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Ganhadora do Pulitzer faz sua estreia no Brasil na Flip 2012 e já pensa em voltar

A novelista Jennifer Egan, vencedora do prêmio Pulitzer, uma das principais atrações da Flip 2012, durante entrevista ao UOL (6/7/12) - Renata Freihof/Editora Intrínseca
A novelista Jennifer Egan, vencedora do prêmio Pulitzer, uma das principais atrações da Flip 2012, durante entrevista ao UOL (6/7/12) Imagem: Renata Freihof/Editora Intrínseca

Natalia Engler

Do UOL, em Paraty (RJ)

07/07/2012 06h00

Jennifer Egan está fazendo sua estreia no Brasil em 2012, literal e literariamente. A escritora norte-americana de 49 anos vem ao país pela primeira vez para participar da Festa Literária Internacional de Paraty no mesmo ano em que tem sua obra publicada de forma expressiva por aqui. "A Visita Cruel do Tempo", livro que rendeu à autora um Pulitzer e um National Book Critics Circle Award em 2011, foi publicado pela editora Intrínseca em janeiro e "O Torreão", de 2006, chega aqui junto com a autora neste início de julho. Juntas, as duas obras já venderam 24 mil exemplares no Brasil e podem ser considerados o cartão de visitas da americana para os leitores brasileiros, apesar de seu primeiro romance ter sido publicado pela Record em 2001.

"'Uma História a Três', meu primeiro romance, foi publicado aqui em 2001, mas não acho que tenha sido um sucesso. Mas eu realmente acho que 'A Visita Cruel do Tempo' é uma boa introdução ao meu trabalho. Ele é construído ao redor da ideia de que cada capítulo é completamente diferente dos outros e é assim que meus livros são entre eles. Mesmo nos Estados Unidos, há muitas pessoas que nunca tinham lido meu trabalho até agora", diz Egan.

Apesar de ficar no Brasil por apenas cinco dias, na companhia do marido e dos dois filhos, a americana parece ter sido tocada pela experiência. "Viajar tem sido muito importante para mim. Um dos capítulos de 'A Visita Cruel' se passa em Nápoles e eu passei alguns dias lá com o meu marido, mas tive essa sensação de que acabaria escrevendo sobre isso e fiz muitas anotações. Um problema para mim no Brasil é que não entendo português. Então, uma parte da vida aqui está inacessível para mim, o que é uma pena. Mas sempre me comovo com a sensação do passado sendo revelado através do presente. Então, estar em uma cidade como Paraty é o paraíso. Como isso acaba em ficção é difícil de dizer. Eu costumo ter uma sensação de que posso vir a escrever sobre alguma coisa, mas pode passar muito tempo até que aconteça. Mas sinto sim que quero voltar ao Brasil. Sinto que foi uma boa introdução, mas tenho a necessidade de mais envolvimento, preciso passar mais tempo aqui", conclui.

"A Visita Cruel do Tempo"

"A Visita Cruel do Tempo", livro que alçou Egan à posição de uma escritora de sucesso, traz a cada capítulo a perspectiva de um personagem diferente, todos orbitando o universo da indústria da música. No entanto, como o título em português aponta, o tema central da obra é a passagem do tempo, algo que não fica explícito no nome original, em inglês: "A Visit from the Goon Squad" (uma visita do esquadrão de valentões, em tradução livre).

Um dos elementos presentes nesse romance de nome estranho é um retrato da cena punk rock de San Francisco, cidade californiana onde Egan cresceu e que vivenciou na mesma época que seus personagens. "O tempo e o lugar são muito semelhantes ao que vi. Mas as pessoas e as experiências não são minhas. Eu sempre fui mais uma observadora, embora eu desejasse ter um papel mais vital. Eu queria ser interessante e dramática, mas acabava sendo basicamente uma espectadora. Em retrospecto, não é tão ruim, porque o que vi foram pessoas aplicarem heroína e dividirem agulhas um ano antes da descoberta da Aids. Muitas dessas pessoas estão mortas. Mas uma das maiores diferenças entre a minha experiência e aqueles personagens é que eu não gostava tanto de punk. Eu gostava da música dos anos 1960. Eu andava para lá e para cá com cabelos longos, pés descalços, saias de camponesa e escutando The Who", diz.

Influências

Apesar de ter transformado a música em elemento central de seu romance de maior sucesso, Egan diz que não tem uma relação intensa com esta forma de expressão. "O erro está feito. Já me colocaram em debates sobre músicas e eu descobri que não tenho quase nada a dizer. Não ouço música quando trabalho, exceto quando estava escrevendo 'A Visita Cruel', porque um dos desafios técnicos desse livro é tentar colocar uma perspectiva completamente diferente em cada capítulo. Então, a música ajudou muito para ajustar meu humor e tom".

Além da música, a escritora conta que outras formas de expressão acabam influenciando seu trabalho. Em "A Visita Cruel", ela cita o escritor Marcel Proust e a série de TV "Família Soprano". Em "O Torreão", que ela classifica como um suspense gótico, ela diz que foi influenciada pela série "Dark Shadows", exibida nos EUA nos anos 1970 e que serviu de inspiração para "Sombras da Noite", filme mais recente de Tim Burton, que Egan diz achar "horrível". "Não tem nada a ver com o que eu lembro", diz.

Sucesso

Mais cedo, na manhã de quinta (6), antes de conversar com o UOL, Egan havia afirmado que se interessava pelo trabalho de Paulo Coelho, declaração que espantou os jornalistas presentes. Na verdade, o que a escritora queria dizer é que se interessava pelo fato de Coelho fazer tanto sucesso nos EUA, sem conhecer exatamente o tipo de livro que ele escreve. "Meu interesse em lê-lo diminui depois de chegar aqui e ter essas conversas", afirma. Ela diz que entende o interesse dos norte-americanos por este tipo de literatura que flerta com a auto-ajuda, mas diz que acredita que é uma armadilha tentar agradar ao público.

"Eu sinto que minha melhor aposta é tentar fazer algo bem. 'A Visita Cruel', que é o livro que me tornou popular, eu achava que iria se sair muito mal. É o tipo de livro que eu nunca escreveria se estivesse pensando em sucesso. Se eu eu quisesse ganhar muito dinheiro, não estaria escrevendo, para começo de conversa. Então, me sinto sortuda de ter encontrado tantos leitores", afirma.

Um dos possíveis segredos do sucesso do livro é a maneira como capta o espírito de uma época, algo que Egan diz não ser intencional. "É sorte. Porque você termina um livro e ele não sai antes de um ano. É impossível saber que tipo de 'fome' cultural vai existir naquele momento. Eu presumi que ninguém com menos de 40 anos leria meu livro", conta. E acrescenta que acreditava que o tema da passagem do tempo só interessaria a pessoas de meia-idade, como ela própria.

Twitter

Além de experimentar com a troca de vozes em "A Visita Cruel", Egan também se aventurou recentemente em uma forma nova de publicação ao publicar o conto "The Black Box" em partes, no Twitter da prestigiada revista "New Yorker". Segundo ela, quis experimentar o formato porque tem interesse em formas seriadas de ficção. "Na primeira vez que mostrei o conto à 'New Yorker', não contei que queria que fosse tuitado. Eu tinha medo de que achariam uma péssima ideia. Só depois que eles aceitaram publicar que eu falei sobre isso. A 'New Yorker' é o lugar de maio prestígio para publicar ficçao e eu não sabia se eles estavam dispostos a fazer isso. Por outro lado, eles têm muitos seguidores no Twitter, mais de um milhão, e 'The Black Box' teve muito mais atenção por ter sido tuitado. Muita gente já publicou ficção no Twitter, mas o que era interessante era a 'New Yorker' estar fazendo isso".

Egan diz que um dos desafios deste formato foi construir frases independentes, que não precisavam umas das outras para fazer sentido, e que também não fossem muito gerais. "Em uma edição, cortei todas as sentenças que eram geralmente verdadeiras, mas não específicas ao conto. Devo ter cortado umas 50", conta.

Na Flip, Egan participa da mesa "Pelos olhos do outro", ao lado do inglês Ian McEwan, às 12h deste sábado (7).