavam pelos serviços de prostitutas se tornaram connoisseurs desse tipo. Alguns eram casados, outros solteiros. Não fazia diferença.

A ideia de um homem pagar por sexo é repulsiva para a mulher comum, uma ameaça ao lar, à família e, claro, ao ideal do amor romântico. As mulheres em geral têm de acreditar nas crenças e histórias negativas acerca da prostituição. Mas, como assinala Chester, há tantos comportamentos sórdidos entre casais casados quanto no mundo da prostituição. Além disso, boa parte dos problemas que afligem as prostitutas resulta do desprezo que a sociedade tem por elas, a ponto de, como mostra o livro, muitas terem de manter seu “trabalho” em segredo, até para os amigos. Tive uma amiga que, durante um jantar, confessou que tinha trabalhado como “acompanhante” por anos sem que os amigos soubessem; depois disso, percebi que todos passaram a vê-la de modo um pouco diferente. As mulheres começaram a desdenhá-la, como se ela tivesse confessado o envolvimento em alguma atividade criminosa. Alguns dos homens passaram a vê-la como uma mulher fácil, disponível para o sexo sem compromisso. Na verdade, ela era uma mulher de sexualidade marcante que tinha casos sem compromisso com muitos homens. Mas é impossível julgar um livro pela capa, e na aparência ela era tímida, modesta, reservada. Ninguém suspeitaria que já tinha sido uma profissional do sexo. No fim, teve de mudar da região onde morava. Quase todas as suas conhecidas passaram a evitá-la por ser uma “vadia” e uma destruidora de lares, embora ela fosse uma pessoa doce e agradável, conscienciosa e trabalhadora. Foi lamentável. Mais tarde, ficamos sabendo que ela alugou a barriga para um casal rico. Não sei o que aconteceu com ela depois disso.

Mas chega. "Pagando por Sexo" é uma história em quadrinhos de primeira, talvez o melhor trabalho de Chester Brown até hoje.

* Prefácio à graphic novel "Pagando Por Sexo", de Chester Brown, gentilmente cedido pela editora Martins Fontes