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Psicóloga leva Batman ao divã e enxerga sintomas de estresse pós-traumático no herói

Detalhe da capa do livro "What"s the Matter with Batman", de Robin S. Rosenberg - Reprodução
Detalhe da capa do livro "What's the Matter with Batman", de Robin S. Rosenberg Imagem: Reprodução

Diego Assis

Do UOL, em São Paulo

31/07/2012 06h05

Apresentado ao mundo pela primeira vez em 1939, nas histórias criadas por Bob Kane e Bill Finger, o super-herói dos quadrinhos Batman já passou por bons e, talvez muito mais, maus bocados de lá para cá. Quando criança, teve os pais assassinados diante de seus olhos; mais tarde, já como o vigilante mascarado de Gotham City, viu amigos e namoradas serem eliminados por alguns de seus maiores inimigos; experimentou ataques incontroláveis de fúria, bateu, apanhou, foi dado como morto e renasceu. Alter-ego do playboy bilionário Bruce Wayne, pensou muitas vezes em desistir da missão de limpar sua cidade dos criminosos e apenas curtir a boa vida de carrões e lindas mulheres que o dinheiro de família lhe proporcionou, mas nunca conseguiu. Batman é louco pelo que faz.

Interessada em compreender melhor a mente dos super-heróis, a psicóloga norte-americana Robin Rosenberg, formada pela Universidade de Nova York e PHD em psicologia clínica pela Universidade de Maryland, resolveu colocar o personagem no divã e tentar encontrar respostas científicas para a pergunta que todo leitor se faz: afinal, "qual é o problema com Batman?". Suas conclusões foram publicadas no livro homônimo ("What's the Matter with Batman?", em inglês), lançado em julho durante a San Diego Comic-Con, maior convenção de quadrinhos e cultura pop dos EUA, às vésperas da estreia do último filme da trilogia do herói dirigida por Christopher Nolan.

"Eu tenho escrito bastante sobre a 'psicologia dos super-heróis', e Batman é um personagem particularmente atraente. Toda vez que participo de convenções de quadrinhos, as pessoas sempre me perguntam se tem algo de 'errado' com Batman", explicou Rosenberg, em entrevista por e-mail ao UOL.

As pessoas podem ser estranhas, esquisitas, mas não terem necessariamente nenhum transtorno psiquiátrico. Elas podem ser diferentes do 'normal', mas não anormais. Essa, acredito, é parte da lição que Batman nos ensina

Trecho do livro "What's the Matter with Batman", de Robin S. Rosenberg

Apoiada na mais recente edição do Manual Diagnóstico e Estatísticos de Transtornos Mentais, a bíblia dos profissionais da psicologia, ela explora no livro os possíveis quadros clínicos nos quais Batman poderia ser enquadrado a partir de indícios colhidos em anos de pesquisas nas HQs, filmes, séries de TV e desenhos dedicados ao herói da DC Comics. Entre eles estão: depressão, transtorno dissociativo de identidade, transtorno obsessivo-compulsivo, transtorno do estresse pós-traumático e transtorno de personalidade anti-social.

Para os mais apressados - ou àqueles que não tiverem condições de ter acesso ao livro, ainda sem previsão de lançamento no Brasil -, é possível adiantar que o diagnóstico final do "paciente" é menos preocupante do que se poderia imaginar. "As pessoas podem ser estranhas, esquisitas, mas não terem necessariamente nenhum transtorno psiquiátrico. Elas podem ser diferentes do 'normal', mas não anormais. Essa, acredito, é parte da lição que Batman nos ensina", escreve a psicóloga.

Apesar de passar raspando em alguns diagnósticos que poderiam confirmar a existência de algum distúrbio mental mais grave (veja quadro abaixo), Rosenberg identifica entretanto alguns sintomas isolados que - se não o fizeram até agora - poderiam, sim, levar Batman/Bruce Wayne a precisar de ajuda médica no futuro.

Ele tem fatores protetores suficientes - riqueza, inteligência, dedicação à sua missão, apoio de amigos e familiares - que o tornam capaz de enxergar os traumas sofridos como parte de seu trabalho

Trecho do livro "What's the Matter with Batman", de Robin S. Rosenberg

"Entre os sintomas mais óbvios que Batman parece ter, relacionados ao transtorno de estresse pós-traumático, estão o fato de ele ter experimentado um trauma (um pré-requisito) e de ele ser hipervigilante ao perigo", afirma a especialista, destacando dois dos cinco sintomas que seriam necessários para se confirmar um quadro do estresse pós-traumático clássico. Muito comum, por exemplo, em soldados que retornam de guerras, esse tipo de transtorno costuma vir associado a incontroláveis flashbacks de memória do evento traumático presenciado, dificuldade de concentração e incapacidade de exercer atividades corriqueiras do dia a dia - coisas que, segundo a psicóloga, não parecem se aplicar ao herói dos quadrinhos e filmes.

"Mesmo tendo a coluna quebrada por Bane [vilão das HQs e foco da terceira parte trilogia de Chris Nolan no cinema], ele não desenvolve transtorno de estresse pós-traumático enquanto adulto pelos mesmos motivos que não o desenvolveu a partir de seu trauma de infância [a morte violenta dos pais]. Ele tem fatores protetores suficientes - riqueza, inteligência, dedicação à sua missão, apoio de amigos e familiares - que o tornam capaz de enxergar os traumas sofridos como parte de seu trabalho", defende a autora no livro.

Santa irresponsabilidade, Batman!
Apesar de absolver o herói no final dentre tantos deslizes de personalidade, há pelo menos um que parece ter incomodado Rosenberg sobremaneira: por que eleger adolescentes como ajudantes e colocá-los em risco de morte? Quem conhece os gibis sabe que, na maioria dos casos, o final dos inúmeros meninos - e uma menina - que assumiram a identidade de Robin acabaram sendo para lá de trágicos.

"Essa é uma questão mais difícil de responder", avisa a autora. "Inicialmente, quando Robin apareceu, nos anos 1940, o mundo era um lugar mais inocente, e os criminosos muito menos propensos a ferir policiais e crianças. Mas daí a expor Dick [Grayson, o primeiro garoto-prodígio] ao perigo é um claro lapso de julgamento da parte de Wayne", continua ela, sugerindo que Batman pudesse ter feito do menino um assistente que não saísse da Batcaverna, da mesma forma que o mordomo Alfred.

Expor Dick [Grayson, o primeiro garoto-prodígio] ao perigo é um claro lapso de julgamento da parte de Wayne

Robin S. Rosenberg

"É fascinante ler as diferentes histórias de Batman ao longo das décadas - ele muda conforme a época e o escritor", ressalta Rosenberg, para quem as histórias do escritor Frank Miller (de "Cavaleiro das Trevas" e "Ano Um") são "as versões mais dark" do personagem. "O Batman [da série de TV estrelada] por Adam West era propositalmente 'campy', e os quadrinhos seguiram esse estilo por um tempo. Quando o filme de Tim Burton saiu, parecia extremamente sombrio. Para a época, era o máximo de sinistro que um filme de Batman poderia ser. Nossa sociedade mudou muito desde então, e a versão ainda mais dark de Batman por Nolan e Bale se tornou enormemente popular", avalia.

Instada a deixar a ficção de lado e comentar episódios chocantes da vida real indiretamente relacionados ao universo de Batman, como a morte por overdose do ator Heath Ledger, que semanas antes chegou a afirmar em uma entrevista que ficara perturbado com o mergulho na mente doentia do vilão Coringa que interpretou no penúltimo longa da série, a psicóloga esquiva-se. "Trata-se de uma especulação compreensível, mas meu entendimento, do que li nos jornais, é que [Ledger] já tinha um histórico de insônia anterior ao seu trabalho no filme."

Sobre o trágico acontecimento da pré-estreia de "O Cavaleiro das Trevas Ressurge", em que um jovem matou 12 pessoas em um cinema do Colorado, nos EUA, Rosenberg também diz preferir não fazer comentários, por "não possuirmos ainda informações suficientes para compreender o que levou à tragédia".

Perto dos malucos da vida real, Batman e todos os vilões confinados em seu fictício Asilo Arkham parecem muito mais simpáticos à observação.

"Qual é o problema com Batman?"
O diagnóstico do herói segundo a Dra. Robin Rosenberg

Depressão
Apesar do jeitão taciturno e do sentimento de culpa por nem sempre conseguir livrar Gotham City dos seus vilões, Batman não apresenta um quadro típico de depressão, que, entre outras coisas, leva a sintomas físicos como perda de peso e apetite, comprometimento das atividades psicomotoras e dificuldade de concentração. A convivência diária com os horrores perpetrados por criminosos e agentes corruptos e a possibilidade sempre presente de provocar a morte de alguém próximo a ele podem, no entanto, levar o herói à depressão algum dia.
Transtorno Dissociativo de Identidade
O fato de manter uma dupla identidade e, muitas vezes, se referir a si mesmo na terceira pessoa não faz de Batman/Bruce Wayne uma vítima desse tipo de transtorno. Como muitos super-heróis e policiais infiltrados em organizações criminosas, o personagem usa o disfarce para proteger a si e àqueles próximos a ele. Batman teria, sim, um problema se, ao alternar de uma identidade para a outra, agisse e pensasse de maneiras completamente diferentes. Nesse quadro, Wayne não se lembraria do que fez como Batman quando se transformasse no vigilante noturno, nem vice-versa.
Transtorno Obsessivo-Compulsivo
Batman é um "workaholic". Enfurnado na Batcaverna, dedica as horas vagas a traçar estratégias para capturar os bandidos de Gotham City. Também é metódico e organizado, mas, do ponto de vista clínico, não sofre de obsessão ou compulsão. Pacientes diagnosticados com TOC reagem com ansiedade a pensamentos e impulsos que interrompem repetidamente sua rotina diária. Quanto ao Batman, dificilmente você o verá se perguntando a toda hora se esqueceu a chave do Batmóvel no contato ou desesperado para lavar as mãos depois de ter mergulhado nos esgotos atrás do Pinguim. (Será por isso que ele use as luvas?)
Transtorno de Estresse Pós-traumático
A morte de seus pais quando era ainda uma criança; a morte de Jason Todd, o segundo garoto-prodígio, vítima do Coringa; a morte da namoradinha de infância Rachel Dawes, também pelas mãos do arquirrival. Se tem algo que Batman acumulou ao longo dos anos foram episódios traumáticos. Como um veterano de guerra, Batman parece estar sempre hipervigilante e resiste a se aproximar das pessoas. Ainda assim consegue trabalhar e exercer funções sociais diariamente, algo que um paciente que sofre de transtorno de estresse pós-traumático não conseguiria fazer.
Transtorno de Personalidade Antissocial
Batman opera fora dos limites da lei. Espiona, invade e mente sobre sua identidade. Também não se furta a resolver os problemas com os próprios punhos, levando a perseguições e atos ilegais que põem em risco a vida não só de seus inimigos mas de pedestres e de quem estiver a seu redor. Só que quase não se dá conta disso. Vistas por essa óptica, muitas das atitudes de Batman poderiam enquadrá-lo não como um herói, mas como um psicopata. A diferença crucial é que, ao contrário das vítimas de distúrbios antissociais, Batman não age assim por prazer, mas em nome do que acredita ser seu dever: o de prender criminosos.